Acórdão nº 844/06.0TDLSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Do exame preliminar resulta haver fundamento para a rejeição do recurso, pelo que se passa a proferir Decisão Sumária, nos termos dos arts. 417º, nº 6 - b) e 420º, nº 1 –a) do CPP.

  1. No processo nº 844/06.0TDLSB.E1, do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém, Comarca de Setúbal, foi proferida decisão a julgar extinta a pena de prisão suspensa em que o arguido CB foi condenado nos autos, por se considerar que o incumprimento, pelo arguido, da condição imposta, não se afigurava de tal modo grosseiro que justificasse a revogação da suspensão da execução da prisão.

    Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo: “I. Por Douta Decisão Judicial datada de 02-09-2018, o Meritíssimo Juiz a quo declarou que “O período de suspensão da pena aplicada não permite prorrogação (artigo 55.º, alínea d), do Código Penal, sendo as demais opções do artigo 55.º do Código Penal inaplicáveis porquanto já se encontra expirado o prazo de execução da pena” pelo que “resta julgar a pena extinta, considerando que o incumprimento verificado não é de tal modo grosseiro que justifique a revogação”.

    1. Não se conforma o Ministério Público com o Douto Despacho Judicial porquanto o incumprimento da obrigação de pagamento da prestação tributária devida, como condição da suspensão da pena de prisão, é imputável ao arguido a título doloso e grosseiro, revelando o seu desinteresse pela reparação do mal causado, uma vez que durante o decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão a que fora condenado, o arguido CB não pagou, nem diligenciou pelo pagamento da quantia em dívida, embora pudesse tê-lo feito, sendo que era esta a condição imposta para a suspensão da pena, nos termos do artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

    2. O arguido CB foi condenado nos presentes autos em 3-11-2010, por sentença transitada em julgado em 3-12-2010, numa pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, subordinada à condição de pagamento, no mesmo prazo, à Autoridade Tributária e Aduaneira, a totalidade da prestação tributária em dívida, incluindo os acréscimos legais (fls. 434-453), pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelos artigos 105.º e 107.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

    3. Compulsados os autos verifica-se que à data da sentença estava em dívida à ADMINISTRAÇÃO FISCAL a quantia de 58 028,65 EUR (cinquenta e oito mil e vinte e oito Euros e sessenta e cinco cêntimos) - cfr. Fls. 426 - e que o valor em dívida atualmente é de 38 354,76 EUR (trinta e oito mil trezentos e cinquenta e quatro Euros e setenta e seis cêntimos) - cfr. fls. 679; sendo que esta diferença de 19 673,89 EUR (dezanove mil seiscentos e setenta e três Euros e oitenta e nove cêntimos) se deve ao pagamento que terá sido feito através da penhora de créditos de que o arguido era, à data da sentença, titular relativamente a terceiros.

    4. O arguido CB, referiu que não procedeu ao pagamento da totalidade da prestação tributária em dívida à ADMINISTRAÇÃO FISCAL, incluindo acréscimos legais, porque esteve dois anos desempregado e apesar de estar emigrado em Cabo Verde, desde 2012, ainda não teve possibilidades económicas para o fazer, uma vez que: não é titular de quaisquer bens móveis ou imóveis, aufere um salário de cerca de 1 100,00 EUR (mil e cem Euros) mensais, onde se encontram já incluídos os duodécimos referentes aos subsídios de férias e de Natal, e tem despesas mensais fixas de cerca de 550,00 EUR (Quinhentos e cinquenta Euros) [125,00 EUR (para cada um dos seus filhos menores de idade) + 100,00 EUR (para ajudar a sua filha que se encontra a estudar na universidade) + 200,00 EUR (renda mensal relativa à sua casa de habitação)], às quais acrescem as despesas de alimentação, água, luz, etc… .

    5. Porém, CB reconheceu que durante esse período não tentou fazer quaisquer pagamentos parciais, nem se dirigiu a qualquer serviço de finanças para tal, alegando as aludidas dificuldades financeiras; mais, não se predispôs a fazer qualquer pagamento no imediato ou a breve trecho.

    6. A suspensão da pena de prisão, tal como consagrado no artigo 50.º do Código Penal, é uma verdadeira pena de substituição cujo cumprimento é feito em liberdade; para a aplicação desta pena de substituição, o juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do agente, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.

    7. Por sua vez, a revogação da suspensão da pena é um ato decisório que determina o cumprimento da pena de prisão substituída; não constituindo uma consequência automática da conduta do condenado, antes dependendo da constatação de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro.

    8. A este propósito pode ser-se no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 4-06-2008, relator Jorge Gonçalves (Proc. 63/96.1TBVLF.C1) “Ocorrendo uma situação de incumprimento das condições da suspensão, haverá que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências: uma primeira quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P. (..); e outra segunda quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal)”.

    9. Ora, o arguido nada fez para cumprir a obrigação imposta, ou seja, não efetuou qualquer pagamento de forma voluntária da quantia a que se encontrava obrigado na sequência da suspensão da pena de prisão a que fora condenado, muito embora o pudesse ter feito a título parcial e até ao limite da sua efetiva capacidade financeira, o que já revelaria interesse e esforço no cumprimento das condições da suspensão da execução da pena.

    10. Na verdade o arguido poderia, se essa fosse a sua intenção efetuar pagamentos parciais da quantia em dívida tal como fez após a Douta Sentença ora recorrida, em que, desde a data da prolação da referida sentença, já liquidou 500,00 EUR (quinhentos Euros) em cinco prestações iguais e sucessivas (em 31-01-2018, 28-02-2018, 9-04-2018, 9-07-2018 e 6-09-2018).

    11. Em suma, o comportamento do arguido desde, o trânsito em julgado da sentença condenatória de 3-11-2010, demonstra que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não foram suficientes para que o mesmo adotasse uma conduta conforme ao...

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