Acórdão nº 160/14.3TBARL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANA MARGARIDA LEITE
Data da Resolução12 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 160/14.3TBARL.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Évora Juízo Local Cível de Évora Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório (…) – entretanto falecido, tendo sido declarados habilitados, como seus sucessores, (…), (…) e (…) – intentou contra Metalo (…), S.A. a presente ação para liquidação de participação social, com processo especial, pedindo: a) se proceda judicialmente a segunda avaliação da participação social do requerente, reportada à data da exoneração – 14-10-2013 –, em conformidade com os critérios estabelecidos nos artigos 1021.º e 1018.º do Código Civil, com aplicação das disposições relativas à prova pericial, devendo para tanto, após citação da sociedade requerida, ser nomeado perito nos termos do n.º 2 do artigo 1068.º do Código de Processo Civil; b) que a segunda avaliação seja precedida de peritagem judicial colegial à escrita da sociedade, uma vez que o revisor oficial de contas que procedeu à avaliação extrajudicial impugnada sublinha no relatório que os valores da situação líquida constante nas contas aprovadas em 31-12-2005 e 31-12-2006 são valores pouco fiáveis, pelo que a escrita da sociedade apresentará valores viciados que contagiarão necessariamente o resultado da segunda avaliação a efetuar; c) se condene a sociedade requerida a pagar ao requerente o valor da sua participação social, que vier a ser apurado a final.

Alega, para o efeito, que é titular de participação social que identifica na sociedade requerida e que, no contexto que descreve, exerceu o seu direito de exoneração, na sequência do que foi efetuada avaliação extrajudicial de tal participação, de cujo resultado discorda, defendendo dever o cálculo do valor da participação social ser efetuado com base nos critérios que indica, como tudo melhor consta da petição inicial.

Citada, a sociedade requerida deduziu oposição, defendendo-se por exceção – invocando a cumulação ilegal de pedidos e o abuso do direito – e por impugnação.

Notificado, o requerente apresentou articulado no qual requereu se determine o desentranhamento da oposição ou, subsidiariamente, sejam considerados não escritos os artigos que elenca, pelos motivos que expõe.

Após vicissitudes várias, por despacho de 23-04-2020, foi decidido, além do mais, o seguinte: Face ao exposto, decide-se: a) admitir a deduzida oposição, incluindo o alegado nos respetivos artigos 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 33.º última parte, 34.º, 39.º, 41.º, 43.º, 44.º, 45.º, 47.º e 48.º; b) não admitir o formulado pedido de peritagem judicial colegial à escrita da sociedade, absolvendo a requerida da instância quanto a tal pedido, relegando para final a fixação das custas devidas; c) admitir o formulado pedido de condenação da sociedade ora requerida a pagar às ora requerentes o valor da identificada participação social; (…) g) relega-se para final o conhecimento da deduzida exceção de abuso do direito por parte do inicial requerente que depende, designadamente, da avaliação em curso reportada às duas indicadas datas.

Foi realizada perícia, após o que se realizou segunda perícia.

Realizada a audiência final, por sentença de 22-02-2022 foi decidido o seguinte: Face ao exposto, decide-se: a) declarar que, à data de 17 de outubro de 2013, o valor da participação social do inicial requerente ascendia ao montante de € 211.217,70; b) condenar a requerida a pagar às requerentes (…), (…) e (…), como sucessoras da parte falecida (…), o montante referido em a); c) condenar as requerentes e a requerida no pagamento das custas, na proporção respetiva de 25% e 75%.

Notifique.

Inconformada, a requerida interpôs recurso da sentença, no qual impugnou igualmente o despacho de 23-04-2020, na parte em que se admitiu a cumulação do pedido condenatório deduzido sob a alínea c), pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «I. O presente recurso tem por objeto não só a sentença proferida em 22-02-2022 que fixou o valor da participação social do inicial Requerente (…) na sociedade Requerida, à data de 17-10-2013, no montante de Eur. 211.217,70, e condenou esta no pagamento daquele valor às Requeridas habilitadas no processo, mas também, nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do CPC, visa a impugnação do despacho de 23-04-2020 (refª 29574015), no segmento que admitiu a cumulação de um pedido de condenação no processo de liquidação de participações sociais.

  1. Os sócios que se exoneram da sociedade por discordarem da transformação da sociedade em sociedade anónima, tendo votado contra a deliberação de transformação, receberão o valor da sua participação calculado por referência ao momento da deliberação e ao respetivo valor patrimonial da sociedade, como impõe a lei (cfr. artigos 137.º e 105.º, n.º 2, do CSC, na redação anterior à Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, e artigos 1021.º e 1018.º do Código Civil), inexistindo qualquer lacuna que importe integrar por interpretação extensiva ou por analogia.

  2. Ao desaplicar o enquadramento jurídico adequado quanto ao momento relevante para determinação do valor da quota, a sentença recorrida fê-lo com o único propósito de cominar a Requerida pela omissão da publicação da deliberação de transformação e pela consequente demora no exercício do direito à exoneração, condutas que não lhe são inteiramente imputáveis, que foram objeto de ação judicial anterior e que não são sancionáveis por via do cálculo do valor da participação social do sócio exonerado.

  3. Este intuito sancionatório da solução normativa preconizada na sentença recorrida, ao pretender penalizar, além do mais, a arguição pela Requerida da caducidade do direito à exoneração no processo n.º 169/06.0TBARL, constitui violação do direito constitucional de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º da CRP).

  4. A sentença recorrida incorre em violação da norma que aplica, contida no artigo 240.º, n.º 5, do CSC, ao impor o cálculo da contrapartida por referência à data em que o sócio declarou à sociedade a intenção de se exonerar (17-10-2013) e também incorre em violação do quadro normativo que deveria ter aplicado, regulado pelos artigos 105.º, n.º 2 e 137.º, n.º 2, do CSC, que estipula que a contrapartida de aquisição da quota do sócio exonerado seja calculada por referência ao momento da deliberação (12-05-2006).

  5. A sentença recorrida não especifica as razões de facto e de direito que justificam a opção ali tomada pela avaliação da quota mediante o denominado método do “Fluxo de Caixa Operacional na Ótica da Empresa”, o que consubstancia uma causa de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

  6. Os termos em que deverá ser calculado o valor da participação social em caso de exoneração do sócio encontram-se definidos nos artigos 1018.º e 1021.º do Código Civil, para os quais remete o n.º 2 do artigo 105.º do CSC, e que apontam expressamente para o método de avaliação baseado na ótica patrimonial da sociedade.

  7. A existir subavaliação ou sobreavaliação do ativo e/ou do passivo face ao valor de balanço, deverão estes ser corrigidos em conformidade mediante reavaliação reportada à data a atender apurando-se um valor patrimonial da sociedade diferente do constante do balanço, tarefa essa que não corresponde à avaliação da sociedade pelo método do “Fluxo de Caixa Operacional na Ótica da Empresa” e que não foi executada pela perícia realizada nestes autos.

  8. A decisão tomada em 23-04-2020 (Refª 29574015), no sentido de admitir a cumulação do pedido de condenação no presente processo de liquidação de participação social não se encontra fundamentada, não especificando as razões de facto e de direito que a justificam, o que consubstancia uma causa de nulidade do despacho impugnado, que se suscita ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do CPC, aplicável aos despachos por força do estatuído no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo Código.

  9. Essa mesma decisão incorreu em violação da norma que invoca, contida no artigo 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, e também do princípio do contraditório, ao admitir que um pedido de condenação siga termos numa forma de processo especial destinado apenas ao apuramento do valor da participação social, e que não admite o apuramento de outras matérias ou sequer dedução de reconvenção.

  10. Por todo o exposto, conclui-se que o despacho de 23-04-2020, quanto ao segmento aqui impugnado, e a sentença recorrida, padecem das nulidades apontadas e de uma incorreta apreciação do Direito no que respeita à interpretação e aplicação dos artigos 137.º, 105.º, n.º 2 (na versão anterior à alteração resultante do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março e com entrada em vigor a 30 de Junho de 2006) e 240.º, todos do CSC, bem como dos artigos 1018.º e 1021.º do Código Civil, e ainda do artigo 37.º do CPC, cuja correta ponderação imporia a fixação do valor da quota em Eur. 49.750 (à data de 12-05-2006, segundo o método baseado no balanço) ou, quando assim não se entenda, em Eur. 88.173,12 (à data de 12-05-2006, segundo o método do fluxo de caixa operacional na ótica da empresa), implicando ainda a absolvição da instância da sociedade Requerida quanto ao pedido de condenação.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, fixando-se o valor da quota em Eur. 49.750 (à data de 12-05-2006, segundo o método baseado no balanço) ou, quando assim não se entenda, em Eur. 88.173,12 (à data de 12-05-2006, segundo o método do fluxo de caixa operacional na ótica da empresa) e absolvendo-se a Requerida da instância quanto ao pedido de condenação».

As apeladas apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes: i) no âmbito...

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