Acórdão nº 151/14.4T3GDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | SÉRGIO CORVACHO |
Data da Resolução | 22 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No Processo Comum nº 151/14.4T3GDL, que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, por acórdão do Tribunal Colectivo proferido em 11/3/2019, foi decidido: Atenta a natureza semi pública do crime de abuso sexual (vítima AB) p. e p. pelo art.º 172.º, n.º 1, do Código Penal, na data da prática dos factos – artigos 113º, nº 1, 116º, nº 2, 172.º e 178º todos do Código Penal – atenta a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, absolver o arguido JMSR
Absolver o arguido JMSR da prática de um crime de coação agravada, previsto e punido pelos art.ºs 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. b), do Código Penal
Condenar o arguido JMSR pela prática, em autoria material, em trato sucessivo, de um crime de abuso sexual de menores, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1.º - Em data não concretamente determinada, mas reportada ao mês de Setembro de 2007, o arguido, enquanto falava, a sós, no seu gabinete de advogado no escritório na Rua …………, em …………………, com a menor AB, sentou-se ao lado dela e apalpou-lhe o seio direito, por cima da roupa que a mesma menor tinha vestida. 2.º - Antes de a menor AB sair do gabinete, o arguido beijou-a numa bochecha e disse-lhe para não contar a ninguém o que se tinha ali passado senão as “coisas” de que ele andava a tratar no processo para o pai da mesma menor ficariam mais difíceis para este. 3.º - AIRRR nasceu em 07.07.1995, sendo filha de FMMR e de FFRR. 4.º - A menor AB, foi levada ao escritório do arguido pelo seu pai FB
5.º - Tendo sido regulado o exercício do poder paternal (das responsabilidades parentais) relativamente à menor AB, o referido FR veio a constituir o arguido como seu mandatário em 17.09.2007 com vista a representá-lo em juízo no dirimir de questões a tal atinentes, o que ocorreu, designadamente, no âmbito do Processo de Incumprimento com o n.º ……… que correu termos no Tribunal de Família e Menores de ……….., alusivo à dita menor. 6.º - Previamente à formalização do mandato através de procuração (fls. 780), o arguido reuniu algumas vezes com o FR a quem prestou aconselhamento, a pedido daquele
7.º - Tendo tido, designadamente, intervenção na conferência de pais, que teve lugar em 10-09-2007
8.º - Dessa conferência resultou a celebração de um acordo entre os pais da menor AB, relativamente ao regime de visitas dos menores pelo pai (FB) que fez terminar o aludido incidente
9.º - O arguido veio a renunciar ao mandato por requerimento datado de 16-11-2007 que faz fls. 33 do aludido apenso “C”
10.º - Em datas não concretamente determinadas, entre os anos de 2007 e 2010, o arguido, quando se encontrava a sós, no seu gabinete, com a menor AC, por diversas vezes, com as mãos, tocava-a nas pernas, bem assim na zona genital, por baixo da roupa que tinha vestida, cheirando, depois, algumas vezes, os seus próprios dedos. 11.º - Costumando a menor AC ir ao escritório do arguido usando calças, este desabotoava-as, introduzia as mãos por dentro das mesmas e mexia então na zona genital daquela
12.º - Nessas ocasiões o arguido dava à menor canetas ou lápis de cor e folhas brancas para fazer desenhos e sentava-se ao lado da mesma
13.º - Os períodos de tempo em que se encontravam sozinhos, tinham a duração, em média, de cerca de meia hora
14.º - Tendo corrido termos no Tribunal de Família e Menores de ……relativamente à menor AC o Processo de Promoção e Proteção com o n.º …, veio o arguido a ser nomeado patrono à referida MS com vista a representá-la em juízo no dirimir de questões a tal atinentes
15.º - Enquanto a menor estava no gabinete do arguido nas circunstâncias supra descritas, a MS ficava na sala de espera. 16.º - Nesse período, em data não concretamente determinada, arguido ofereceu um telemóvel à menor
17.º- O arguido foi defensor oficioso da MJ (mãe da menor AC) em meados do ano de 1996, num processo de divórcio da mesma com o seu ex-marido de apelido S
18º - Posteriormente manteve contatos com vários com a referida MJ, designadamente devido a problemas vários em casa de MJ com os seus filhos menores (filhos de MJ e irmãos de A) e fruto de sinalização da família pela CPCJ, nomeadamente o irmão mais velho de AC, de nome E) veio a ser desencadeado um processo de promoção e proteção (PPP) com o n.º ……….., relativamente ao filho E
19.º A MJ voltou então (anos depois do divórcio) ao contacto do arguido pedindo-lhe que representasse o filho E no âmbito de alguns processos tutelares educativos
20.º - Em meados de 2006 o arguido assumiu a representação do menor E, enquanto defensor oficioso indicado pela mãe (MJ)
21.º - Paralelamente foi desencadeado um processo de promoção e proteção relativamente a esse menor, por a CPCJ ter sinalizado o mesmo e a sua família como apresentando uma situação de risco
22.º - Nesse contexto que nos anos de 2006/2007, a MJ foi por diversas vezes ao escritório do arguido para se aconselhar acerca da situação do seu filho E e do processo de PPP
23.º - Sendo que, em algumas dessas vezes, levou consigo os seus filhos E e A
24.º - Os quais, enquanto a MJ conferenciava com o arguido na sala deste, aguardavam no corredor do escritório
25.º - Ao atuar da forma supra descrita, quis o arguido praticar sobre as menores AR e AC atos de natureza e conteúdo sexual, tocando em zonas do corpo daquelas que constituem património íntimo e uma reserva pessoal da sexualidade das mesmas menores, o que logrou concretizar. 26.º - Agiu o arguido com o propósito de satisfazer os seus próprios impulsos sexuais e com a vontade de dominar a liberdade de autodeterminação sexual das referidas menores, tendo então perfeito conhecimento da idade destas, bem assim de que, em razão de tal idade, não possuía a mesma a capacidade e o discernimento necessários para se autodeterminar sexualmente. 27.º - Mais sabia o arguido que, com as suas condutas, molestava a integridade psicológica e emocional e ofendia os sentimentos de pudor e intimidade daquelas menores, prejudicando, como tal, gravemente, o livre e são desenvolvimento da consciência sexual das mesmas. 28.º - Quanto à menor AC o arguido persistiu naquele propósito, sucessivamente renovado, durante todo o período em que foi concretizando os atos supra referidos, aproveitando-se do fácil contacto que conseguia manter com ela
29.º - O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Apurou-se ainda que: O arguido foi Advogado, inscrito desde 1994, tendo exercido a sua profissão, desde …………….., na Rua ………………, em …………………., estando atualmente com inscrição suspensa, a seu pedido
O escritório do arguido situa-se a cerca de ………….. metros do Tribunal de …………
O arguido, além de Advogado, foi político, tendo exercido entre os anos de …… a ………… e depois entre …….e………… o cargo de presidente da concelhia de …………….. do Partido ……..
Era e é uma pessoa conhecida da generalidade da população de ………., bem como do meio judicial
O arguido é casado com MASR desde Fevereiro de 2007, cidadã natural do ……. e de nacionalidade …………..e ………………..
Desse casamento resulto o nascimento de um filho, hoje com …anos de idade
Anteriormente, o arguido foi casado durante 11 anos, tendo dessa relação resultado dois filhos, um atualmente com ….anos e outro atualmente com ….
Enquanto exerceu a sua profissão no escritório já antes referido, o arguido teve uma funcionária administrativa, que ali exerceu funções durante cerca de 4/5 anos, até ………..de 2007
Quando a sua mulher passou a residir consigo em Portugal o arguido prescindiu dos serviços daquela
Entre Abril de 2007 e Junho de 2010, momento em que a mulher do arguido teve de regressar ao ………. para não perder o vínculo à função pública, a mesma compareceu diariamente no seu escritório e prestava o apoio administrativo de que o arguido carecia na sua profissão
Mais se apurou que: JR é natural de …………., tendo o processo de desenvolvimento decorrido junto do seu agregado familiar de origem, num contexto de boas condições ao nível económico, sendo o progenitor funcionário da Câmara Municipal de ……… e a progenitora costureira em casa. Os pais já faleceram e JR pretende ir viver para a morada onde residia com a sua progenitora
JR iniciou o seu percurso escolar em idade própria e com 19 anos de idade ingressou no ensino superior, no curso de Direito, indo estudar para Lisboa, onde se manteve durante cinco anos, até à conclusão do mesmo. Após a conclusão do curso, cumpriu o Serviço Militar Obrigatório, como oficial do exército
Aos 25 anos de idade contraiu matrimónio e da relação tem dois descendentes. Inicialmente, residiu durante um período de cerca de três anos na zona de ……., regressando mais tarde a …………….. com a esposa e filho, tendo tido o segundo filho já nessa zona. Ao fim de pouco tempo do nascimento do seu segundo filho, a relação marital finalizou e a sua ex-mulher e filhos regressarem para ……….., onde mantém residência
Após a licenciatura e o cumprimento do serviço militar, no ano de 1995/1996 montou escritório em ………………. onde exercia a atividade de advogado. Durante cerca de dois anos foi professor num liceu nas disciplinas de geografia e administração pública
Em 2006 conheceu a sua atual esposa, de nacionalidade ………., tendo contraído matrimónio em 2007, permanecendo o casal, a residir em ……………... Em 2010, a sua esposa regressou ao ………. por questões laborais, onde permanece desde então. Apesar desta situação, A relação mantém-se e tem um descendente, atualmente com …… anos de idade, o qual não conhece pessoalmente
Entre 2007 e 2010, JR manteve cargo político na direção de um partido na Assembleia Municipal de ………., mantendo nesse período forte ligação tanto com o partido como com a vida política. Presentemente e na sequência do processo pelo qual está...
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