Acórdão nº 5/07.0PAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Maio de 2009

Data20 Maio 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RELATÓRIO Em processo comum singular do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, por sentença de 08.10.13, foi, para além do mais, decidido, condenar a arguida C..., pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 154º nºs 1 e 2, 22º, 23º 3 73º nº 1 c), todos do CP, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 6,00.

Inconformada, a arguida, interpôs recurso, em cuja motivação produziu as seguintes conclusões: “ I. Nos termos do art. 374. °, n° 2 do Cód. Proc. Penal, "Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal." II. O aludido exame crítico, tem de indicar, no mínimo e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal, sido relevantes para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.

  1. Da motivação de facto não constam todos os elementos que permitiram dar como provado os pontos 4 e 5 dos factos provados.

  2. Os referidos pontos 4 e 5 da sentença que são dados como provados, sendo certo porém que não resultam dos depoimentos das testemunhas, nem tão pouco do declarado pelo arguido ou de qualquer outro elemento de prova.

  3. Assim, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula porquanto não se encontra fundamentada a razão pela qual se deu como provado que "A arguida quis provocar receio e insegurança no assistente, sendo que o mesmo, em consequência das mensagens enviadas pela arguida via e-mail e via sms, sentiu-se aterrorizado e perturbado, atento o modo sério e agressivo empregue nas palavras redigidas." E "Com a sua conduta, a arguida agiu de forma deliberada e com a perfeita consciência que da forma descrita constrangia o assistente a não exigir o dinheiro que aquela lhe devia, bem como a não fazer valer os seus direitos em Tribunal" cfr. pontos 4 e 5 dos factos provados, pág. 3 da sentença.

  4. Entendeu o Tribunal a quo considerar como provados, entre outros, os seguintes factos: "A arguida quis provocar receio e insegurança no assistente, sendo que o mesmo, em consequência das mensagens enviadas pela arguida via e-mail e via sms, sentiu-se aterrorizado e perturbado, atento o modo sério e agressivo empregue nas palavras redigidas.", cfr. ponto 4 da matéria de facto provada e "Com a sua conduta, a arguida agiu de forma deliberada e com a perfeita consciência que da forma descrita constrangia o assistente a não exigir o dinheiro que aquela lhe devia, bem como a não fazer valer os seus direitos em Tribunal, cfr. ponto 5 da matéria de facto provada; VII. Mas nem das declarações do assistente, nem das declarações da arguida resultou, em ponto algum, que a arguida tivesse intenção de criar insegurança e medo no assistente, VIII. Nem tão pouco que o assistente se tivesse sentido aterrorizado ou com medo ...

  5. Aliás, da audição do depoimento do assistente NUNCA este repetiu tal expressão ou mesmo assumiu ter-se sentido coagido, assustado, receoso em virtude do comportamento da arguida, X. O contrário resultando do ponto 4 foi declarado pela arguida que disse apenas ter mandado aquele tipo de mensagens por "ele me ter enganado, pelo conteúdo das mensagens que ele me enviava" (aos 3 minutos e 10 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).

  6. O próprio assistente assumiu que estava constantemente a receber mensagens, - "Eu estava constantemente a receber mensagens” (aos 9 minutos e 8 segundos do depoimento do assistente, faixa número 2 do cd de gravação da audiência de julgamento); XII. O conteúdo das mensagens nada mais foi do que o resultado de discussões via sms e via mail entre arguido e assistente, cuja intenção nunca foi assustar nenhum dos dois, mas sim defenderem-se de ataques recíprocos, conforme o senso comum nos dirá após audição atenta dos depoimentos de assistente e arguida.

  7. Pelo que, o relatado nos pontos 4 e 5 não pode constar dos factos provados, por nenhuma prova quanto a estes ter sido produzida na audiência de julgamento.

  8. E note-se que, mais nenhuma prova poderia ter sido tomada em conta pois, nos termos do art. 355. °, n° 1 do Código Processo Penal, "Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.", sendo que, além dos depoimentos da arguida e do assistente, nenhuma outra prova foi produzida em julgamento.

  9. Mas quanto às declarações da arguida que ela e o assistente trocavam mensagens, o tribunal a quo "fechou os olhos e tapou os ouvidos"...

  10. Também resultou dos factos provados (ponto número 7) que arguida e assistente tiveram um relacionamento amoroso, mas o assistente prontamente o negou logo no início do seu depoimento, XVII. À pergunta do Meritíssimo Juiz "O senhor imitou-se a receber a mensagem?" o assistente limitou-se a responder "Sim" (aos -4 minutos e 8 segundos do depoimento do assistente, faixa número 2 do cd de gravação da audiência de julgamento).

  11. A arguida, cujo depoimento foi acreditado e valorizado pelo tribunal a quo, disse apenas ter mandado aquele tipo de mensagens por "ele me ter enganado, pelo conteúdo das mensagens que ele me enviava" (aos 3 minutos e 10 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).

  12. Mas as suas declarações não foram tidas em conta, assim como também não foram consideradas as declarações em que disse "eu saí lesionada, ele também me mandou mensagens mas eu ignorante apaguei-as " (aos 2 minutos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento) XX. Quando o Meritíssimo Juiz a quo perguntou ao assistente o que estava subjacente a isto, o assistente disse: "eu penso que tem a ver com ela pedir-me na altura 400 euros e eu emprestei" e "mais tarde veio a pedir mais duzentos... dois mil euros, eu recusei eu recusei e desde aí essas complicações" (aos 10 minutos do depoimento do assistente, faixa número 2 do cd de gravação da audiência de julgamento) XXI. Mas o facto é que esse não seria o juízo de um qualquer bónus pater famílias dos depoimentos da audiência de julgamento: ninguém chama cobarde, mentiroso e porco (ponto 3 dos factos provados) a alguém que se nega a emprestar dinheiro ou mesmo que lhe havia emprestado dinheiro... - estes não são adjectivos que caracterizem alguém que não empresta dinheiro a outra pessoa...

  13. Nas suas mensagens a arguida nunca pediu dinheiro emprestado, nem referiu ter pedido e dos depoimentos prestados na audiência também não resultou provado que o assistente tenha emprestado esse dinheiro à arguida...

  14. No seu depoimento, as justificações do assistente quanto ao motivo das mensagens da arguida qualquer lógica e qualquer homem comum depreenderia que "aqui há gato"! XXIV. Não restaram dúvidas que o depoimento da arguida foi credível e sincero quando declarou "É assim, o D... não falou porque é que eu lhe mandei essas mensagens todas, ele infiltrou-se em minha casa, ele apoderou-se de mim, ele inclusive, ele levou coisas para minha casa" (aos 26 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).

  15. E mais disse "Ele tinha o mulher dele e eu não sabia, ele enganou-nos às duas (...) e quando eu descobri eu disse acabou D... e isso ele não quis aceitar e andou a perseguir-me, a perseguir-me" (aos 58 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).

  16. "Quando eu descobri que ele tinha uma mulher e filhos ele não aceitou eu descartá-lo porque eu não, eu não sou, eu não quero um homem assim para mim" (2 minutos e 45 segundos do depoimento da arguida, faixa número 3 do cd de gravação da audiência de julgamento).

  17. A arguida estava visivelmente transtornada e amedrontada no julgamento e nada disso foi tido em conta. Não esqueçamos que conforme resulta da página 1 in fine e 2 da sentença, o assistente, antes do início da audiência de julgamento já havia feito um acordo com a arguida, para que esta lhe pagasse uma importância (bem superior aos € 400,00 a que aquele avocava ter...

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