Acórdão nº 49/21.0GTEVR-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório

  1. No Juízo de Instrução Criminal ..., do Tribunal Judicial da comarca ..., a Mm.a Juíza de Instrução Criminal, em despacho liminar da fase de instrução, decidiu (entre o mais): «rejeitar, por inadmissibilidade legal, decorrente da falta de observância do estatuído no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal (ex vi do artigo 287.º n.ºs 1, alínea a), 2 e 3 do mesmo diploma), os requerimentos de abertura de instrução apresentados pela assistente AA (…) na parte respeitante aos arguidos BB e CC.» b) Inconformada com essa decisão recorreu a assistente AA, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): « A - Este recurso tem como objecto o despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução por "inadmissibilidade legal (...)".

    B - A Meritíssima Juíza de Instrução Criminal considera, no seu despacho de rejeição, que "( ... ) os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos dois assistentes não descrevem todos os factos que legitimam a aplicação de uma pena aos arguidos BB e CC no que concerne aos elementos subjectivos do tipo(. .. ) "(nosso sublinhado).

    c - Com o devido respeito, entendemos que Meritíssima Juíza de Instrução nem se refere à totalidade do "elemento subjectivo". Nas suas próprias palavras refere que a assistente "Não imputa porém, ao identificado arguido o facto de o mesmo ter actuado ciente que a sua conduta era punida por lei penal".

    D - Ou seja, a Sra. Juíza refere-se à consciência da ilicitude, tanto no caso do então Sr. BB como do … de Segurança CC. Tratando-se de um agente da Polícia de Segurança Publica, no exercício de funções de segurança e do próprio BB do qual depende a segurança rodoviária, teremos de reconhecer que a posição da Senhora Juíza é extraordinária.

    E - No que concerne ao crime de homicídio por negligência grosseira e ao crime de condução perigosa no que ao arguido CC diz respeito, a Meritíssima Juíza de Instrução tem um discurso contraditório uma vez que reconhece o seguinte" No que se refere aos elementos subjectivos do primeiro e segundo dos referidos ilícitos (. .. ) refere a assistente que CC agiu com total e grosseira inobservância das precauções exigidas pelas regras da condução rodoviária e de forma livre e voluntária com o propósito concretizado de consentir naquelas condições de circulação, podendo e devendo ter previsto o perigo que daí poderia advir e que efectivamente causou a morte da vitima, tendo sido indiferente às consequências que dai decorreram.

    Não imputa, porém, ao identificado arguido o facto de o mesmo ter actuado ciente que ,a sua conduta era ptmida por lei penal. "(nosso sublinhado) E - Como pode ver-se a Meritíssima Juíza, ao contrário daquilo que afirma, admite e até descreve que a assistente concretiza o elemento subjectivo dos referidos ilícitos.

    F - Acresce ainda que, não se consegue compreender que a Meritíssima Juíza entenda que um … da PSP e … de Segurança não tenha consciência de que circular a 163km/h ocupando duas faixas de rodagem, ou seja, toda a via da ..., no sentido .../... é proibido e representa um perigo para toda a circulação rodoviária.

    G - É de referir que no seu requerimento de abertura de instrução a assistente e1encou o elemento subjectivo, nomeadamente nos pontos 52, 80 e 81, que anteriormente são transcritos e que evitamos fazê-lo nestas conclusões, aliás, como se disse até a Meritíssima Juíza o transcreve.

    H - Relativamente ao crime de omissão de auxílio, a Meritíssima Juíza de Instrução afirma: “(…) Porém omite por completo factos referentes ao elemento subjectivo do tipo, sendo certo que, estando perante um tipo doloso, se exige a representação de que o necessitado de auxílio corre risco de vida ou de lesão grave da sua saúde ou liberdade e a conformação ou indiferença perante essa situação de perigo, bem como a consciência de a conduta ser punida por lei penal".

    I - Ora, como se pode verificar pelo requerimento de abertura de instrução, a assistente não suprime os factos referentes ao elemento subjectivo, uma vez que estão presentes nos números 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 54 e 58.

    J - Para além de elencar o elemento subjectivo dos factos acima referidos - que não se transcreveram para evitar repetições - foi requerido o seguinte elemento probatório: "8.

    Requer-se ainda que seja notificado a Direcção do INEM de ... para identificar o operador de serviço no dia 18 de Junho de 2021 pelas 13hOO, que recebeu o telefonema comunicando o acidente, bem como para ser junto ao autos o relatório final do seu processo interno.

    O operador deverá ser ouvido quando puder ser identificado. " L - Em suma, o arguido CC apercebeu-se da gravidade do acidente pelo que chamou a ambulância. No entanto, por duas vezes informou o local errado do acidente, bem sabendo que o DD se encontrava em sofrimento e necessariamente com a vida em risco. Em qualquer caso estamos perante um acidente, isto é, um evento que poderá causar actos [licitas negligentes e não dolosos.

    M - Quanto à questão da consciência de a conduta ser punida por lei penal, parece-nos patético, mas repetiremos: o arguido CC era … do corpo de segurança do BB e é … da PSP.

    N - No que diz respeito ao pedido de pronúncia do arguido BB, afirma a Meritíssima Juíza de Instrução que a deficiência factual ainda é mais grave.

    O - Relembramos: a consciência é do agente e não dos factos. A consciência ou conhecimento, bem como a vontade, configuram a atitude do agente que determina a acção e não o resultado dessa mesma acção que se traduz em factos, ou seja, no elemento objectivo de qualquer tipo penal.

    P - À semelhança dos outros factos, abster-nos-emos de transcrevê-los enunciando somente os números do RAI que contêm o elemento subjectivo: n.ºs 60, 61, 62, 63, 64, 65, 69, 70, 71, 76, 78 e 79, também anteriormente transcritos.

    Q - Uma vez que os números acima referidos contêm claramente o elemento subjectivo - que não fórmulas juridicamente inconsistentes -, a Meritíssima Juíza de Instrução teve necessidade, uma vez mais, de basear toda a sua justificação no facto de não lhe ter sido imputado a circunstância de ter actuado ciente que a sua conduta era punida por lei penal.

    R - Pelo que todas as afirmações que se seguem são tão evidentes que nos sentimos confrangidos em destacá-las uma vez mais: a) o arguido BB era, à data dos factos, ...; b) O BB é o responsável pela execução das políticas de segurança pública, de protecção e socorro, de imigração e asilo, de prevenção e segurança rodoviária e pela administração dos assuntos eleitorais (lei orgânica).

    Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, e ordenando-se a abertura da instrução.» c) Admitido o recurso o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, sintetizando-se deste modo a sua posição: A instrução requerida não é admissível porquanto a assistente quando não descreve no requerimento de abertura de instrução a totalidade dos factos que consubstanciam os crimes por cuja prática pretende a pronúncia dos arguidos; Por essa razão a instrução ser rejeitada por inadmissibilidade legal, nos termos previstos no art. 287.º, n.º 3 do Código Processo Penal; Não há lugar a convite aos assistentes para corrigir o requerimento de abertura de instrução; Razão pela qual não assiste razão à recorrente, não merecendo o despacho recorrido qualquer censura, devendo manter-se integralmente a douta decisão recorrida.

  2. Respondeu igualmente o arguido BB, dizendo, no essencial, que: O requerimento de abertura de instrução não contém a descrição fáctica suscetível de integrar a tipicidade do crime imputado ao arguido, não lhe podendo ser imputado qualquer tipo criminal.

    Não se imputam os elementos subjetivos do crime e por isso não existem, em concreto, «indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança», não podendo ser proferido despacho de pronúncia, nos termos do artigo 308.º do CPP.

  3. Respondeu também o arguido CC, concluindo que: II. No Recurso sob escrutínio, a assistente confunde dois planos distintos: o da discussão acerca da verificação (ou não) em concreto dos elementos típicos e o da sua da explicitação (ou não) no RAI apresentado, mas o que está em causa é apenas e só verificar se o RAI apresentado cumpre ou não as exigências legais vertidas nas supra referidas normas, nada mais.

    1. O legislador é particularmente exigente em relação a esta peça processual pois que, estando em causa a pretensão de incluir no objecto do processo “factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação” (art. 287.º, n.º 1, b), do CPP), o mesmo deverá conter em si mesmo uma acusação alternativa.

    2. É o que decorre da remissão expressa que consta do artigo 287.º, n.º 2, do CPP para as alíneas b) e d) do artigo 283.º, n.º 3, do mesmo diploma.

    3. É manifesto que o RAI apresentado pela Assistente não cumpre o que é exigido na referida norma, nomeadamente porque é omisso relativamente à narração dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crime que a Assistente pretende imputar ao Arguido CC.

    4. O Tribunal de Instrução Criminal, na decisão recorrida, decidiu – e muito bem – que: - quanto aos crimes de homicídio por negligência grosseira e de condução perigosa, o RAI “(n)ão imputa, porém, ao identificado arguido o facto de o mesmo ter actuado ciente que a sua conduta era punida por lei penal”; e - quanto ao crime de omissão de auxílio, refere que o RAI “omite por completo factos referentes ao elemento subjectivo do tipo”.

    5. Sem prejuízo da correcção deste raciocínio, entende o Arguido que a insuficiência do RAI na descrição dos elementos típicos não se fica por aqui, já que a referida insuficiência se estende também à descrição dos elementos objectivos dos três crimes imputados.

    6. Analisado o RAI da Assistente (nomeadamente os respectivos artigos 33 e ss.) quanto aos crimes de homicídio por...

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