Acórdão nº 1700/05.4TAAVR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    No epílogo do processo instrutório que correu termos na comarca de Aveiro foi decidido emitir decisão instrutória de não pronúncia do denunciado, AA…. da prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1 e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), todos do Código Penal, que lhe havia sido imputado no libelo acusatório impulsionado pelo Ministério Público junto da comarca de Aveiro.

    Em dissensão com o julgado manifesta-se o Ministério Público e pretendendo a revogação do despacho prolatado e a sua substituição por outro que pronuncie o arguido pelo crime que estima dever ser-lhe imputado, impulsa o presente recurso que remata com as conclusões que a seguir se deixam extractadas.

    “1- 0 Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA. pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo arts. 180º, nº1), 184º e 132º 2 j) do Cód. Penal, porquanto a pedido do arguido, no dia 28 de Fevereiro de 2005, no jornal “Diário de Aveiro”, foi publicado um artigo de opinião por si subscrito, no qual, sob o título “Os Carrascos Também Morrem”, fez afirmações que objectiva e subjectivamente são ofensivas do bom-nome e consideração devidas ao assistente DD enquanto pessoa e na qualidade de padre a exercer funções na paróquia de Vera Cruz-Aveiro.

    2- Arguido que sabia que as tais afirmações eram susceptíveis de ofender a honra e consideração da pessoa do ofendido, resultado esse que previu e quis atingir, e não ignorando que tinha o dever de expressar a sua opinião de forma a não violar tais valores, até porque tinha capacidade para o fazer e que o ofendido DD. era pároco e que as considerações por si tecidas se reportavam a conduta pelo mesmo levada a cabo no âmbito das respectivas funções.

    3- 0s autos contêm indícios de facto e de direito suficientes que permitem imputar ao arguido AA. a prática do referido crime de difamação agravada e, dessa forma, submetê-lo a julgamento, já que a acusação deduzida pelo M.P. não foi abalada com a realização das diligências instrutórias.

    4- Ao praticar os factos da forma descrita na acusação, o arguido agiu sem que para tanto tenha ocorrido qualquer causa justificativa, seja de exclusão da ilicitude, seja de exclusão da culpa, nomeadamente do dolo em qualquer uma das suas modalidades.

    5- 0a análise do comando normativo plasmado no artigo 180º 2) do Cód. Penal, resulta que a não punibilidade ali referida depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a imputação de determinado facto tem de visar a prossecução de interesses legítimos e o agente do crime tem de provar a verdade da imputação (ou que tinha fundamento sério para reputar tal imputação como verdadeira).

    6- Não basta, assim, a mera existência de interesses legítimos por parte do agente do crime, mas antes se torna necessário que, além da existência de tais interesses, a imputação seja adequada e necessária à sua realização, o que implica uma ponderação de interesses, com os limites de adequação e necessidade a que se refere o artigo 18º nº 2) da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), uma vez que está em causa a compressão de direito fundamental –o direito ao bom nome e reputação -, protegido pelo artigo 26º da C.R.P., em que “a honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”, como o refere o Prof. José Faria Costa in pág. 607, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999.

    7- Não existe nenhuma relação, designadamente de adequação, proporcionalidade e necessidade, entre as afirmações/imputações que o arguido fez, ainda que de forma indirecta, quando afirma que o assistente (enquanto pessoa e na qualidade de padre e pároco em exercício de funções na paróquia de Vera Cruz) não é respeitador porque agride, comparando-o a um “bandoleiro”, “súcia de bandoleiros”, que o assistente é “cabecilha”, “hipócrita” e “perverso” e tem tiques e sinais de desmedida arrogância. Manipulando “débeis mentes” I “elemento execrando” e o exercício dos aludidos direitos à tranquilidade e ao repouso físico e psicológico.

    8- E muito menos existe qualquer relação de adequação de tais imputações a visar a prossecução de tais interesses legítimos ou de necessidade de atingir a honra, a dignidade e o bom nome do assistente da forma como o foi, quer pelo seu conteúdo ofensivo quer através da sua divulgação em jornal regional diário de grande tiragem no distrito de Aveiro ou até de proporcionalidade que não se vislumbra, pois se apenas era para chamar atenção (ou mesmo que fosse uma tentativa de resolver o problema), a resposta foi exagerada quer no seu conteúdo quer na divulgação que fez por intermédio do jornal “Diário de Aveiro”, pois que o arguido bem sabia que as afirmações acima referidas eram susceptíveis de ofender a honra e consideração da pessoa do ofendido, não se tratando de simples crítica objectiva de actos ou comportamentos enquanto tais, como pretende fazer crer o arguido.

    9- Da análise dos documentos e dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos nada resulta quanto à adequação, proporcionalidade e necessidade das imputações ofensivas à honra feitas ao assistente (quando o compara a um “bandoleiro”, e se refere que o assistente é “cabecilha”, “hipócrita” e “perverso” e tem tiques e sinais de desmedida arrogância, manipulando “débeis mentes”, “elemento execrando”) para a prossecução dos interesses do arguido.

    10- E também nada resulta quanto à veracidade de tais imputações ou ao fundamento sério, para em boa-fé as reputar de verdadeiras.

    11- Assim, se não se indicia a verificação cumulativa ou mesmo em separado de circunstâncias susceptíveis de excluir a ilicitude criminal dos factos descritos na acusação, com a não punibilidade da conduta do arguido, o M.mo Juiz errou na aplicação do direito quando afirma a fls. 295 que: “O arguido agiu assim, neste contexto, para realização de interesses legítimos e com base em factos verdadeiros praticados pelo denunciante, que ofenderam e prejudicaram a comunidade habitacional da zona.” 12- E o M.mo Juiz errou igualmente na aplicação do direito ao não equacionar se as imputações constantes da acusação (e que ele próprio admitiu como ofensivas da honra devida ao assistente enquanto pessoa e padre … eram necessárias, adequadas e proporcionais à realização dos interesses do arguido (direito à tranquilidade e ao repouso físico e psicológico com a retirada da aparelhagem sonora instalada no sino da ...).

    13- Existe, pois, uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

    14- 0 M.mo Juiz ao proferir despacho de não pronúncia violou os comandos normativos dos artigos 283º,nº 2), 308º,nº1,2) do C.P.P. e 180º,nº2) do C.P.P..

    15- Em suma, dando provimento ao recurso, deverá ser revogado o despacho de não pronúncia, substituindo-o por outro que pronuncie o arguido A.A. … pelo crime de difamação agravada imputado”.

    A resposta do arguido enfileira pela defesa do julgado, trazendo os argumentos que já havia exposto no requerimento de abertura de instrução no que discrepa o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto que, em enxuto mas proficiente parecer, emparelha com os fundamentos alinhados na peça recursiva para reforçar a necessidade da sua procedência.

    A questão que vem trazida á cognoscibilidade deste tribunal atina com a verificação ou não de indícios que alentem e substanciem a materialidade típica contida na norma incriminante e, concomitantemente da ausência de causas exculpantes que subtraiam a ilicitude ou a culpa do agente por actuação de acordo e no uso de um interesse (próprio ou alheio) tutelado pela ordem jurídica – cfr. nº 2 do artigo 180º do Código Penal.

  2. – Fundamentação.

    II.A. – Elementos pertinentes para a decisão.

    - Acusação deduzida pelo Ministério Público contra Artur Fonseca constituindo-o como autor material e um crime de difamação agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1 e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), todos do Código Penal. – cfr. fls. 95 e 96; - Requerimento para abertura de instrução – cfr. fls. 113 a 117; - Decisão Instrutória – cfr. fls. 289 a 295.

    “IV. Da decisão de Pronunciar: a existência ou não de indícios suficientes Do crime de difamação: Nos termos do artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, comete o crime de difamação «quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo...».

    De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, a conduta não é punível quando: a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

    A boa fé exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.

    Nos termos do artigo 180º do Código Penal, o crime de difamação pode definir-se como a atribuição a alguém de factos ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si mesmo uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado.

    De acordo com Leal-Henriques e Simas Santos ( “Código Penal Anotado”, 2º Vol., pág. 317.

    ) “os processos executivos do crime de difamação podem ser vários: imputação de um facto ofensivo, ainda que meramente suspeito; formulação de um juízo de desvalor; reprodução de uma imputação ou de um juízo”. A imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocos, não apresentarem a menor dúvida, ou podem estar encobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita (...

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