Acórdão nº 40/21.6IDSTR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS DE CAMPOS LOBO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.

O processo de inquérito com o nº 40/21.... da Comarca ... – ... – Juízo de Instrução Criminal ... – J..., foi instaurado com vista a apurar de factos suscetíveis de integrar o cometimento por parte de AA e BB, em coautoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1 e 4, alínea a) da Lei nº 15/2001, de 5 de junho.

  1. Findo o inquérito, a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu despacho propondo a suspensão provisória do processo – artigo 281º do Código de Processo Penal (diploma que se passa a designar de CPPenal) -, o que veio a obter a concordância da Mmª Juiz apenas na parte respeitante ao arguido sendo que, relativamente à arguida AA, foi entendido que não existindo indícios nos autos atinentes aos factos relativos ao dolo e consciência da ilicitude ou actos materiais praticados pela mesma ou de um plano comum a que tivesse aderido, não concordar com a suspensão provisória do processo respeitante à mesma.

  2. Perante tal, o Digno Mº Pº aceitando o posicionamento assumido pela Mmª Juiz, e após solicitar elementos à Autoridade Tributária e Aduaneira, veio renovar a intenção de suspensão provisória do processo relativamente à dita arguida, o que mais uma vez não obteve a concordância daquela, mantendo o entendimento da ausência de indícios que permitissem imputação do ilícito em causa a AA.

  3. Em seguimento, o Digno Mº Pº veio formular a seguinte promoção: (transcrição) Notificado do despacho datado de 27.06.2022, com a referência ...05, o Magistrado do Ministério Público junto da ... secção do DIAP ... vem, nos termos dos Artsº 119 al. e) e 122, ambos do CPP, invocar a sua nulidade por violação das regras de competência do Tribunal e, em consequência seja tal despacho substituído por outro que, considerando verificados os pressupostos objetivos para a aplicação do referido instituto, dê concordância à proposta de suspensão provisória do processo.

    Assim, remeta os autos ao Mmo JIC, a fim de apreciar a arguida nulidade.

  4. Sequentemente, foi entendido pela Mmª JIC, não conhecer da invocada nulidade, por falta de legitimidade do Digno Mº Pº para a arguir e contradição e ininteligibilidade da dita arguição.

  5. Inconformado com tal despacho, o Digno Mº Pº dele recorreu, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes conclusões: (transcrição) 1. O presente recurso vem interposto do douto despacho datado de 05.07.2022 pelo qual o meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” proferiu despacho que indeferiu a arguida nulidade do despacho proferido em 27.06.2022 e pelo qual não deu a sua concordância à aplicação do instituto da suspensão provisória do processo à arguida AA; 2. Entendeu o Mmo Juiz do Tribunal “a quo” que o Ministério Público carece de legitimidade para arguir tal nulidade por a ela ter renunciado; 3. Tal despacho faz uma errónea interpretação do artº 119º, al. e), e 281º, nº 1, ambos do CPP e artº 32º, nº 5 e 219º, nº 1, ambos da CRP, porquanto está em causa uma nulidade insanável, como resulta, desde logo da própria epígrafe do referido dispositivo legal; 4. Assim, tratando-se de uma nulidade insanável, a mesma pode ser conhecida “(…) oficiosamente ou a requerimento do interessado ou do Ministério Público, na sua qualidade constitucional de defensor da legalidade”, pelo que, detém o Ministério Público legitimidade para a arguir; 5. Ademais, tratando-se de uma nulidade insanável, qualquer renúncia, expressa ou tácita, é inoperante, por irrelevante e pode ser declarada a todo o tempo ou até ao trânsito em julgado da sentença; 6. Com efeito, entende o Ministério Público que a decisão de 27.06.2022 é nula por violação do disposto no artº 119º, al. e) e 122º, ambos do CPP, conforme oportunamente se invocou e que agora se reitera; 7. E isto porque, ao fundamentar o despacho de não concordância à aplicação da suspensão provisória do processo, com base na inexistirem indícios suficientes de a arguida ter cometido o crime imputado, o Mmo Juiz do Tribunal “(…) violou o princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa) na medida em que, sendo obrigatoriamente distintas as entidades que acusam e as que julgam, não compete ao juiz de instrução, fora dos casos específicos da instrução, avaliar os critérios do Ministério Público que levaram ao despacho de encerramento do inquérito quando os autos revelem o cumprimento das formalidades estabelecidas e o respeito dos direitos fundamentais do arguido.”, conforme se decidiu no Ac. TRP de 9.9.2009 e disponível in www.dgsi.pt; 8. Com efeito, entendemos que e exigência constante do artº 281º, nº 1 do CPP, de obter a concordância do juiz de instrução à decisão do Ministério Público de suspender provisoriamente o processo, se cinge à fiscalização da adequação, necessidade e proporcionalidade das medidas acordadas/propostas, por força da sua função de garante dos direitos fundamentais do arguido; 9. Entender-se que, na fase de inquérito, a intervenção do juiz de instrução, na decisão do Ministério Público de suspender provisoriamente o processo, se estende à apreciação dos indícios recolhidos é conceder “mandato ao Juiz de instrução para «julgar» o inquérito”, em clara violação do principio do acusatório que, como é sabido, constituiu a pedra basilar do Código de Processo Penal de 1982.

  6. Na fase do inquérito, a intervenção do juiz de instrução só ocorre para assegurar a tutela dos direitos fundamentais do arguido, competindo, exclusivamente, ao Ministério Público, a decisão final de arquivar ou acusar, decisão essa que, como é sabido, como “órgão do poder judicial, dotado de autonomia” obedece a critérios de legalidade e de estrita objetividade e pela qual, segundo Figueiredo Dias “responde perante a sociedade, não perante um juiz (a magistratura do Ministério Público é paralela à judicial e dela independente)”; 11. A decisão final do inquérito não prevê um controlo judicial. Tal só acontece e/ou vem a acontecer por discordância, a pedido, de forma motivada e delimitada.

  7. Na fase de inquérito, a intervenção do juiz de instrução só vale no âmbito do núcleo da garantia constitucional e sempre que afetado tal núcleo dos direitos fundamentais dos cidadãos; 13. No que tange à suspensão provisória do processo, compete ao juiz de instrução confirmar que a concordância do arguido foi livre e esclarecida e que as injunções a que concordou sujeitar-se não afetam a zona de...

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