Acórdão nº 225-C/1998.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução15 de Abril de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A...

(Exequente e neste recurso Agravante) intentou na Comarca de Alcanena, em 24/05/2006, contra o seu ex-marido, B...

(Executado e neste recurso Agravado), execução cujo requerimento inicial consta de fls. 1/6 do apenso identificado como Proc. nº 225-A/1998, pretendendo executar – e apresentando como título executivo – uma Sentença proferida em 13 de Dezembro de 2001[1] pelo Tribunal francês “Cour D’Appel de Versailles” (Tribunal de Recurso de Versalhes), na parte em que tal decisão condena o Executado a satisfazer-lhe (a ela Exequente), no âmbito de um processo no qual foi decretado o divórcio de ambos com atribuição conjunta da culpa (torts partagés), uma “prestação compensatória” (prestation compensatoire) no valor de €14.635,11, pagável em oito anuidades, e no pagamento de uma indemnização de €457,35 nos termos do artigo 700 do Nouveau Code de Procédure Civile (este será referido doravante como NCPC)[2].

1.1.

Por apenso à mencionada execução, apresentou-se o Executado a deduzir-lhe oposição, nos termos do artigo 813º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[3], invocando, entre outras questões, sem interesse para este agravo, a falta de título executivo, por não revestir essa natureza a Sentença do Tribunal francês apresentada pela Exequente.

Admitida liminarmente a referida oposição (fls. 42), contestou-a a Exequente a fls. 46/51, proferindo o Tribunal o Saneador-Sentença de fls. 58/64 (constitui este a decisão objecto do presente agravo), nele julgando a mencionada decisão jurisdicional francesa desprovida da natureza de título executivo face à ordem jurídica portuguesa e, como tal, inapta para fundar (em Portugal) uma execução referida às prestações pecuniárias visadas pela Exequente.

1.2.

Inconformada, interpôs a Exequente o presente agravo (requerimento de interposição a fls. 70 e despacho de admissão a fls. 75), alegando-o a fls. 78/91 e formulando nessa ocasião as conclusões que aqui se transcrevem: “[…] 1ª – A Agravante promoveu, em 23/05/2006, execução […] contra o Agravado, com base na sentença que decretou o divórcio entre ambos e condenou o Réu, ora Agravado, no pagamento de uma prestação compensatória no montante de 96.000 francos (correspondente a €14.635,11), livre de encargos e pagáve[l] em oito anuidades, condenando-o também a pagar à aqui Exequente a quantia de 3.000 francos (correspondente a €457,35), nos termos do artigo 700º do [Código de Processo Civil Francês].

  1. – A sentença dada à execução foi proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes, em 13/12/2001, já transitada, que manteve o divórcio que havia decretado pelo Tribunal de Grande Instância de Nanterre – 8º. Juízo, em 8/7/1999, tendo revogado a decisão parcialmente nos termos atrás mencionados (1ª. conclusão).

  2. – O Executado deduziu oposição à execução invocando, além de outros motivos, que a sentença proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes não pode servir de título executivo.

  3. – A Exequente na contestação à oposição alegou, além do mais, que a sentença oferecida à Execução é válida e eficaz em Portugal, o que foi reconhecido pelo Executado nos autos principais, sendo título executivo.

  4. – Viria a ser proferido Saneador/Sentença, que, embora considerando a sentença do Tribunal de Recurso de Versalhes válida e eficaz em Portugal, não a considerou título executivo, 6ª – Fundamentando que a partir de 01/03/2005, a competência, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental passaram a ser regidos pelo Regulamento (CE nº. 2201/2003 de 27/11/2003, 7ª – Que o artigo 1º. nº. 1 alínea a) preceitua que tal Regulamento é aplicável, independentemente do Tribunal às matérias civis relativas ao divórcio, referindo o artigo 21 que «as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades».

  5. – Que o ponto 21 do preâmbulo desse Regulamento alude a que o reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado-Membro têm por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não reconhecimento serão reduzidas ao mínimo indispensável, 9ª – Que o ponto 8 do preâmbulo do citado Regulamento não abrange as questões como as causas de divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias.

  6. – Que aos montantes indemnizatórios que ora se pretendem executar haverá de se aplicar o Regulamento (CE) nº. 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro, relativo às competência judiciária, reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 01/03/2002, 11ª – Realçando o artigo 33 nº. 1, que as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer outro processo, acrescentando o artigo 38 nº. 1, que as decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada, pelo que, através do Saneador-Sentença, foi julgada a procedência da oposição à execução, ordenando-se a extinção da instância.

  7. – Inconformada com esta decisão a Agravante interpôs o presente recurso de Agravo, alicerçando as suas alegações nesta série de fundamentos: 13ª – Quanto aos factos do divórcio há duas situações a distinguir – os danos morais que resultam da própria dissolução do casamento a reclamar no mesmo processo de divórcio que fundamentam o divórcio, quer morais quer patrimoniais, a intentar numa acção declaratória comum de condenação.

  8. – Porém, a segunda das hipóteses referidas na cláusula anterior, desde que intentado no próprio processo de divórcio é efectivamente admissível, à luz das alterações introduzidas no [CPC], através dos D.L. 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9.

  9. – Proferida qualquer decisão em processo de divórcio que confira compensação/indemnização a qualquer das partes, a sentença não poderá ser eficaz e válida em Portugal, só com relação ao divórcio, deixando de fora a parte condenatória da compensação, porquanto a matéria de indemnização perdeu a sua autonomia e princípios reguladores processuais, fundindo-se ou enxertando-se na acção de divórcio, não se lhe aplicando o princípio da cominação por falta de contestação, formando-se um todo incindível.

  10. – Deve[m] aplicar-se ao caso em questão os artigos 1º. nº. 1 e 21º. nº. 1 ambos do Regulamento (CE) 2201/2003.

  11. – O ponto 8 do Preâmbulo deste Regulamento inclui as questões como as causas do divórcio, os factos patrimoniais ou outras eventuais medidas acessórias.

  12. – No caso em apreço não são discutidas as causas do divórcio, aceites por ambas as partes, com o respectivo trânsito em julgado, e que nada tem a ver com a acção executiva.

  13. – Quanto aos efeitos patrimoniais do divórcio [retroagem-se] em relação aos cônjuges à data da propositura da acção e para os terceiros, a partir da data do registo da sentença, situações alheias à acção executiva. (artigos 1788º e 1789º do [Código Civil]).

  14. – O Agravado nos autos principais 225/98 em que foi Réu, reconheceu que a Autora, aqui Exequente, instaurou o processo de divórcio em França, contra o Réu, aqui Executado.

    [20ª-A] A sentença preferida pelo Tribunal Francês é válida e eficaz em Portugal, a presente acção é repetição daquela decidida pelo Tribunal de Recurso Francês e transitou em julgado.

    [20ª-B] Havendo identi[dade] quanto aos sujeitos, identi[dade] do pedido e causa de pedir, por isso caso julgado, verificando-se que a decisão tem força obrigatória dentro e fora dele, nos termos fixados nos artigos 497º e seguintes (671º nº. 1) do CPC.

  15. – O Agravado neste seu reconhecimento não fez qualquer restrição à eficácia da totalidade da sentença proferida pelo Tribunal de Recurso Francês, contrariamente [ao] que fez na sua Oposição à Execução.

  16. – À referida decisão proferida pelo Tribunal de Recurso de Versalhes não poderá ser aplicada o Regulamento (CE) 44/2001 de 22 de Dezembro, porquanto não tem suporte legal, quer no artigo 38 nº. 1, quer em qualquer outro, não havendo necessidade de se proceder [à] executoriedade da sentença francesa quanto às compensações em que o Agravado foi condenado, constante da acção executiva.

  17. – Ao julgar procedente a Oposição à Execução, a decisão ora em apreço relativa ao Saneador-Sentença, não tomou em conta o Ponto 8 do Preâmbulo do Regulamento (CE) 2201/2003, artigos 1º. nº. 1 e 21º. nº.1 desse Regulamento, os artigos 33 e 38 nº. 1 do Regulamento (CE) 44/2001 de 22 de Dezembro, os artigos 467º e seguintes, 671º nº. 1, 655º nº. 1, 490º, 668º nº. 1 alínea c) todos do CPC e artigos 1788º e 1789º do Código Civil).

    […]” [transcrição de fls. 87/90] II – Fundamentação 2.

    Prefigura-se necessariamente, enquanto ponto de partida da apreciação do presente recurso de agravo, a fixação do respectivo âmbito objectivo. Tal delimitação temática, pressuposta a ratio decidendi da decisão impugnada, opera-se, neste como em qualquer recurso, através das conclusões formuladas por quem recorre, como resulta da aplicação conjugada dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC[4].

    Assim, tendo presente o teor das conclusões da Agravante, que foram transcritas no item anterior, constata-se estar em causa a contestação ao entendimento subjacente à decisão agravada de que a Sentença do Tribunal francês, aqui apresentada como título executivo, não satisfaz as condições que possibilitariam encará-la como tal (como título executivo) perante um Tribunal português, em termos aptos a desencadear, nesta jurisdição, um processo executivo. Isto, obviamente, por ser aquilo que a Agravante pretende executar, relativamente aos pronunciamentos decisórios dessa Sentença traduzidos na condenação em prestações pecuniárias decorrentes do...

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