Acórdão nº 435/07.8PATNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelESTEVES MARQUES
Data da Resolução28 de Abril de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO Em processo comum singular do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por acórdão de 08.11.26, foi, para além do mais, decidido: Condenar o arguido R..., como autor de um crime previsto e punido pelo artº 25 a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, na pena de 13 meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo mesmo período.

Inconformado o arguido interpôs recurso, concluindo: “ 1. Os elementos fornecidos pelo processo, especialmente o depoimento das testemunhas, impõem claramente decisão diversa da que foi proferida no que concerne à prática do crime de tráfico de menor gravidade, uma vez não foi para além disso sido produzida em sede de audiência de julgamento prova bastante da prática do crime daquele crime.

  1. Consideram-se incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto constantes do acórdão: - Fls. 4, parágrafo 1 (alínea B), quando refere que não se deu por provado que o produto estupefaciente encontrado se destinava a apenas ao uso pessoal do arguido (cfr. depoimento do Senhor Agente da PSP A... e depoimento de M..., - Fls.8, parágrafo 1, onde refere que tendo em conta que o arguido estava na posse de uma quantidade tão significativa de cannabis, recorrendo aos princípios da prova indirecta e indiciária, ter-se-á que concluir que ele não destinava a totalidade da mesma ao seu consumo, sendo que uma dessas partes era necessariamente destinada à cedência a outrem que, para o efeito, o abordasse (vide depoimento do Senhor Agente da PSP A..., - Fls. 8, parágrafo 2, quando se menciona que pretendia utilizar a balança de precisão para pesar as doses do produto estupefaciente retirado das folhas de cannabis e acondicioná-las nos sacos de plástico... tendo esse acondicionamento o objectivo a posterior cedência a terceiros (cfr. auto de busca e apreensão junto a fls. 40, depoimento do Senhor Agente da PSP A… e do depoimento de M..., - Fls. 9, continuação do 2. ° parágrafo da folha 8, quando se refere o cultivo sistemático deste tipo de plantas de cannabis, e a criação do ambiente para que as mesmas pudessem florescer livremente, ou seja, a forma cuidada como fez, não teve certamente por base alguma curiosidade que tivesse tido ou objectivo de as utilizar apenas para o seu consumo (vide o depoimento de M...).

    - Fls. 9, parágrafo 1, quando refere que o objectivo do arguido seria o de ceder parte da substância estupefaciente que tinha em seu poder a terceiros, daí a colocação da mesma em doses individuais nos sacos de plástico encontrados na sua posse (cfr. auto de busca e apreensão junto a fls. 40, o depoimento do Senhor Agente da PSP A... e do depoimento de M..., - Fls. 10, parágrafos 2 e 3, quando refere que o douto tribunal a quo não considerou para efeitos de prova a justificação apresentada pelo arguido nem o depoimento da testemunha M.... Contudo, dá por assente e como prova indirecta e indiciária da cedência de produto de estupefaciente atendendo à quantidade significativa de cannabis, que o arguido anteriormente teria tido outras plantas de cannabis na sua marquise. Ora tais factos resultam única e exclusivamente das declarações prestadas por ambos, declarações essas não levadas em consideração, por não convincentes, pelo douto tribunal a quo! (vi de depoimento de M…).

    Fls. 10, parágrafo 4, quando refere que o arguido, sendo ex-toxicodependente teria que saber necessariamente que o produto em causa era uma substância estupefaciente, designadamente cannabis., facto este confessado pelo mesmo, cfr. atesta a douta sentença a fls. 5, parágrafo 2.

  2. Por um lado as provas atrás referidas e por outro a insuficiência de prova, impunham decisão diversa da recorrida.

  3. Da análise de todo o processo, inclusive dos autos de busca e apreensão à residência do arguido e do depoimento das testemunhas, não se fez prova de qualquer acto de compra, cedência, oferta de qualquer produto estupefaciente.

  4. Acresce que a testemunha A..., agente da PSP que procedeu à investigação e à realização da busca e apreensão, da vigilância efectuada antes e depois daquela, atesta que não se apurou ali pela prática de qualquer acto de venda, cedência ou mesmo que tenha o arguido proporcionado a terceiros qualquer produtos estupefacientes.

  5. Motivo pelo qual não se pode conclui pela prova produzida em sede de audiência de julgamento, que o arguido vendia, cedia ou proporcionava folhas de cannabis a terceiros, como consta a Fls. 9, par.2 da douta sentença.

  6. Até porque aquela a testemunha, que conhecia já ao arguido, afirmam que não relacionava ou o reconhecia sequer como consumidor, mas apenas que se relacionava com indivíduos consumidores.

  7. Ficou provado em audiência que o arguido era toxicodependente, sendo que o arguido sabia de que plantas se tratava quando as semeou assim como era conhecedor das técnicas necessárias ao seu crescimento e consumo.

  8. Por sua vez a existência devidamente justificada pelas declarações do arguido assim como das testemunhas M… e o Agente A…, de uma balança digital e os sacos de plástico, não são elementos probatórios suficientes para concluir pelo tráfico de estupefacientes.

  9. Além da balança, avariada, não foram encontrados na posse do arguido qualquer outros objectos normalmente indiciadores de tráfico ou mesmo sinais exteriores de riqueza, muito pelo contrário, características do tráfico conforme demonstra o auto de busca e apreensão e o extracto de conta do arguido junto aos autos a fls.

  10. No que respeita à fundamentação também é o douto acórdão bastante insuficiente nomeadamente, porque, não se encontrando provado o tráfico, este foi fundamentado mediante interpretação meramente indiciária e indirecta, que se relacionada com a concreta e actual situação do arguido, é descabida 12. Pois os factos dados provados em sede de audiência de julgamento, não são susceptíveis de integrar o tipo de ilícito considerado praticado pelo arguido pela douta sentença.

  11. Em consequência é o douto acórdão nulo nos termos do artigo 374° nº 2 e 379° nº l alínea a) do C.P.P.

  12. Relativamente à subsunção dos factos ao direito entendeu o Tribunal recorrido subsumir os mesmos no preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo do artigo 21. ° e 25º do DL15/93 de 22 de Janeiro.

  13. Assim sem prescindir do que atrás foi dito, o D.L.15/93 de 22 de Janeiro gradua as penas de tráfico de estupefacientes conforme a sua gravidade, pressupondo uma certa tipologia de traficantes: os grandes traficantes (artigo 21º e 22°) os médios e pequenos traficantes (artigo 25°) e os traficantes consumidores (artigo 26°), contudo a douta sentença recorrida não ponderou devidamente a possibilidade de enquadrar o crime supostamente praticado pelo arguido no do tipo do artigo 26° do referido D.L.

  14. Não tendo levado em linha de conta o facto de o arguido ser toxicodependente e portanto não ser indiferente às técnicas do cultivo e consumo do produto estupefaciente em causa.

  15. Para além do exposto, refere a douta sentença que agrava a responsabilidade do arguido a quantidade dos estupefacientes que existia na sua residência e consequentemente prova esta que não poderia a mesma ser apenas para consumo próprio.

  16. Contudo, a suposta e significativa quantidade resulta de declarações que, no entendimento do douto Tribunal a quo não foram convincentes, excepto, com o devido respeito, no que se reporta aos restantes factos.

  17. Nem foram apreendidos ao arguido quaisquer objectos normalmente indiciadores do tráfico, objectos que manifestassem sinais exteriores de riqueza ou até mesmo dinheiro, que provassem os lucros do arguido ou uma organização.

  18. Por outro lado embora a lei não inclua a intenção lucrativa na definição do tipo legal, o certo é que ela não pode ser indiferente, o tráfico tem implícita, como regra, a intenção, o móbil do lucro. E essa intenção lucrativa, e a sua intensidade e desenvolvimento, podem ser decisivos para auxiliar no enquadramento legal do arguido com grande, médio ou pequeno traficante, ou traficante - consumidor - STJ acórdão de 30 de Novembro de 2000 proc. nº 2849/2000.

  19. Motivo pelo qual foi violado o artigo 26° do D.L.15/93 de 22 de Janeiro na medida em que o ilícito praticado pelo arguido se deveria subsumir no artigo 26° do referido D.L., dada a qualidade de toxicodependente do arguido, os seus parcos recursos económico que demonstram que o mesmo não detinham avultadas quantias em dinheiro, a inexistência de organização e outros elementos característicos de tráfico.

  20. Pelo que em consequência também foi violado o artigo 71° do C.P. no que diz respeito à medida da pena aplicada ao arguido.

  21. Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do artigo 71° do C.P., cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, 24. No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artigo 40° do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada 25. Fixada esta, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica.

  22. Pelo que a admitir-se a prática de qualquer crime este enquadrar-se-ia no âmbito do artigo 26 D.L. nº 15/93 de 22/01 e não no 21 ° do mesmo diploma.

  23. A sentença recorrida violou claramente o princípio in dúbio pro réu, o artigo 355° do C.P.P., o artigo 71 ° do C.P. o dever de fundamentação previsto da sentença previsto no artigo 374 nº 2 do CPP, e ainda o D.L. nº15/93 de 22/01”.

    Respondeu o MP, concluindo que o recurso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT