Acórdão nº 32/20.2GACUB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO O arguido AA, entre outros, foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença que o absolveu da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º n.º 2, alíneas h), i) e l), ambos do Código Penal, tendo sido condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o total de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a que correspondem, subsidiariamente, 100 (cem) dias de prisão

Inconformado com a absolvição do referido crime na forma qualificada, o Ministério Público recorreu, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: 1. Na sentença recorrida o tribunal a quo absolveu o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º n.º 2, alíneas h), i) e l), ambos do Código Penal (na pessoa do ofendido BB)

  1. Porém, o Ministério Público não se conforma com tal decisão nem com a matéria de facto dada como não provada na sentença recorrida, devendo o arguido AA ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea h), ambos do Código Penal

  2. Com efeito, o tribunal a quo deu, incorretamente, como não provado o seguinte facto: F) Que os arguidos CC e AA sabiam e não podiam ignorar que o cinto utilizado para ofender o corpo do ofendido BB encerrava um potencial de perigosidade muito superior aos meios normalmente utilizados para atentar contra a integridade física e que, pela sua natureza, dimensões e características, aumentava significativamente a potencialidade das lesões que pretendia infligir na vítima, e limitava exponencialmente as suas capacidades de defesa, o que conseguiram. (ponto F. dos factos não provados)

  3. Com efeito, os factos dados como provados nos presentes autos, analisados à luz das regras da experiência, impunham ao tribunal a quo que desse como provado que o arguido AA sabia e não podia ignorar que o cinto utilizado para ofender o corpo do ofendido BB, nas concretas circunstâncias em que foi usado, encerrava um potencial de perigosidade muito superior aos meios normalmente utilizados para atentar contra a integridade física e que aumentava significativamente a potencialidade das lesões que pretendia infligir na vítima, e limitava exponencialmente as suas capacidades de defesa

  4. Porquanto, analisando o concreto circunstancialismo em que o arguido AA atuou, à luz das regras da experiência comum e o conhecimento científico, as mesmas impunham ao tribunal a quo que considerasse como provado que o uso do cinto pelo arguido AA para atentar contra a integridade física do ofendido consubstancia um meio particularmente perigoso e o que o arguido sabia e não podia ignorar tal circunstância

  5. O Tribunal a quo alterou a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido AA, condenando-o por um crime de ofensas à integridade física simples na pena de pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, e afastando a qualificativa da utilização de um meio particularmente perigoso previsto e punido pelo(s) artigo(s) 145º, nº 1 a) e nº 2 e 132º, nº 2 alínea h) do Código Penal

  6. Contudo, a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo (nos pontos 9 a 12) integra o crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, e não o crime de ofensas à integridade física simples por que o arguido AA veio a ser condenado na sentença recorrida

  7. Resultou demonstrado que o arguido AA praticou esses factos, dados como provados, mediante a utilização de um cinto, visando e atingindo a cabeça do ofendido, por uma vez pelo menos, provocando-lhe uma ferida na região frontal, que lhe determinou cinco dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional

  8. Mais resultou demonstrado que o arguido AA atuou juntamente com CC (e ainda DD, menor de 15 anos), os quais em comunhão de esforços e vontades, desferiram socos e pontapés no corpo de BB e a dado momento, no decorrer dessas agressões, o arguido AA empunhou um cinto, enrolando-o na mão, deixando a fivela de metal de fora e de seguida desferiu pelo menos um soco, com o cinto, na cabeça do ofendido

  9. Contrariamente ao entendimento veiculado pela decisão recorrida, consideramos que no caso concreto a utilização de um cinto dotado de fivela metálica, no âmbito de uma agressão física perpetrada por vários agentes, é suscetível de se subsumir ao conceito de “meio particularmente perigoso” e, por essa via, de qualificar a conduta do agente, por ser especialmente censurável

  10. Face à conduta típica prosseguida pelo agente, o meio empregue (uso de um cinto com fivela metálica) não era o “normal” para conseguir concretizar tal finalidade sendo, sendo ao invés um meio que acarreta dificuldades acrescidas para a defesa da vítima e que, além disso, constitui perigo para outros bens jurídicos pessoais, por ser suscetível de provocar lesões graves no corpo da vitima

  11. No caso concreto, o uso de um cinto com fivela de metal não é apenas o meio adequado para provocar uma ofensa no corpo e saúde do ofendido, mas sim um meio desproporcionado a atingir tal objetivo tendo inerente a si próprio, pela sua configuração e composição (metálica), uma danosidade superior a um mero objecto com o qual se agride outra pessoa (por exemplo, um pau, uma pedra, etc.) ou da mera utilização das mãos ou pés

  12. Acresce que resultou demonstrado e provado que o arguido AA enrolou na mão o cinto, deixando de fora e solta a fivela de metal, de forma a amplificar a força do ataque e a causar mais danos e ferimentos ao ofendido atingido pelo soco

  13. Deste modo, o arguido conseguiu dar uma utilização ao cinto como se de uma verdadeira soqueira se tratasse, com vista a infligir maiores lesões no ofendido e retirar-lhe qualquer capacidade de defesa, o que se verificou no presente caso

  14. A atuação do arguidoAA, concertada com a atuação do arguido CC (e ainda da atuação do menor DD) diminuiu consideravelmente qualquer possibilidade...

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