Acórdão nº 1109/16.4T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelANA MARGARIDA LEITE
Data da Resolução20 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório BB, por si e na qualidade de herdeiro universal de CC, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra a companhia de seguros francesa DD, representada em Portugal por COMPANHIA DE SEGUROS EE, S.A.

, e contra GABINETE PORTUGUÊS DE CARTA VERDE, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe as quantias de € 62 500 (dano da morte de CC, dano não patrimonial da própria vítima e dano não patrimonial do autor), € 18 340,96 (veículo e respetiva paralisação), € 250 000 (incapacidades) e € 5065,32 (despesas médicas e medicamentosas), o que perfaz o montante global de € 335 906,28.

Peticiona as indicadas quantias a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude do acidente de viação que descreve, ocorrido a 27-09-2013, pelas 15h50m, ao Km 158,5 do IP2, no concelho de Nisa, distrito de Portalegre, no qual o veículo com a matrícula BJ-…-…, matriculado em França, pertencente ao autor – que celebrara contrato de seguro com a companhia de seguros francesa DD – e pelo mesmo conduzido, se despistou, embatendo no veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …-…-ZQ, pertencente a Manuel M… e pelo mesmo conduzido, o qual circulava em sentido contrário, causando lesões que determinaram a morte de CC – filha do autor –, passageira transportada no veículo BJ, bem como lesões corporais ao autor e estragos no respetivo veículo, como tudo melhor consta da petição inicial, na qual requer o chamamento de FF, mãe da falecida CC.

Os réus apresentaram contestação conjunta, defendendo-se por exceção – invocando a ilegitimidade passiva da 1.ª ré – e por impugnação, como tudo melhor consta do articulado apresentado.

Na sequência de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, conforme despacho de 23-11-2016, o autor apresentou novo articulado, no qual deduziu incidente de intervenção principal provocada de FF.

Notificados para o efeito, os réus não se pronunciaram sobre o incidente de intervenção de terceiros.

Por despacho de 31-01-2017, foi admitida a intervenção principal provocada de FF e ordenada a respetiva citação, nos termos e para os efeitos dos artigos 319.º e 320.º do Código de Processo Civil.

Citada, a chamada não apresentou articulado, nem declarou fazer seus os articulados de qualquer das partes.

Realizada audiência prévia, foi fixado o valor da causa e proferido despacho saneador – sendo julgada improcedente a exceção de ilegitimidade arguida –, após o que se identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Em cumprimento de despacho proferido no processo n.º 804/17.5T8PTG, pendente no mesmo juízo, foram esses autos apensados aos presentes, passando a constituir o apenso A.

O apenso A consiste em ação declarativa, com processo comum, intentada pela interveniente no processo principal, FF, contra o autor e os réus deste processo, BB, COMPANHIA DE SEGUROS EE, S.A.

e GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE, pedindo a condenação dos mesmos a pagar-lhe a quantia de € 95 000, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, a título de indemnização pelo dano da morte e pelos danos não patrimoniais sofridos em resultado do falecimento de sua filha CC, decorrente de lesões sofridas em consequência do acidente a que respeita o processo principal, o qual descreve.

No âmbito da ação que constitui o processo apenso, os réus, citados, contestaram nos termos seguintes: o réu BB defendeu-se por exceção – invocando a respetiva ilegitimidade passiva – e por impugnação; os réus Companhia de Seguros EE, S.A. e Gabinete Português da Carta Verde apresentaram contestação conjunta, defendendo-se por impugnação, como tudo melhor consta dos articulados apresentados.

Após a apensação, por despacho de 07-12-2017, foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador – sendo relegada para final a apreciação da exceção de ilegitimidade passiva arguida no processo apenso – e fixado o valor à causa, após o que se identificou o objeto do litígio e aditou dois temas da prova aos anteriormente enunciados.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte: Pelo exposto, e no âmbito do enquadramento jurídico citado, decido: a)Julgo procedente por provada a exceção de ilegitimidade do réu BB e em consequência, absolvo-o da instância. Custas, nesta parte, a cargo da autora FF; b) Julgo parcialmente procedente por provada a ação intentada por BB e em consequência, condeno os réus a pagarem-lhe a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 13.909,03 (treze mil novecentos e nove euros e três cêntimos) e decorrente da “Garantia Condutor” acordada no contrato de seguro, a quantia indemnizatória de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros); c) Julgo procedente por provada a ação intentada por FF e em consequência, condeno os réus a pagar-lhe a quantia indemnizatória total de € 95.000,00 (noventas cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento.

Custas a cargo do autor BB, e dos réus, na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º, nºs 1, e 2, do Código de Processo Civil).

Registe e notifique.

Inconformados, os réus Companhia de Seguros EE, S.A. e Gabinete Português da Carta Verde interpuseram recurso desta decisão, na parte em que julgou que o valor indemnizatório fixado pela perda do direito à vida de CC, no montante de € 75 000, deve ser integralmente atribuído a sua mãe, a autora FF, condenando consequentemente os recorrentes no pagamento daquela importância, acrescida de juros à taxa legal desde 22-06-2018, pugnando pela revogação desta parte da decisão, por entenderem que lhes cabe pagar à autora apenas o valor correspondente a metade da compensação pelo dano em causa, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «1ª – Emerge o presente recurso da douta sentença na parte em que julgou que o valor indemnizatório fixado pela perda do direito à vida da infeliz CC, no montante de € 75.000,00, deve ser integralmente atribuído à Autora, mãe de CC, FF, condenando consequentemente os Réus, ora Recorrentes, no pagamento daquela importância, acrescida de juros à taxa legal desde 22/6/18.

É, pois este o âmbito da Apelação.

  1. – Reportam-se os autos a um acidente de viação ocorrido em 27/9/2013, no IP2 no sentido Portalegre – Barragem do Fratel, em que intervieram o veículo automóvel com matrícula BJ-…-GC – conduzido pelo Autor, BB, seguindo no banco da frente a infeliz vítima, sua filha, CC – e o veículo de mercadorias …-…-ZQ, no qual aquele veio a embater.

  2. – Porque o Autor deu causa exclusiva ao acidente e às lesões que advieram para sua filha, o douto Tribunal a quo julgou, acertadamente, que a indemnização que lhe seria devida pela perda do direito à vida desta se mostrava excluída da garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ao abrigo nomeadamente do disposto no art. 14º, nº 3 do DL 291/07 de 21/8.

  3. – Não assistindo ao Autor o direito de reclamar dos Réus o ressarcimento do dano correspondente à indemnização arbitrada pela perda do direito à vida de CC, o douto Tribunal recorrido considerou que aquela devia ser integralmente atribuída à Autora, mãe de CC, face nomeadamente à redacção constante do nº 2 do artº 496º do CC, que determina que essa compensação cabe em conjunto e em partes iguais aos pais.

    Condenando, por conseguinte, os ora Recorrentes à reparação do respectivo dano de forma integral.

  4. – Os ora Recorrentes consideram todavia que a parcela desse segmento indemnizatório deverá ficar retida, não estando constituídos na obrigação de ressarcir duplamente a Autora, mãe de CC, pagando-lhe valor superior a metade do montante arbitrado, de € 75.000,00.

    Sob pena de clara violação de disposto nos arts 9º e 496º, nº 2 do CC.

  5. – Os Autores são pais da infeliz CC, que faleceu no estado de solteira, sem descendentes, sucedendo-lhe aqueles como seus únicos e universais herdeiros, divorciados entre si.

  6. – A norma do art. 496º, nº 2 elenca de forma inequívoca quem são os titulares activos do direito à indemnização, ou seja, as pessoas cujos danos merecem ser atendidos e a “repartição” da correspondente componente compensatória.

    Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes.

  7. – O que quer significar que o correspondente montante há-de ser repartido simultaneamente e em igualdade apenas entre os membros desse grupo (STJ, 15/4/97, relator Lopes Pinto in www.dgsi.pt; A. Varela – P. Lima, in CC anotado, 4ª ed. 9/13 8 rev. e act., pág. 501; e A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed. págs. 623 a 625).

  8. – A locução “em conjunto” significa que somente o cônjuge sobrevivo e os filhos participam simultaneamente na titularidade do direito, ao passo que as demais pessoas com direito de indemnização têm um direito sucessivo, preterindo as primeiras as segundas, e assim sucessivamente (cit. Ac. e obras).

  9. – Procedendo a uma interpretação ponderada da norma do art. 496º do CC, seguindo os critérios do art. 9º do CC, constata-se que a lei quis atribuir o direito à indemnização do art. 496º do CC a certas e determinadas pessoas, directa e expressamente e por título próprio.

    Se esse direito está excluído relativamente a uma delas, não há que o “transmitir” a outrem.

    No âmbito interpretativo do pensamento do legislador subjacente à norma, constata-se que não foi ao acaso que a lei refere a expressão “cabe” no nº 2 do citado art. 496º do CC (cit. art. 9º do CC).

  10. – Diferente seria se, numa situação “limite”, porventura se comprovasse que apenas a Autora, mãe da infeliz CC, tinha laços de afecto com a filha e que a morte desta não se traduziu em nenhuma perda para o Autor/pai.

    Se assim fosse, porque não houve dano, não haveria que efectivamente indemnizar (STJ, 30/4/15, relator...

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