Acórdão nº 3390/19.8T8STR-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 3390/19.8T8STR-B.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comércio de Santarém – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: “(…) Banco, SA” veio interpor recurso da decisão que considerou que os trabalhadores da insolvente gozam de privilégio imobiliário especial previsto na al. b) do nº 1 do artigo 333º do Código do Trabalho sobre o património imobiliário da sociedade insolvente.

* Foi declarada a insolvência de “(…), Lda.”.

* O Administrador Judicial veio juntar aos autos a lista dos créditos reconhecidos elaborada ao abrigo do disposto no artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, devidamente rectificada em 08/05/2020, na sequência de apresentação de reclamações.

Esta última relação de créditos não foi alvo de qualquer impugnação.

* Face à não impugnação dos créditos constantes da lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, o Tribunal homologou-a, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 130º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, reconhecendo, por essa via, os créditos constantes dessa lista.

* Foram apreendidos para a massa falida os bens imóveis e móveis descritos na relação junta ao apenso de apreensão de bens.

* Na parte com relevo para o presente recurso, o Tribunal «a quo» decidiu: «IV – Dispositivo: Nos termos e pelos fundamentos expostos:

  1. Homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência.

  2. Graduo os créditos verificados na presente sentença nos seguintes termos: I – Para serem pagos pelo produto da venda dos bens imóveis apreendidos: 1. Em primeiro lugar os créditos privilegiados dos trabalhadores.

  1. Em segundo lugar os créditos garantidos por hipoteca, relativamente a cada um dos imóveis sobre os quais as mesmas se encontrem registadas, sendo que, existindo mais do que uma hipoteca sobre o mesmo imóvel, a preferência no respectivo pagamento é determinada com base na respectiva prioridade, sendo esta dada pela data da respectiva inscrição no registo predial – artigo 686.º do Código Civil e artigo 6.º, n.º 1 e 2, do Código de Registo Predial.

  2. Em terceiro lugar o crédito privilegiado da Segurança Social.

  3. Em quarto lugar o crédito privilegiado do Estado referente a IRS.

  4. Em quinto lugar, os créditos comuns (incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados quanto aos bens sobre os quais não incide a garantia ou o privilégio).

  5. Em sexto lugar, os créditos subordinados.

    II – Para serem pagos pelo produto da venda dos bens móveis: 1. Em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores; 2. Em segundo lugar os créditos privilegiados do Estado referentes a IVA e IRS e da Segurança Social (em igualdade); 3. Em terceiro lugar, os créditos comuns (incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados quanto aos bens sobre os quais não incide a garantia ou o privilégio).

  6. Em quarto lugar os créditos subordinados».

    * A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou as seguintes alegações: «I. O Apelante não se conforma com a graduação de créditos decidida pela douta sentença recorrida na parte em que graduou em primeiro lugar, indiferenciada e indistintamente, os créditos dos trabalhadores sobre o produto da venda de todos os bens imóveis apreendidos à ordem da Massa Insolvente.

    1. Da “Fundamentação de Facto e de Direito” da douta sentença recorrida consta que “(…) a lista apresentada cumpre todos os requisitos exigidos pelo artigo 129.º do diploma em referência, não se vislumbrando qualquer erro. Assim sendo, face à não impugnação dos créditos constantes da lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, deverá a mesma ser homologada, ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, tendo-se por reconhecidos os créditos constantes dessa lista (…)” – vide douta sentença recorrida.

    2. Ora, da lista definitiva de créditos – não impugnada por qualquer credor quanto à amplitude do privilégio imobiliário reconhecido – resulta que o Sr. Administrador de Insolvência (apenas) reconheceu os créditos dos trabalhadores, (…); (…); (…); (…); (…); (…); (…) e (…), como beneficiando de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial – exclusivamente – sobre “(…) o bem imóvel sito na Zona Industrial do (…), Lote 1, (…), prédio este inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº (…) da freguesia de (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o nº (…) da mesma freguesia (…)”, local onde os trabalhadores desempenhavam as suas funções, nos termos do disposto no artigo 333º do Código do Trabalho, correspondente à verba 1 do auto de apreensão de fls. – idem lista definitiva rectificada, de 08 de Maio de 2020, ref.ª Citius 6827736.

    3. Ao homologar a lista definitiva de créditos, nos termos previstos no artigo 130.º, n.º 3, do CIRE (premissa do silogismo judiciário) e, em sentido absolutamente oposto ao expectável, decidir pela existência de um privilégio imobiliário dos trabalhadores sobre todos os imóveis da Insolvente (conclusão), a douta sentença incorre na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CIRE por oposição entre os fundamentos e a decisão; nulidade que se invoca para os legais e devidos efeitos.

    4. A douta sentença de 1.ª instância também enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, por omissão de fundamentação de facto e de direito.

    5. Nunca, ao longo da inexistente fundamentação (de facto), a M.ª Juíza a quo refere quais os exactos meios de prova que serviram para formar a sua convicção quanto à “alegada” afectação de todos os imóveis apreendidos à actividade empresarial da Insolvente.

    6. Também não é feita qualquer subsunção dos “factos” ao direito; a douta sentença a quo limita-se a citar um acórdão e a afirmar que “na esteira da jurisprudência maioritária” também entende que o privilégio imobiliário especial dos trabalhadores abrange todos os imóveis afectos à respectiva actividade económica. Mas como e com base em que meios de prova chegou a tal conclusão? VIII. A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão determina a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, devendo ser substituída por douto acórdão que homologue a lista definitiva de créditos nos termos previstos no artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, com todas as consequências legais.

    7. Paralelamente, a douta sentença recorrida padece de error in judicando.

      X.

      In casu, nenhum dos trabalhadores recorridos alegou, muito menos provou, em qual ou quais dos imóveis da entidade patronal prestava a sua actividade, em frontal violação do disposto nos artigos 342.º do Código Civil e 128.º, n.º 1, do C.I.R.E.

    8. Foi o Senhor Administrador de Insolvência que, perante os esclarecimentos prestados pela Insolvente e no seguimento das diligências levadas a cabo no âmbito das suas funções, concluiu que o local onde os trabalhadores prestavam a sua actividade era, exclusivamente, o correspondente à verba 1 do auto de apreensão – reconhecimento com o qual todos os credores laborais se conformaram.

    9. O privilégio imobiliário especial previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 333.º do C.T. pressupõe um nexo directo entre a prestação laboral e o imóvel ou imóveis individualmente considerados.

    10. Relação directa essencial que não só não foi alegada pelos interessados (patrocinados por advogado) como é contrariada pelos elementos probatórios constantes dos autos, a saber, petição inicial e anexos, relatório elaborado nos termos previstos no artigo 155.º do CIRE, impugnação de créditos do (…) Banco, S.A., de 02/04/2020 – cfr. fls. dos autos.

    11. Com efeito, aquando da apresentação à insolvência, a (…), Lda. afirmou, nos artigos 12.º, 17.º e 20.º da P.I. bem como nos artigos 5.º a 8.º do documento a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, anexo ao referido articulado que, desde 1992 se dedicava quase exclusivamente à Construção Civil e que a sua “(…) actividade era desenvolvida nas diversas obras que tinha em curso”, as quais findaram definitivamente em 2019.

    12. Mais esclareceu que o estabelecimento sito na Zona Industrial do (…), lote 1, em (…) – correspondente à verba 1 do auto de apreensão – era o local onde funcionavam os escritórios e se encontrava o armazém onde guardava o equipamento e materiais relacionados com as edificações – cfr. artigo 4.º do documento a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, anexo à petição inicial.

    13. As mesmas conclusões se extraem do Relatório elaborado nos termos previstos no artigo 155.º do CIRE, bem como no inventário de bens ao mesmo anexo.

    14. Em suma, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal de 1.ª instância, os elementos disponíveis nos autos indiciam que o único imóvel afecto à actividade da Insolvente correspondia ao sito na morada da sua sede (verba 1) – idem artigo 4.º do documento a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, anexo à petição inicial e 17.º da P.I.).

    15. Acresce que, relativamente aos imóveis hipotecados ao (…) Banco, S.A., a saber, verbas 6, 7 e 8 do auto de apreensão, respectivamente, celeiro e adega (verba 6), adega (verba 7) e habitação (verba 8), a sua particular natureza / afectação não permite integrá-los na denominada “actividade produtiva” da empresa Insolvente – cfr. impugnação de créditos junta aos autos pelo (…) Banco, S.A. em 02/04/2020, referências Citius 6776345 e 6776521, em particular artigo 15.º da impugnação, escritura de hipoteca e certidões permanentes dos imóveis.

    16. Por fim, dedicando-se a Insolvente, (…), Lda., à indústria da construção civil e obras públicas, a totalidade dos seus bens imóveis não integra o conjunto estável de meios/bens afecto à prossecução do seu objecto social.

    17. Esta noção de empresa como "centro estável ou predominante do desenvolvimento da actividade laboral" é o critério a ter em conta na interpretação do citado artigo 333.º do Código de...

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