Acórdão nº 17/08.7TGCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Março de 2009

Data25 Março 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Nos presentes autos com o NUIPC 17/08.7GTCTB, foi o arguido E... condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º, nº1 e 69º, nº1, al. a) do CP, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis) euros, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

O arguido não se conformou com essa condenação e apresentou recurso, deixando a síntese das razões apresentadas que segue: 1ª O ora recorrente dá por integralmente reproduzida a mui douta sentença proferida, não podendo no entanto, apesar do muito e devido respeito que lhe merece o M.º Juiz a quo, concordar com as conclusões de direito ali vertidas.

  1. Aliás da douta sentença constam vários dos argumentos com base nos quais se deverá considerar a prova resultante do aparelho de medição da quantidade de álcool no sangue ilícita e como tal insusceptível de fundamentar a condenação do arguido, ora recorrente.

  2. Continuando com todo o respeito devido, afigura-se ao ora recorrente que o M.m° Juiz a quo, com mui doutos argumentos jurídicos, como é aliás seu timbre, adaptou ou formatou as suas convicções ou considerações de direito ao preconceito da culpabilidade do arguido, ou seja, a pré-convicção da culpabilidade do arguido terá moldado as doutas considerações jurídicas vertidas na sentença recorrida.

  3. Antes do mais diga-se que a violação do art. 14º n.°1 da Lei n° 18/2007 de 17 de Maio foi dada como provada pela douta sentença recorrida, sendo pois facto assente que o aparelho que procedeu à medição da quantidade de álcool no sangue do arguido é ilegal, do que resulta a nulidade da prova dele decorrente, não podendo ser considerada pelo Tribunal.

  4. Não poderiam ter sido dados como provados na douta sentença recorrida os factos descritos no ponto 2. e na primeira parte do ponto 4. da sua fundamentação de facto, nomeadamente que a quantidade de álcool por litro de sangue do arguido superou os exactos limites legalmente definidos para o tipo legal de crime em questão, pois a concreta taxa de alcoolemia — elemento essencial do tipo do crime — é apenas determinável por exame do aparelho medidor, sendo pois irrelevante ou insuficiente a confissão do arguido de que ingeriu bebidas alcoólicas (facto que não é penalmente punido) — vide Ac. Rel Porto de 02/04/2008, proc. 479/08.

  5. Ao assim ter decidido a sentença recorrida violou os arts. 32° n.° 8 da CRP, 125° e 126°/1/3 do CPP, 153°/1 e 170° do Cód. da Estrada e 14° n.° 1 da Lei n.° 18/2007 de 17 de Maio.

  6. Com efeito, imperativamente, o n.° 1 do art. 14° da referida Lei n.° 18/2008 obriga que só possam ser usados para efeitos da realização de testes quantitativos de álcool os analisadores cuja utilização seja objecto de despacho por parte do Presidente da ANSR.

  7. Repare-se que o referido n.° 1 do art. 14° não distingue entre os aparelhos que já se encontravam em utilização antes da sua entrada em vigor (e que tinham sido objecto de despacho por parte da DGV) e os "futuros" aparelhos, devendo pois tal artigo aplicar-se a qualquer aparelho que efectue medições da quantidade de álcool no sangue.

  8. E é princípio básico da interpretação das leis (mormente das criminais) que onde o legislador não distingue, não deverá distinguir o intérprete ...

  9. Interpretação diferente de tal preceito implica um desrespeito por uma lei da República que é clara e inequívoca: na medição da quantidade de álcool só podem ser usados aparelhos cuja utilização seja aprovada pelo Presidente da ANSR.

  10. Podendo embora admitir-se uma interpretação do referido preceito segundo a qual a regulamentação das características dos analisadores, para obviar ao vazio legal, fosse a que estava em vigor ao tempo da extinta DGV (pois trata-se de uma norma geral e abstracta), certo é que o mesmo raciocínio não pode aplicar-se à aprovação da utilização dos aparelhos pois neste caso a lei é clara e exige imperativamente a prática de um acto administrativo, individual e concreto, da exclusiva responsabilidade do seu autor, (despacho do Presidente da ANSR), que constitui um pressuposto necessário para a legalidade da utilização dos aparelhos.

  11. Acresce que na interpretação das leis pode o intérprete averiguar do espírito do legislador, proceder a uma interpretação extensiva ou restritiva, etc., mas o que não pode, sob pena de violar os princípios da certeza e segurança jurídica, é fugir à letra da lei, que é perfeitamente clara (in claris non fiat interpretatio).

  12. Por outro lado, diga-se que inexistiu qualquer consentimento por parte do arguido na realização do exame policial à quantidade de álcool no sangue (tendo sido feito por imposição das autoridades), sendo certo que tal exame constitui uma prova obtida mediante intromissão na sua vida privada, sendo pois nula por violação dos arts. 32° n.° 8 da CRP, 125º e 126°/1/3 do CPP e 153°/1 e 170° do Cód. da Estrada e 14° n.° 1 da Lei n.° 18/2007 de 17 de Maio - vide, a contrario senso, Ac. Rel. Évora de 15/01/2008 — proc 1454/07-1.

  13. O arguido obviamente não confessou (nem podia ter confessado ...) que no dia 26/01/2008 tinha a TAS constante dos autos, pelo que tal facto constante da acusação não poderá ser dado como provado.

  14. Como se deixou já dito, a concreta taxa de alcoolemia, apenas determinável por exame do aparelho medidor, é elemento essencial do tipo do crime, sendo pois irrelevante a confissão do arguido de que ingeriu bebidas alcoólicas (facto que não é penalmente punido) — vide Ac. Rel Porto de 02/04/2008, proc. 479/08.

Nestes termos e nos demais de Direito que mui doutamente por Vossas Excelências serão supridos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências.

Como é de Justiça.

O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou singela resposta, na qual adere à fundamentação da decisão recorrida e considera que deverá ser mantida.

Neste Tribunal da Relação de Coimbra, a Srª. Procuradora-geral Adjunta tomou posição, considerando que a taxa indicada pelo teste efectuado tem valor probatório nos termos semelhantes ao da prova pericial, não tendo o arguido solicitado outro exame para contraprova. Entende que a decisão não padece de qualquer vício, encontra-se devidamente fundamentada e que constam da matéria de facto provada todos os elementos do crime imputado. Termina no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Notificado nos termos do artº 417º, nº2, do CPP, o recorrente apresentou resposta, na qual retoma o argumento de que o aparelho medidor da quantidade de álcool não estava legalmente aprovado e estranha a referência do Ministério Público a instruções da DGV/ANSR e à circunstância de não ter requerido contraprova, o que configura como direito ou faculdade sua.

Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.

Fundamentação Âmbito do recurso É pacífica a doutrina e jurisprudência [[i]] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii]. As questões colocadas no recurso e reflectidas nas conclusões são as seguintes: Nulidade da prova resultante da utilização de alcoolímetro não aprovado pelo Presidente da ANSR; Nulidade da prova resultante da utilização de alcoolímetro por constituir intromissão na vida privada do arguido; Irrelevância ou insuficiência da confissão do arguido.

Apreciação Da decisão recorrida A primeira aproximação às questões elencadas passa pela verificação dos termos da decisão recorrida, mormente dos seus fundamentos de facto. Deixemos então transcrito esse segmento da sentença, em que são afirmados os factos provados e não provados, bem como a motivação da decisão em matéria de facto: 2. Fundamentação: 2.1. De facto: Da audiência de julgamento, à qual se procedeu com observância do formalismo legal, resultou provada a seguinte factualidade: 1 - No dia 26 de Janeiro de 2008, cerca da 01 hora e 33 minutos, o arguido E... conduzia um veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 00-00-BT, quando foi fiscalizado pelos militares da G.N.R.-BT na confluência da Avenida do Socorro com a Avenida do Brasil, nesta cidade de Castelo Branco.

2 - Submetido na altura ao teste de pesquisa de Álcool no sangue através do ar expirado, utilizando para o efeito um aparelho "Drager" modelo " 7110 MKIII P", aprovado pela DGV, nos termos constantes de fls. 3, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, veio aquele a acusar uma TAS de 1,72 gramas/litro.

3 - Informado na altura do resultado obtido, o arguido declarou não desejar contra prova.

4- O arguido havia estado momentos antes numa festa com amigos, onde ingeriu bebidas com teor alcoólico em quantidade e qualidade tais que se revelaram adequados a provar a TAS que lhe veio a ser detectada, coisa que ele sabia e, ainda assim, dispôs-se em seguida a conduzir, actuando de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que essa sua conduta era proibida e punida por lei como crime e lhe estava vedada pelo Cód. da Estrada.

5- O arguido já foi julgado e condenado por este mesmo Tribunal pela prática, em 15.11.2003, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

6 - O arguido é divorciado, enfermeiro de profissão e exerce as funções de chefe de serviços de enfermagem no Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco, auferindo, pelo menos, 1800,00 Euros de vencimento por mês.

7- O arguido suporta a amortização de um empréstimo que contraiu na sequência da partilha que se seguiu ao seu processo de divórcio, à razão de 1000,00 Euros por mês; paga 350,00 Euros de alimentos ao filho; e paga 200,00 Euros por mês à mulher a dias; 8- Vive a 3 ou 4 quilómetros do seu local de trabalho e exerce funções em regime de disponibilidade, havendo situações de urgência em que o mesmo pode ser chamado fora da hora normal de trabalho, servindo-se normalmente da condução de veículo motorizados para se deslocar...

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