Acórdão nº 3/19.1PEPTG-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório a. Nos autos de inquérito, com o n.º 3/19.1PEPTG-A.E1, que correm termos na Procuradoria da República da comarca de Portalegre e que foram apresentados ao juiz de instrução criminal para interrogatório judicial de arguido detido, na sequência deste, foi judicialmente imposta, a 30/6/2020, a medida de coação de prisão preventiva ao arguido MJTP, com os sinais constantes dos autos, e a outros três arguidos ouvidos na mesma diligência por factos idênticos, por se ter considerado existirem fortes indícios da prática crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei, n.º 15/93, de 22 de janeiro, e necessidade de acautelar os perigos de continuação da atividade criminosa, de fuga e de perturbação do inquérito

Inconformado com a decisão que o sujeitou a prisão preventiva dela interpôs recurso o arguido MJTP, conjuntamente com as arguidas BCG e DCG (igualmente sujeitas à mesma medida de coação)

Já nesta Relação, por despacho de 18/8/2020 do juiz de turno, foi ordenada a separação dos recursos relativamente a cada um dos referidos recorrentes, ficando em consequência este cingindo ao recorrente MJTP

b) Da motivação do recurso extraem-se as seguintes conclusões [transcrição]: «1. A medida de coação de prisão preventiva foi indevidamente aplicada porquanto não se encontram reunidos os requisitos; 2. O crime que se mostra indiciado não é o do art. 21° do DI 15/93, de 22 de Janeiro, mas sim o tráfico de menor gravidade previsto no art. 25° do mesmo diploma; 3. Com efeito, a distinção entre os dois tipos legais acima referidos, assenta na constatação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir da situação de facto, nomeadamente a qualidade dos estupefacientes - drogas duras ou leves -, quantidades comercializadas, dimensão dos lucros, grau de adesão; o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas; a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida; a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes; o número de consumidores contactados; a extensão geográfica da atividade do agente;- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente. 4. No que respeita aos Recorrentes M e B, o produto estupefaciente apreendido era cannabis, considerado uma "droga leve"; que se, destinava ao consumo próprio, uma vez que ambos consumiam frequentemente cannabis sendo que, conforme admitiram, também vendiam por vezes a alguns amigos, uma vez que tinham e os amigos lhes pediam que vendessem. 5. Estas vendas não eram um modo de vida ou modo de obter lucros para subsistir, mas sim vendas feitas a amigos com quem contactavam directamente e de forma esporádica, sendo certo que, as situações e episódios que se mostram indiciados reportam-se a um curto lapso temporal - alguns meses. 6. Por outro lado, a forma como ocorreram e o modus operandi dos Recorrentes evidencia a inexistência de qualquer sofisticação ou organização na pretensa actividade dos Arguidos, que se caracterizava essencialmente, pela compra de cannabis para si e a venda, através de contacto directo com amigos, sendo que, os lucros auferidos por aqueles eram muito baixos, de foram que, essa "actividade" não era o sustento de vida dos Recorrentes, pelo contrário, na medida em que todos eles têm empregos e dependem do respectivo salário para subsistir, sendo que, a quantia apreendida na posse dos Recorrentes era reduzida, e perfeitamente justificada em face dos respectivos rendimentos. 7. No que respeita à extensão geográfica da actividade, apenas ocorreu em alguns locais da cidade de ……………, de forma que, não se pode considerar que teria uma grande dimensão. 8. Quanto à Recorrente D, esta explicou que é consumidora de cannabis com alguma regularidade e de ecstasy, esporadicamente, em festas, motivo pelo qual, comprou 150 comprimidos de ecstasy, no festival Frequency, em …….., em 2018, pelo valor de € 1,00 cada, ainda tendo hoje, decorridos dois anos, a quantidade apreendida. 9. A Recorrente D negou perentoriamente vender ecstasy ou qualquer outro estupefaciente a outras pessoas, sendo que, os comprimidos tinham sido comprados para si, para consumir esporadicamente em festas. 10. Com excepção do produto apreendido, não há quanto a esta quaisquer indícios nos Autos, nomeadamente, resultantes de vigilâncias ou escutas, que permitam concluir que a Recorrente D venda ou ceda produto estupefaciente a terceiros. 11. Deste modo, pese embora por oposição aos Recorrentes M e B, não se trate de drogas leves, a verdade é que, não havia vendas de produtos a terceiros, de forma que nem sequer se pode falar de muita ou pouca organização ou sofisticação no modo de execução do tráfico. 12. Por sua vez também não há lucros a considerar, nem duração temporal da actividade, a extensão geográfica do tráfico, nem os consumidores contactados, sendo que, a quantia monetária encontrada na posse da Recorrente D era muito reduzida. 13. Assim sendo, quanto a todos os Recorrentes o crime indiciado é o tráfico de menor gravidade, previsto no art. 250 do Dl15/93, de 22 Janeiro, o que determina a ilegalidade da prisão preventiva. 14. Com efeito, a prisão preventiva não pode ser aplicada nos crimes de tráfico de menor gravidade por não se subsumir a nenhuma das alíneas do n° 1 do art. 2020 do Código do Processo Penal, nomeadamente pelo facto de a pena máxima aplicável ser inferior a cinco anos e por não se inserir no conceito de criminalidade altamente organizada. 15. Por outro lado, a aplicação da prisão preventiva depende da existência de fortes indícios da prática do crime de um dos crimes elencados nas alíneas do art. 2020 do Código do Processo Penal. 16. Ora, a verdade é que, não se encontra fortemente indiciada a prática pelos Arguidos do crime previsto no art. 210 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, muito menos pela Arguida D, relativamente à qual, já explicamos supra que não existem quaisquer indícios, que permitam concluir que aquela procedesse à venda de estupefacientes. 17. Sem conceder e por mera cautela, ainda que se considere que o crime que se considera indiciado é efectivamente o do art. 210 do DZ 15/93, de 22 de Janeiro, a verdade é que a medida de coação é excessiva e desnecessária, havendo outras que seriam suficientes para satisfazer as necessidades cautelares que no caso se fazem sentir. 18. Como explica o douto Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 38/17.9GAMNG-A.G1, de 24/04/2017 "Não pode olvidar-se que com tais meios processuais estão em causa, não apenas a eficácia da investigação criminal, mas também a protecção de direitos fundamentais das pessoas - como são os direitos à liberdade e à segurança - sendo, por isso, «necessário, em cada caso concreto, fazer uma ponderação dos interesses em conflito para determinar a respectiva prevalência e grau ou medida da sua restrição» (l}.Daí que, por um lado, as medidas de coacção previstas, exceptuado o termo de identidade e residência, só possam ser aplicadas desde que, em concreto, se verifique qualquer dos requisitos indicados no art. 204° do CPP (2) e que, por outro lado, essa aplicação esteja sempre sujeita ao respeito do princípio da proporcionalidade (3), que se desdobra em quatro subprincípios: a necessidade (indispensabilidade das medidas restritivas para obter os fins visados, com proibição do excesso (4)); a adequação (idoneidade das medidas para a prossecução dos respectivos fins); a subsidiariedade e da precariedade, todos eles corolários do principio da presunção de inocência (5). Tais princípios são impostos pelo preceito contido no art. 193.º (6), decorrendo o da necessidade, ainda, da regra de tia liberdade das pessoas só (poder] ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar» [cfr, art. 191°, n.º 1), devendo optar-se, em cada caso concreto, pela medida de coacção adequada e proporcionada, tendo em atenção as exigências por aqueles colocadas (7).Contudo, nos termos do n° 4 do art. 194°, a aplicação referida só pode ser fundamentada em factos concretos que possam preencher os respectivos pressupostos, incluindo os previstos nos aludidos artigos 1930 e 204º (princípios e requisitos). Não bastará, pois, o mero apelo, em abstracto, a tais pressupostos. Tudo isto significa que a prisão preventiva não pode, obviamente, ser encarada como uma pena (por antecipação), nem tão pouco como uma medida de segurança, porquanto se trata de uma simples medida cautelar, «uma medida de defesa e protecção da funcionalidade do processo» (8) e que, sendo a mais grave das medidas de coacção, como é sabido, só excepcionalmente pode ser aplicada e nas situações previstas no n° 1 do 202°, ou seja, entre outras, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos." 19. Nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação, fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue em atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade públicas (artigo 204Q do Código de Processo Penal). 20. Apreciando os pressupostos do art. 204° do Código do Processo Penal, concluímos que, no que respeita ao perigo de fuga, deverá tratar-se de um perigo concreto, ou seja, de um perigo não abstratamente presumido e, sim, concretamente justificado e considerando que...

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