Acórdão nº 4797/05. 3TBLRA de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelGRAÇA SANTOS SILVA
Data da Resolução15 de Abril de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I- Relatório: Companhia de Seguros …….. S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra A....., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 5.193,31 (cinco mil, cento e noventa e três euros e trinta e um cêntimos), referente a danos patrimoniais por si sofridos, derivados de conduta sua, seu segurado, acrescida de juros vincendos, até efectivo e integral pagamento, contados desde a data da citação.

Fundamentou em que no âmbito da sua actividade de seguradora, celebrou com o R. um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº 60/5 587 054, destinado a garantir a responsabilidade civil emergente da condução do veículo automóvel de matrícula QE-41-05. Ao abrigo de tal contrato, foi participado à A. um acidente de viação envolvendo o veículo seguro e o veículo de matrícula 15-03-PN.

Mais referiu que, de facto, no dia 12/09/2002, cerca das 20h00m, o Réu tripulava a viatura segurada, advindo de Rua das Portelinhas, em Loureira, em direcção à Estrada do Fazarga, e pretendendo entrar nesta, assim o fez, sem imobilizar o seu veículo, sem atender ao sinal de cedência de passagem existente na estrada de onde era proveniente, e sem atentar no veículo de matrícula 15-03-PN que circulava no sentido Moita Redonda – EN 357, embatendo com a parte lateral esquerda na frente do PN. Alegou ainda que o embate ocorreu no lado direito da Estrada do Fazarga, atento o sentido de marcha do PN, dentro da zona do cruzamento, no lado direito da via, e que o condutor do PN não conseguiu reagir, face à entrada repentina do QE, não lhe sendo possível evitar o embate.

Alegou também que o Réu, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, conduzia com TAS de 1,42 gr/l, o que provocou a diminuição da acuidade visual e da percepção das distâncias, falta de destreza, aumento de tempo de reacção aos obstáculos sendo tal TAS causal do acidente ocorrido, bem como a inobservância do disposto no art. 21º - B1) do D. Regulamentar nº 22-A/98, de 1/10.

Alegou ainda que, em por força do acidente, custeou a reparação do veículo PN, no montante de € 5.193,31. Entende ter direito de regresso contra o Réu, nos termos do art. 19º, al. c), do DL. Nº 522/85, de 31/12. Juntou um documento do qual resulta que o valor supra mencionado foi pago a 22/10/202.

O R. contestou dizendo que a A. não alegou nem demonstrou o nexo de causalidade entre a TAS e o acidente, e ainda que, mesmo que fosse procedente a acção, nunca tivera oportunidade de se pronunciar sobre os danos. Mais disse que o PN circulava a velocidade superior a 50 km/h, que era a permitida no local, o que levou à ocorrência do acidente e contribuiu para os estragos provocados em tal veículo.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença pela qual se julgou totalmente improcedente a acção, e se absolveu o R. do pedido contra si formulado.

Inconformada, recorreu a A, apresentando as seguintes conclusões de recurso: “1ª Foi o próprio R. quem deu causa ao acidente ao entrar repentinamente no cruzamento.

  1. A dificuldade de visão que se verifica nesse cruzamento não atenua a sua culpa, antes pelo contrário. Com efeito, quanto maior é a dificuldade de visão nos cruzamentos, maiores deverão ser os cuidados a ter para entrar nos mesmos.

  2. E que o R. não tomou as necessárias cautelas antes de entrar no cruzamento ressalta à evidência do facto de ter entrado repentinamente no mesmo.

  3. E ainda por cima pelo lado esquerdo da via, dificultando ainda mais a sua visibilidade ao condutor do PN.

  4. Por sua vez o condutor do PN não infringiu qualquer norma estradal que possa ser considerada como causal do acidente.

  5. Na verdade, atenta a curta distância a que o mesmo se encontrava do cruzamento e a rapidez da entrada do R. no cruzamento, sempre o acidente ocorreria, mesmo que a sua velocidade fosse menor.

  6. A imprevidência do R. ao entrar repentinamente no cruzamento é tal ordem de grandeza que nos leva a pensar que o mesmo não se apercebeu sequer da existência do sinal de aproximação de estrada com prioridade, o que se explica pela diminuição do seu campo de visão provocado pela elevada taxa de alcoolemia que apresentava — 1,42 g/1.

  7. Acresce que tal comportamento, por temerário, roçando mesmo o dolo eventual, não é compatível com uma condução normal.

  8. E por isso se afirma que a alcoolemia que o R. apresentava foi determinante para a ocorrência do acidente em causa.

  9. Como se diz e bem no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, (www.dgsi.pt, processo n.°2284/2006-8) “III- No caso de o condutor do veículo ter uma elevadíssima TAS, de 1,90g/l, o que o faz incorrer em pena de prisão (artigo 292. " do Código Penal) a presunção judicial de que agiu sob influência os álcool tem todo o cabimento, não só porque um tal grau de etilização impõe o entendimento, para além de qualquer dúvida razoável, de que o condutor em tais condições age sob influência os álcool, consolidando-se a presunção quando, pelas condições em que o acidente ocorreu, se verifica que só por causa da influência do álcool se deu despiste do veículo e o violento embate nos veículos estacionados".

  10. Ao decidir-se, em contrário, violou-se por erro de interpretação e aplicação, a norma prevista na al. c) do artigo 19° do Dec. 522/85, de 31 de Dezembro.” Apresentou o Recorrido contra alegações, pugnando pela manutenção da sentença.

II- Questões a decidir: Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs e 684, nº 3, e 690, nº 1, do CPC, na versão anterior ao D.L. nº 303/07, de 24/8), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artº 660º, nº2, do CPC).

O tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras). Todavia, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” (referido naquele normativo) não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Acs. do STJ, de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

Face às conclusões da alegação da recorrente, verifica-se que não está em causa no recurso a dinâmica do acidente em causa, nem a culpa exclusiva do recorrido na sua produção, nem o montante pago pela recorrente a título indemnizatório aos lesados em causa. As questões que importa apreciar são: 1. Aferir se houve violação de regras estradais por parte do R., ao entrar no cruzamento, que tenham determinado a produção do acidente; 2. Aferir da influência da taxa de alcoolemia apresentada pelo R. na produção do acidente, designadamente, determinação da existência ou inexistência do nexo de causalidade adequada entre o acto de condução automóvel do recorrido sob o efeito do álcool e o deflagrar do acidente, e da violação da norma contida no artº 19º do DL 522/85, de 31/12.

III- Factos considerados assentes, na sentença recorrida: Foram estes os factos considerados assentes nos autos, e feitos constar da sentença recorrida, se bem que por ordem diversa da agora fixada.

  1. No âmbito da sua actividade a Autora celebrou com o Réu um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº 60/5587054, destinado a garantir a responsabilidade civil decorrente da circulação do automóvel de matrícula QE-41-05 (alínea A) dos Factos Assentes).

  2. Ao abrigo de tal contrato foi participada à ora Autora a ocorrência de um acidente de viação, envolvendo o veículo seguro e o veículo de matrícula 15-03-PN, o qual se verificou do seguinte modo e circunstâncias (alínea B) dos Factos Assentes).

  3. No dia 12/09/2002, pelas 20 horas, o Réu conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de...

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