Acórdão nº 154/21.2JAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | BEATRIZ MARQUES BORGES |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na sequência da audiência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Coletivo n.º 154/21.... da Comarca de Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., submetido a julgamento, foi o arguido AA[1]: 1.1.
Absolvido da qualificativa operada pelo disposto no artigo 132.º, n.º 2, alíneas b) e c) do CP; 1.2.
Absolvido da prática de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alíneas b) e d) e 2, alínea a), punido acessoriamente nos termos do disposto nos n.ºs 4, 5 e 6 do CP; 1.3.
Absolvido da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e e) da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao artigo 2.º, n.ºs 1, alíneas p), q), e ad), e n.º 3, alínea m) e artigo 3.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) do mesmo dispositivo legal e ao artigo 29.º, n.ºs 7 e 8 do DL n.º 30/2017 de 27/03.
1.4.
Condenado como autor material de um crime de homicídio agravado na forma tentada previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 131.º do CP e artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; 1.5.
Manter o regime coativo de prisão preventiva ao arguido; 1.6.
Foi(ram), ainda: a) Declaradas perdidas a favor do Estado a arma e munições apreendidas e determinada a sua entrega à PSP; b) Julgado procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo C..., EPE, e condenado o demandado a pagar a quantia de 182,07 €, acrescido de juros à taxa legal para as obrigações civis, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
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Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1ª - Conforme resulta supra dos pontos 4 a 11, a conduta do arguido/recorrente é enquadrável no crime de ofensa à integridade física qualificada, não podendo ser considerada como homicídio na forma tentada; 2ª – Devendo, por aquele crime, ser condenado em pena não superior a 3 anos de prisão, atentas as razões supra invocadas nos pontos 13 e 14.
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– Ainda que se admitisse (o que não se concede) ter ele cometido o crime de homicídio, na forma tentada, pelo qual foi condenado, sempre, e pelas mesmas razões, a pena adequada deveria ser não superior a 4 anos e 6 meses de prisão.
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– Considerando ainda e também a atenuação especial resultante do arrependimento sincero, que não foi tido em conta, na decisão recorrida.
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– Que, por isso, violou o comando do artº 72º, do C. Penal.
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– Igualmente violado se mostra o estatuído no artº 71º do mesmo normativo, pois que inexiste fundamentação bastante para a escolha da medida da pena que foi aplicada.
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– Em suma, ao arguido/recorrente deverá ser aplicada pena claramente inferior a 5 anos de prisão, a qual, de acordo com os princípios constantes do artº 40º, do C. Penal, e ainda atento o circunstancialismo supra referido no ponto 20, lhe deverá ser suspensa na sua execução.
Dando, pois, provimento ao presente recurso, (…)”.
2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1. O arguido AA, vem recorrer do douto Acórdão proferido nos autos à margem referenciados, que o condenou, pela prática de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, ilícito previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 131.º, todos do Código Penal e artigo 86.º, n.º1, do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de 5 (cinco) anos 6 (Seis) meses de prisão.
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Começa por alegar o recorrente que não resulta da prova produzida que o arguido tenha atuado com intenção de tirar a vida à ofendida ou que tenha representado a possibilidade de tal suceder como consequência necessária da sua conduta.
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Mais refere que se terá de considerar que o arguido praticou um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145.º, n.º1, alínea a), do Código Penal.
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Entende o recorrente que, caso se continue a considerar que o arguido praticou um crime de homicídio na forma tentada sempre seria inaceitável a pena de 5 anos e 6 meses de prisão, devendo ser aplicada uma pena não superior a 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.
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Face à prova carreada nos autos e corretamente apreciada, dúvidas não restam de que os factos em apreço se subsumem à prática do crime de homicídio tentado e não ao crime de ofensa à integridade física qualificada como a defesa pretende que se entenda.
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O arguido, nas declarações que prestou, admitiu um disparo para o chão apenas com o intuito de assustar a ofendida por forma a que a mesma saísse dali para sempre, contudo o arguido acertou na parte de cima das pernas da ofendida. A defesa, tanto em sede de julgamento, como no recurso, debate-se pelo facto de o arguido ser militar da GNR aposentado, tendo prestado serviço nessa corporação por 24 (vinte e quatro) anos, sendo naturalmente hábil no manejo de armas.
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Ora, aceitar que o arguido possuía toda esta destreza e apenas queria atirar para o chão para assustar a ofendida para esta se ir embora (como o mesmo defende) e, no entanto, vai acertar nas pernas da mesma a mais de um metro do chão, não tem qualquer destreza como alegado.
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Face a tudo o exposto é possível concluir que o arguido agiu com intenção de tirar a vida à ofendida (ainda que não se entenda que o tenho feito com dolo direto, pelo menos terá de se entender que o fez com dolo eventual, atendo à zona para a qual disparou, a qual aloja órgãos vitais tal como supra indicado e, o arguido estava consciente de que os poderia atingir e retirar a vida à vítima, contudo, ainda assim, decidiu agir como agiu).
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Mais, se o mesmo não tivesse essa intenção, porque motivo voltou a pedir a arma afirmando que queria matar a ofendida? Se fosse apenas para assustar, como o mesmo refere, uma pessoa que tinha acabado de levar um tiro já se encontrava suficientemente assustada.
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Por outro lado, bem sabia o arguido que a zona atingida, a qual aloja artéria que a ser atingida levaria ao resultado morte (facto que o arguido bem sabe por ter sido militar da GNR).
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Quanto à pena aplicada ao arguido, o tipo legal do crime pelo qual o arguido foi condenado (homicídio agravado, na forma tentada), efetuada a atenuação especial, nos termos do artigo 73.º, n.º1, alíneas a) e b), 1.ª parte, do Código Penal, tem como moldura abstrata a pena de prisão de 2 (dois) anos e 1 (um) mês e 24 (vinte e quatro) dias a 14 (catorze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias.
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No presente caso, forçoso é concluir que o arguido apenas poderia ser condenado numa pena de prisão, a título principal.
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O arguido agiu contra a vítima com quem teria tido uma relação próxima. Mais, o mesmo já no interior do café a teria ameaçado, esperou que esta viesse para o exterior do mesmo, vindo atrás dela (sem que esta se apercebesse) e, de modo traiçoeiro, apontou a arma e disparou, com toda a frieza. Ora, da conduta do arguido resultaram ferimentos graves para a vítima, apenas não tendo tido consequências mais graves por sorte. Além disto, após terceiros lhe terem retirado a arma o mesmo voltou a pedi-la para terminar os seus intentos.
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Mais, estamos perante um arguido que foi militar da GNR o qual tem deveres acrescidos para com a sociedade, ainda que seja aposentado.
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Não nos esqueçamos, que o arguido atentou contra o pontífice máximo da nossa Constituição da República Portuguesa, a vida humana e fê-lo sem qualquer pena da vítima, com toda a frieza possível.
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Além de tudo o exposto, o arguido fê-lo empunhando uma arma contra a vítima.
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Invoca a defesa que o arguido é aposentado em virtude do AVC que haveria sofrido, contudo tal não o impediu de praticar os factos pelos quais foi condenado.
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Pelo exposto, julgamos não merecer censura a decisão recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma legal, devendo ser mantida na íntegra.
Pelo exposto, deve negar-se provimento ao recurso apresentado pelo arguido AA e manter-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo justiça.”.
2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido.
2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos foi realizada a audiência de julgamento.
Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
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Questões a examinar Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são: 2.1.
Impugnação da matéria de facto por não resultar da prova produzida que o arguido tivesse intenção de tirar a vida à ofendida; 2.2.
Erro de julgamento quanto à matéria de direito (artigo 412.º, n.º 2 do CPP): a) Por incorreta qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido foi condenado, considerando que este praticou um crime de ofensa à integridade física qualificada, ilícito previsto e punido pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a); b) Por virtude de a pena aplicada ao arguido (5 anos e 6 meses de prisão) ser excessiva e não lhe dever ser aplicada uma pena superior a 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, caso se considere ter efetivamente o arguido praticado um crime de homicídio tentado.
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Apreciação 3.1. Da decisão recorrida Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.
3.1.1.
Factos provados na 1.ª instância O Tribunal...
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