Acórdão nº 1582/04.3TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução06 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO A...

veio interpor recurso da decisão que o condenou pela prática, em co-autoria, de dois crimes de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1, ambos do Código Penal, nas penas parcelares de 2 anos de prisão (no crime em que é ofendido B...) e 2 anos e 4 meses de prisão (no crime em que é ofendido N...). Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão.

Na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido por B... foi o arguido/demandado condenado a pagar-lhe a quantia de € 11.979,56 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora.

Foi ainda o arguido absolvido da prática, em co-autoria, de três crimes de burla qualificada, por que vinha acusado, em relação aos ofendidos F..., S... e P....

E, mais foi absolvido do pedido de indemnização civil que contra si havia sido formulado por P....

*São do seguinte teor as conclusões da motivação que apresentou: 1- Cingindo-se este recurso aos crimes de que foram ofendidos apenas duas pessoas - B... e N… - importa verificar, através das actas de audiência - que a única prova testemunhal produzida no que ao recorrente se refere, reside nos próprios ofendidos.

2- Na verdade, mais ninguém presenciou os factos criminosos, a não ser os próprios ofendidos.

3- As testemunhas restantes, ou foram arroladas pelos demandantes civis e não presenciaram os factos ou são inspectores da PJ., que também nada viram dos factos e se limitaram à instrução do inquérito.

4- O ofendido B..., inquirido a fls. 90, reconheceu a fotografia (que a P.J. lhe apresentou) do recorrente como sendo um dos indivíduos que o burlou.

5- Todavia, o mesmo ofendido B..., em diligência de reconhecimento presencial pessoal (auto de fls. 119), não reconheceu o recorrente.

6- Aplicando-se o n.º 5 do art. 147º do C.P.P. não é possível, em boa fé, senão concluir-se que estes reconhecimentos, em inquérito, NÃO PODEM SERVIR COMO MEIO DE PROVA.

7- Quanto ao ofendido N..., também aconteceu o mesmo, ou seja, inquirido a fls. 384, reconheceu a fotografia do recorrente como sendo a de um dos indivíduos que o burlaram.

8- Todavia, em auto de reconhecimento pessoal presencial, o mesmo ofendido não reconheceu o recorrente (auto de fls. 390 e 391).

9- Voltando a aplicar-se o n.º 5 do art. 147°, do C.P.P., não é possível, em boa fé, concluir-se que estes reconhecimentos em inquérito NÃO PODEM SERVIR COMO MEIO DE PROVA.

10- Da restante prova recolhida em inquérito nada mais foi elencado que permita identificar o recorrente como autor de qualquer dos crimes imputados, nomeadamente prova documental ou científica (não foram colhidas impressões digitais ou de ADN).

11- O recorrente foi julgado na sua ausência.

12- Em audiência de julgamento, foram inquiridos os 5 ofendidos.

Chamados a visualizar as fotografias do recorrente (fls. 1510 a 1514)) DOIS dos ofendidos reconheceram-nos como o de um dos indivíduos participantes nos crimes respectivos e três não o fizeram.

Assim sendo, o douto tribunal recorrido decidiu condenar o recorrente pelos DOIS crimes respeitantes àqueles DOIS ofendidos que o reconheceram através das aludidas fotografias, ao mesmo tempo que absolve dos três crimes cujos ofendidos não o fizeram.

13- Todo este mecanismo de raciocínio aparece bem espelhado no ponto III - Motivação, do Acórdão recorrido, podendo sem hesitações concluir-se que os reconhecimentos fotográficos em audiência foram determinantes para as decisões condenatórias e absolutórias.

14- Tratando-se de reconhecimento por fotografia que não foi seguido de reconhecimento pessoal efectuado nos termos do n.º 2 do art. 147º, NÃO PODEM VALER COMO MEIO DE PROVA – n.º 5 do mesmo artigo.

Mesmo o reconhecimento por fotografia em audiência não foi efectuado segundo as exigências do mencionado n.º 2 do art. 147° do C.P.P..

Isto é, o ofendido é chamado a reconhecer somente as fotografias do recorrente.

Na verdade, nem sequer se teve o cuidado elementar de colocar várias fotografias (do recorrente e as outras pessoas que apresentem as maiores semelhanças pessoais com o recorrente).

Só por isto, e pelas regras da experiência comum (bastando o bom senso).

NÃO VALEM TAIS RECONHECIMENTOS COMO MEIO DE PROVA.

15- Este reconhecimento fotográfico em audiência resultou positivo passados que foram 6 (seis) anos sobre os factos.

Tudo isto, quando menos de um anos depois dos factos, os mesmos ofendidos - colocados perante a pessoa do recorrente ao lado de outras pessoas, em inquérito (outros de fls. 119 e 390), os ofendidos não o reconheceram.

16- Alegaram os inspectores da P.J. como desculpa de mau pagador, que, entre os factos que foram vítimas e a realização desses autos de reconhecimento pessoal em inquérito, o recorrente alterou a sua fisionomia.

Tal argumento foi recolhido pelo tribunal colectivo.

Perguntará a Defesa se, no Estabelecimento Prisional de Torres Novas onde o recorrente se encontrava ao tempo das aludidas fotografias e reconhecimentos pessoais, existem cirurgiões estéticos capazes de alterar significativamente a fisionomia dos detidos.

17- Como se tudo isto já não bastasse será altamente "instrutivo" proceder à audição da inquirição em audiência dos ofendidos.

18- Quanto à inquirição do ofendido B... pode concluir-se: de um parece acaba-se pela certeza. Não obstante, o recorrente nunca teve cicatrizes na cara (as próprias fotografias de fls. 1511 e segs o demonstram), sempre teve "entradas" frontais pronunciadas (como as referidas fotografias demonstram) não é nem nunca foi moreno (o recorrente não tem as possibilidades de Michael Jackson) 19- Quanto à inquirição do ofendido N..., pode concluir-se que: de uma parece e depois de muita instância do MºPº, acaba-se pela certeza. Este ofendido não viu cicatrizes na cara, ou sinal o burlão tinha barba de 2 ou 3 dias, tinha cabelo ondulado farto e preto, e não tinha entradas, o rosto era redondo. Não fez reconhecimento por fotografia prévia ao reconhecimento pessoal; Compare-se agora com as próprias fotografias do recorrente exibidas a este ofendido e tirem-se as consequências.

20- De qualquer forma a condenação na pena efectiva de três anos de prisão não atende ao decurso do tempo (6 anos após os factos), ao bom comportamento anterior (a condenação em Abrantes surgiu em datas muito próximas dos factos destes autos) e o bom comportamento posterior.

Tal como se não teve em conta a doença incapacitante que afecta o recorrente e que foi demonstrado documentalmente.

Ainda assim, sempre a execução de qualquer pena de prisão deverá ser suspensa na sua execução já que o recorrente após a suspensão da pena no Tribunal de Abrantes não mais praticou qualquer ilícito, assim se provando a suficiência de ameaça da pena para responder às exigências de prevenção geral e especial.

O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto e os pontos que considera incorrectamente julgados são os seguintes: O tribunal recorrido bastou-se pelo reconhecimento fotográfico do recorrente efectuado pelos dois ofendidos, sem qualquer outra prova complementar, sem confirmar tal reconhecimento fotográfico através de um reconhecimento pessoal.

O tribunal não teve sequer em conta a descrição física do burlão efectuado pelos ofendidos por confronto até com as próprias fotografias exibidas de fls. 1510 a 1514.

A prova que deve ser renovada consiste nas inquirições dos dois ofendidos (aliás, de resto nada mais foi oferecido pela Acusação como resulta bem claro da motivação - ponto III do Acórdão recorrido).

As passagens a que alude o n.º 4 do art. 4120 do C.P.P. já se acham transcritas atrás, com referência aos respectivos suportes técnicos.

Violaram-se os artigos: -147° n.º 5 do C.P.P. - porque foram valorados reconhecimentos fotográficos positivos (só no caso do primeiro ofendido, já que no caso do segundo nem isso ocorreu) seguidos de reconhecimentos pessoais negativos efectuados em inquérito.

147º n.º 7 e n.º 2 do CPP - porque se procedeu a reconhecimento fotográfico em audiência (que não foi seguido de reconhecimento pessoal) e, mesmo assim sem se terem exibido fotografias de outras pessoas de apresentação semelhante, juntamente com as do recorrente.

Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, anulando-se o Acórdão recorrido por ter feito uso de métodos proibidos de prova e absolvendo-se o recorrente dos restantes dois crimes, por que foi acusado e condenado em primeira instância.

De qualquer forma e por mera cautela a pena de prisão deverá ser sempre suspensa na sua execução.

* Respondeu o MºPº junto do Tribunal a quo defendendo a improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Os autos tiveram os vistos legais.

*** II- FUNDAMENTAÇÃO Do acórdão recorrido consta o seguinte (por transcrição): “ Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: Um indivíduo não identificado e o arguido, na execução de um plano que previamente haviam delineado, com o propósito comum de, em conjugação de esforços, vigarizarem cidadãos incautos e de os espoliarem do dinheiro que pudessem, dirigiram-se a Viseu, em 11.12.2001 (terça-feira), dia do mercado semanal desta cidade.

Assim, na manhã desse dia, nas imediações da Casa de Saúde S. Mateus, em Viseu, o indivíduo não identificado, em conformidade com o que havia combinado com o arguido, abeirou-se do assistente B... (agricultor, nascido a 16.01.1929) e perguntou-lhe se o mesmo conhecia um tal Dr. Vasconcelos, médico, ao que o assistente B... respondeu negativamente.

Entretanto, de acordo com o plano previamente delineado, surge naquele local o arguido, a quem o aludido indivíduo, fingindo não o conhecer, pergunta também se conhece o referido médico.

O arguido, seguindo o plano traçado por ele e pelo indivíduo não identificado, responde a este – depois de se apresentar como “Chefe das Finanças de Viseu” – que aquele médico já havia...

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