Acórdão nº 216/21.6TXEVR-E.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

Por despacho, datado de 26-09-2022, o Tribunal de Execução de Penas ... negou a concessão da liberdade condicional ao recluso AA.

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o recluso arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª O presente recurso visa discutir, nos seus fundamentos e teor, a decisão de recusa de liberdade condicional ao recorrente nos presentes autos.

  1. Isto porque, na perspetiva do recorrente, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao proferir decisão de recusa de concessão da liberdade condicional baseada unicamente no facto de o recluso continuar a negar a prática dos factos porque foi condenado.

  2. Ao fazê-lo o Tribunal a quo menoriza erradamente os restantes fatores objetivos e subjetivos de ponderação que resultam dos autos na elaboração de um juízo de prognose que, no caso, deve considerar-se ser favorável.

    Vejamos, 4ª Dos factos provados na decisão recorrida resulta que: I. O condenado já cumpriu 2/3 da pena e pelo menos 6 meses desde o início da reclusão (facto 1.4); II. Antes da condenação e reclusão, o condenado era bem referenciado na sua vida profissional e pessoal, não tendo registo de qualquer outra condenação por qualquer facto (factos 2.8, 2.10, 2.11, 2.16 e 2.17); III. Depois da condenação e antes da reclusão, o condenado assumiu uma nova atividade profissional (factos 2.14 e 2.15); IV. Não houve quaisquer incidentes na execução da pena, existindo várias referências a uma boa evolução na execução (factos 3.2 a 3.10); V. Uma vez em liberdade, o condenado reintegrará o seu agregado familiar em habitação própria e condigna e perspetiva manter a atividade profissional que entretanto iniciou (factos 4.1, 4.2 e 5.2).

  3. Do relatório dos serviços de reinserção social para concessão de liberdade condicional (fls. 121 a 124 dos autos) resulta, sumaria e adicionalmente, que: I. No período em que o recluso esteve em liberdade a aguardar o trânsito da decisão condenatória, não apenas iniciou uma nova atividade laboral, como este beneficiava de uma integração plena e uma imagem favorável na comunidade, não sendo conhecidas quaisquer atitudes de rejeição por parte do seu meio vicinal; II. O recluso “tem mantido uma conduta adequada com cumprimento das normas institucionais, e um relacionamento cordato com a restante população prisional”; III. Da personalidade e posicionamento pessoal do recluso afirma-se que este revela “investimento e aspiração a um estatuto pessoal e social mais estável, que procurou alcançar através do desenvolvimento de atividades complementares e paralelas à atividade profissional principal”; IV. Desempenha atividade prisional como fascina, “correspondendo com sentido de responsabilidade ao que lhe é exigido”, e beneficiou de medidas de flexibilização “que decorreram de forma adequada”; V. Apesar de continuar a negar e desvincular-se dos factos por que veio condenado, “adota uma atitude conformista relativamente à condenação, afirmando que cumprirá o que lhe for exigido”; VI. Por fim, e em conclusão, considera-se que o recluso “apresenta projetos de vida viáveis, nomeadamente a nível profissional”.

  4. Por sua vez, do relatório dos serviços de tratamento penitenciário (fls. 114 verso a 117 dos autos) resulta, mais uma vez, sumaria e adicionalmente, que: I. Apesar de o condenado não assumir a prática dos factos, este “repudia o tipo de crimes pelos quais está condenado”, declarando que sempre tentou provar a sua inocência e que, ainda assim, sempre cumpriu as determinações judiciais sem quaisquer incidentes, e “cumprirá a pena de prisão durante o tempo que tiver que cumprir”; II. O recluso “tem mantido comportamento normativo” encontrando-se “inserido laboralmente” e desempenhando a sua atividade no seio prisional com “zelo, interesse e assiduidade”, tendo sempre adotado uma “postura e atitude colaborante”; III. Concluindo-se que o recluso “apresenta projeto estruturado de reinserção social”.

  5. Na sequência destas informações dos relatórios dos vários serviços da DGRSP, e nos termos do disposto no art. 175º do CEP, reuniu, em 21/09/2022, o Conselho Técnico, que, em face das informações e do conhecimento pessoal e efetivo acompanhamento da execução da pena do condenado, aqui recorrente, emitiu Parecer Favorável por Unanimidade à concessão de Liberdade Condicional.

    Apesar de tudo isto, 8ª Quer o Tribunal a quo, quer o Ministério Público, avançaram com o fundamento de que a negação dos factos, pelo recorrente, manifestava uma falta de juízo autocritico necessária à concessão de liberdade condicional – avançando ainda o MP considerações de prevenção geral que não relevam já, uma vez que se encontram decorridos 2/3 da pena – tendo-se como único fundamento de recusa de liberdade condicional que resulta (do texto) da decisão recorrida.

  6. Todavia, tal interpretação não apenas se revela marcadamente redutora de todas as circunstâncias objetivas que resultam da execução da pena e da instrução dos autos, como se mostra contraditória, ao fundar um juízo de prognose negativo do Tribunal, quando confrontada com os seguintes factos concretos que resultam da matéria julgada provada na decisão recorrida e dos elementos instrutórios dos autos: I. O recluso esteve em liberdade entre Janeiro de 2019 e Junho de 2021 sem registo de qualquer incidente de tipo criminal análogo ou de diferente jaez, não tendo revelado qualquer rejeição comunitária ou propensão para a prática de crimes; II. Durante o referido período o recluso investiu numa nova atividade profissional, que estruturou em empresa que criou, e para a qual retornará, uma vez colocado em liberdade; III. No caso concreto, tratamos de um recluso que sempre afirmou a sua inocência, quer no momento atual, quer desde o início do seu julgamento, e que mantém um caminho legalmente permitido e enquadrado de discussão dos factos por que foi condenado – através de impugnação judicial de decisão disciplinar de demissão e de recurso extraordinário de revisão da decisão que o condenou.

  7. Motivo pelo qual, ponderadas todos os fatores que resultam da instrução dos autos quanto à execução da pena do condenado, a continua negação dos factos, quer em abstrato, quer no caso concreto, não pode ser tida como motivo suficiente para a recusa da liberdade condicional – com a agravante de, em concreto, uma tal metanoia se revelar contraditória com todo o comportamento processual e pessoal do recorrente.

  8. A esse respeito, e nesse sentido, pronunciam-se os Acórdãos da Relação do Porto, de 10/10/2012 (PEDRO VAZ PATO) e da Relação de Lisboa, de 07/07/2016 (ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA), curiosamente citados na decisão recorrida, esta que, afinal, avança pelo sentido diametralmente oposto.

  9. Por isto, e na decorrência das razões apontadas, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento ao proferir decisão de recusa de concessão de liberdade condicional baseada unicamente no facto de o condenado continuar a negar a prática dos factos, desconsiderando todos os elementos favoráveis à referida concessão indicados no texto decisório e que dele resultam.

  10. Ao invés, nos termos apontados, e ao encontro do parecer favorável por unanimidade do Conselho Técnico e da informação constante nos autos e avalizada nos relatórios da DGRSP dos serviços de reinserção social e dos serviços prisionais, deveria ter sido proferida decisão que concedesse a Liberdade Condicional ao recluso recorrente, com os seguintes fundamentos, que permitem, no seu todo, formular um juízo de prognose favorável: I. Estarem preenchidos os pressupostos formais para aplicação de liberdade condicional nos termos dos nos 1, 2 a) e 3 do art. 61º do CP; II. Ter o condenado, antes da condenação e reclusão, um bom percurso de vida profissional e pessoal, não tendo registo de qualquer outra condenação por qualquer facto (factos 2.8, 2.10, 2.11, 2.16 e 2.17); III. Ter o condenado, após a condenação e antes da reclusão, assumido uma nova atividade profissional (factos 2.14 e 2.15); IV. Não ter havido quaisquer incidentes ou notícias de actividade ilícita na execução da pena, quer durante o cumprimento de OPH, quer no período de liberdade de 2 anos, 5 meses e 4 dias, quer no período de reclusão prisional, existindo várias referências a uma boa evolução na execução (factos 3.2 a 3.10 e alusões na motivação da decisão a pp. 15 e 16); V. Haver factos objectivos que demonstram que, uma vez em liberdade, o condenado reintegrará o seu agregado familiar em habitação própria e condigna e manterá a atividade profissional que, entretanto, iniciou (factos 4.1, 4.2 e 5.2), tendo-se empenhado, durante o cumprimento da pena, na construção de um projecto de vida e reinserção futuro (cfr. relatórios da DGRSP); VI. Ter o condenado gozado de medidas de flexibilização – nomeadamente 2 saídas jurisdicionais e 1 licença administrativa de curta duração – que decorreram sem incidente e com avaliação positiva, a que acresce o facto de se encontrar colocado em regime aberto no interior (factos 3.9 e 3.10); VII. Ter todo o seu comportamento manifestado interesse, empenho e respeito no cumprimento dos fins da pena em meio prisional (factos. 3.3 a 3.8).” O M.º P.º respondeu, concluindo que: “1 Verificados que estão os pressupostos formais, e tendo sido atingido o cumprimento de dois terços da pena de nove anos e seis meses de prisão pela prática de onze crimes de furto qualificado (um dos quais na forma tentada) e um crime de detenção de arma proibida, a concessão da liberdade condicional depende apenas da verificação do requisito material previsto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal, ou seja, que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e...

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