Acórdão nº 955/19.1GDSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ SIMÃO
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório Por decisão de 10 de Janeiro de 2020, proferida no processo sumário do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 1), decidiu-se: Condenar o arguido FMFM pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; Inconformado o arguido recorreu, tendo concluído a motivação do seguinte modo: «1.Ao ter desatendido (Art.º 412.º, n.º 3, alínea b) do CPP) ao estado de necessidade desculpante invocado pela defesa (cessação abrupta do contrato de arrendamento, o facto de viver num camião, sem as mínimas condições de habitabilidade, a ausência de meios financeiros para pagar o seguro, a inspeção e a carta), conjugadamente com o relatório social junto aos autos, onde se pode ler, que todo esse circunstancialismo teve, no arguido, um “impacto emocional significativo”, a douta sentença apresenta um défice de fundamentação, atento o disposto no Art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, devendo ser nula, nesta parte, o que se invoca para os devidos e legais efeitos

  1. Deveria o Tribunal a quo ter realizado a subsunção do caso concreto às alíneas a), c) e d), do Art.º 71.º do CP, o que não aconteceu. O Tribunal violou a referida norma, em conjugação com as do Art.º 3.º, 35.º, n.º 1, do Código Penal, bem como a do Art.º 127.º do CPP. 3. A confissão do arguido deveria ter sido valorada a seu favor e não contra ele. Conforme “resulta do texto da decisão recorrida”, não podemos conceber (Art.º 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP) que “a circunstância do arguido ter assumido os factos” (qual matéria de facto provada, Art.º 412.º, n.º 3, alínea b)), não “assuma especial relevância”, só porque já havia sido produzida a demais prova e por se tratar de factos diretamente presenciados pelas autoridades”. Da (mera) falta à 1.ª sessão com a consequente multa processual, não resulta, automaticamente, o afastamento das regras probatórias, na medida em que uma confissão sincera tem de ser (convenientemente) valorada Art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). O Tribunal a quo violou o disposto no Art.º 32.º, n.º 1 da CRP e 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP. 4. A não aplicação, tout court, do (novo) regime de vigilância electrónica (Permanência na Habitação), sem a possibilidade de sobre ela se pronunciar o arguido, configura uma questão sobre a qual o Tribunal se deveria ter pronunciado (Art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP Por significar “um retrocesso no esforço de reintegração social do condenado”, mostram-se violadas as normas dos artigos: 43.º, n.º 1, alínea a), da Lei 94/2017, de 23 de agosto, e 40.º, n.º 1 e 42.º do CP. Com amparo jurisprudencial “não vemos por que motivo se impõe o cumprimento daquela pena em reclusão prisional. É verdade que a repetição de crimes desta natureza, não obstante as anteriores condenações, incluindo condenações em pena de prisão, não afastaram o arguido da prática de novos crimes, mas mesmo que se considere não restar outra alternativa que não seja a condenação do arguido em prisão efetiva, isso não significa que se imponha o cumprimento da prisão em reclusão. Pelo contrário, pois não é essa a opção do nosso sistema de penas, que continua a considerar a prisão intramuros como a última ratio do sistema, o que foi claramente reafirmado com as alterações de 2017 ao alargarem o âmbito de aplicação do RPH a condenações até 2 anos” (acórdão de Coimbra 5.11.2018, proc. 17/16.3PFGMR.G1 e da Rel. Évora de 22.11.2018, procº nº 1029/18.2PCSTB.E2)

    Nestes termos, nos demais de direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso deduzido pelo arguido ser declarado procedente por provado e, consequentemente, a sentença substituída por outra que condene o arguido, como autor material na forma consumada de um (1) (um) crime de Condução Sem Habilitação Legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do Decreto- Lei nº 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, a cumprir na habitação, nos termos do Art.º 43.º da Lei 94/2017, de 23 de agosto»

    O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo: «1 - Não resultou provado na sentença qualquer facto que permita concluir pela verificação de uma situação de perigo actual para bens jurídicos de natureza pessoal (vida, integridade física, honra e liberdade) do agente ou de terceiro, pressupostos do estado de necessidades desculpante, previsto no artigo 35º, n.º 1 do Código Penal, pelo que, em nossa opinião, a sentença recorrida não merece qualquer reparo

    2 - Quanto à valoração da confissão do arguido, o Tribunal a quo valorou-a, embora não possa ter o valor pretendido pelo recorrente, pois de facto a sua confissão não foi determinante para o apuramento dos factos, pelo que entendemos não padecer de qualquer vício

    3 - Quanto ao regime de permanência na habitação, o Tribunal a quo ponderou a sua aplicação, uma vez que a pena concreta, em termos abstractos, admitia a aplicação de tal regime, tendo concluído porém que a execução da prisão por esta via se revelava inadequada e insuficiente, em função das necessidades de prevenção geral que são elevadas, mas sobretudo, em função das necessidades de prevenção especial

    4 - Conforme se pode ler na sentença recorrida no ponto 4) da fundamentação de direito, e com o qual se concorda na íntegra, as finalidades que se pretendem alcançar com o cumprimento da prisão em permanência na habitação encontram-se totalmente comprometidas em face do percurso criminal do arguido, anteriormente condenado numa pena cumulatória de 14 anos e 6 meses de prisão

    5 - Ao longo do seu percurso criminal, o arguido foi condenado por 24 crimes, 5 dos quais pelo mesmo tipo de crime em causa nos autos

    6 - Pelo que não se vislumbra como adequado ou suficiente qualquer outra forma de cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, a não ser em meio prisional

    7 - Deste modo, deverá o recurso interposto pelo arguido ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos»

    Nesta Relação, o Exmo. Procuradora-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente

    Observou-se o disposto no art. 417º nº 2 do C. P...

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