Acórdão nº 481/15.8IDFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo Comum Singular n.º 481/15.8IDFAR, da Comarca de Faro - Portimão, foi proferida sentença a condenar o arguido RR, como autor de um crime de abuso de confiança fiscal dos artigos 105º nºs 1, 2 e 4 e 7º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5, e a arguida “V… Lda” pela prática do mesmo ilícito criminal na pena de 180 dias de pena de multa à taxa diária de €7.

Inconformados com o decidido, recorreram os dois arguidos, concluindo: “1. Quando no Ponto 15. dos factos provados se refere que os arguidos “Apesar de notificados para regularizarem o pagamento da quantia referida em 14., acrescida de juros e coima, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no art. 105°/4 do RGIT, os arguidos não a liquidaram”, tal reporta-se à notificação concretizada em 12 de Junho de 2019, conforme documento com a referência 113510027.

  1. Previamente à acusação, não consta que a Administração Tributária tenha concretizado a notificação a que se alude no artigo 105º/4, alínea b) do RGIT.

  2. Assim, e por não verificação de condição objectiva de punibilidade, devem os arguidos ser absolvidos dos crimes a que foram condenados. Caso assim não se entenda; 4. A sobredita notificação foi concretizada quando havia decorrido mais do que cinco anos após a prática dos factos versados nos autos.

  3. Assim, e porque apenas após tal notificação, estavam reunidos os pressupostos para a instauração do respectivo procedimento criminal, e considerando que nessa data havia já decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal, deve o procedimento ser declarado extinto com as legais consequências.” O Ministério Público respondeu aos recursos pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo: “1ª – Os arguidos RR e V… Lda. interpuseram recurso da sentença que condenou o arguido RR pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos artigos 105º nºs 1, 2 e 4 e 7º do Regime Geral das Infracções Tributárias (doravante RGIT) na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5, e que condenou a sociedade arguida V… Lda. pela prática do mesmo ilícito criminal na pena de 180 dias de pena de multa à taxa diária de €7; 2ª – O artigo 105º n.º 4 al. b) do RGIT (condição objectiva de punibilidade) não atribui a uma concreta entidade a competência para ordenar o seu cumprimento, pelo que pode, e deve ser determinado pela entidade perante o qual estiver o processo quando a questão se vier a suscitar, quer seja, a autoridade tributária, Ministério Público, Mmo. Juiz de Instrução Criminal ou Mmo. Juiz de Julgamento (veja-se Acórdão n.º 409/2008 do Tribunal Constitucional e doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora datados de 21-03-2017, Processo n.º 228/13.3IDSTB.E1, e de 27-09-2016, Processo n.º 393/11.4IDFAR.E1, disponíveis in www.dgsi.pt.); 3ª – A questão da necessidade de notificação aos Recorrentes nos termos do disposto no artigo 105º n.º 4 al. b) do RGIT foi inclusive ponderada em sede de instrução pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, tendo o mesmo entendido que a mesma nem sequer seria necessária porquanto pressupõe que a prestação tributária a entregar ao Estado seja previamente comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo contribuinte, sendo que in casu os Recorrentes não efectuaram sequer a entrega da respectiva declaração; 4ª – A falta, ou a efectivação, da notificação nos termos do disposto no artigo 105º n.º 4 do RGIT em nada interessa para o decurso do prazo da prescrição do procedimento criminal; 5ª – Para a data de início do decurso do prazo do procedimento criminal não poderá deixar de aplicar-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2015 publicado in DR 35 SÉRIE I de 2015-02-19, aplicável mutatis mutandis ao caso sub judice porquanto estamos no âmbito da aplicação das mesmas normas do mesmo diploma legal; 6ª – Nos termos do disposto no artigo 27º n.º 1 al. a) do Código do IVA, o pagamento do IVA respeitante ao 1º trimestre do ano de 2013 no valor de €12.083,99 deveria ter sido entregue até ao 15 de Maio de 2013, pelo que se iniciou o prazo de prescrição do procedimento criminal no dia 16 de Maio de 2013; 7ª – O crime de que os Recorrentes se encontravam pronunciados é punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, pelo que nos termos do disposto no artigo 118º nº1 alínea c) do Código Penal o procedimento criminal extinguir-se-ia por prescrição se tivessem decorridos 5 anos sobre a prática dos factos, ou seja 16-05-2018, caso não se verificassem quaisquer causas de suspensão ou interrupção da prescrição do procedimento criminal previstas nos artigos 120º e 121º do mesmo diploma legal; 8ª – Por despacho datado de 12-09-2017 foram os Recorrentes declarados contumazes, sendo que no dia 08-10-2018 o Recorrente RR compareceu em Juízo tendo prestado termo de identidade e residência, tendo ainda sido recolhido termo de identidade e residência à sociedade Recorrente na pessoa do seu legal representante; 9ª – O prazo da prescrição do procedimento criminal esteve suspenso entre 12-09-2017 e 08-10-2018 (cerca de 1 ano e 1 mês) período em que vigorou a declaração de contumácia dos Recorrentes cfr. artigo 120º n.º 1 al. c) e n.º 3 do Código Penal; 10ª – No dia 08-10-2018 os Recorrentes foram notificados pessoalmente do despacho de acusação, pelo que em tal data começou a correr novo prazo de prescrição do procedimento criminal cfr. artigo 121º n.º 2 do Código Penal; 11ª – De tudo isto facilmente se conclui, salvo melhor opinião que não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, nem pela aplicação do disposto no artigo 121º n.º 3 do Código Penal; 12ª – Assim, atendendo ao supra exposto, entendemos não merecer qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao decidir nos termos e com os fundamentos expostos na douta sentença recorrida.” Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu extenso e fundamentado parecer no sentido da confirmação da sentença, e os recorrentes responderam, reiterando os recursos.

    Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

  4. Os factos provados da sentença são os seguintes: “1. A sociedade comercial V…, LDA., constituída em 03.10.2011, tem como objecto social a actividade de pintura e colocação de vidros.

  5. A sociedade é sujeito passivo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A,), possui contabilidade organizada, encontra-se colectada com a actividade referida em 1. e enquadrada no regime normal, com periodicidade trimestral.

  6. O arguido RR é o único sócio gerente da sociedade arguida, desde a sua constituição até à presente data.

  7. Exercendo, nessa qualidade e designadamente, durante o ano de 2013, a gestão da sociedade, obrigando-a com a sua assinatura.

  8. Cabia-lhe, nomeadamente, a iniciativa e a total responsabilidade pelas decisões concernentes à gestão da sociedade, a que depois dava execução, nomeadamente decidindo da afectação dos meios financeiros ao cumprimento das obrigações fiscais correntes.

  9. Pelo menos durante o primeiro trimestre de 2013 a sociedade arguida desenvolveu, de forma efectiva e com regularidade, a actividade referida em 1.no âmbito da qual realizou serviços e emitiu facturas aos seus Clientes.

  10. Ao emitir tais facturas, a sociedade arguida liquidou o I.VA, nos termos a que estava vinculada e recebeu dos referidos clientes, quase na Integra, o valor facturado. Onde se incluía o I.VA correspondente.

  11. A sociedade arguida enviou à Administração Fiscal a declaração periódica de I.VA referente ao 1º trimestre sem indicação de quaisquer movimentos. Contudo.

  12. Nesse período temporal, a sociedade arguida prestou serviços no valor global de € 66.011,00, por conta dos quais lhe foi paga a quantia de € 64.619,98, a que corresponde o valor de € 12.083,39 a título de IVA apurado a entregar ao Estado.

  13. O valor de €12.083,39 referente ao IVA liquidado, foi integralmente recebido pelos arguidos ou por indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, a seu mando.

  14. Estavam os arguidos obrigados a entregar a quantia referida em 12., até ao dia 15 do 2° mês seguinte àquele a que respeitam as operações, o que não fez nem no termo dos prazos que a lei lhe impõe, nem nos 90 dias seguintes.

  15. A sociedade arguida não entregou, nos cofres do Estado, a quantia correspondente ao valor do IVA apurado e efectivamente recebido durante o 1° trimestre de 2013.

  16. O arguido RR, em nome e em representação da sociedade arguida, decidiu não entregar à Administração Fiscal a quantia aludida em 12. supra, tendo antes optado por utilizá-la, ainda que por pessoa a seu mando, em proveito e no interesse da sociedade arguida, afectando-as a outros fins.

  17. Ao agir da forma descrita, o arguido integrou a importância de € 12.083,39 no património da arguida V… LDA., obtendo para esta sociedade vantagens patrimoniais indevidas.

  18. Apesar de notificados para regularizarem o pagamento da quantia referida em 14., acrescida de juros e colma, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no art. 105°/4 do RGIT, os arguidos não a liquidaram.

  19. O arguido RR agiu sempre consciente e de forma voluntária, por sua iniciativa em nome e representação da sociedade arguida e no interesse desta, procurando, e conseguindo, obter um enriquecimento indevido à custa do Estado, através da não entrega do montante de I.V.A., resultante da actividade desenvolvida, liquidado e recebido no 1° trimestre de 2013, a que sabia estar obrigado.

  20. Os arguidos sabiam que as suas...

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