Acórdão nº 2890/04.9TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelHÉLDER ROQUE
Data da Resolução15 de Julho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A...., divorciado, médico neurologista, residente na R. do Bairro de Cima nº 9, Mata, Castelo Branco, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B....e mulher, C...., casados, ele médico, e ela doméstica, residentes na Estrada do Pinhal, Calçada de Marrocos, nº 37 C, Alto de S.João, Coimbra, e contra a Fundação Bissaya Barreto, instituição de utilidade social, com sede na Quinta dos Plátanos, Bencanta, Coimbra, pedindo que, na sua procedência, seja declarada a nulidade, por simulação, das escrituras públicas de compra e venda, referenciadas nos artigos 1º e 2º da petição inicial, e o cancelamento dos registos que, em consequência, a ré, pessoa colectiva, efectuou, em relação aos imóveis objecto das referidas escrituras e, subsidiariamente, seja declarada a simulação relativa das mesmas escrituras, por ocultarem uma doação e, também, neste caso, o cancelamento dos respectivos registos dos imóveis, a favor da mesma ré, pessoa colectiva, alegando, para o efeito, e, em síntese, que o negócio celebrado entre os primeiros e a segunda ré não foi o que vem traduzido nas suas declarações, exaradas no respectivo instrumento notarial, ou seja, os réus, pessoas singulares, não quiseram vender à ré Fundação Bissaya Barreto qualquer dos prédios ali identificados, o que esta sabia, pois, foi por acordo de todos e com o intuito de enganar o autor, prejudicando a sua legítima, que todos declararam, vender e comprar, respectivamente, os aludidos prédios.

Alega ainda o autor que a ré Fundação Bissaya Barreto não pagou qualquer preço pelos aludidos negócios de compra e venda, oferecendo, apenas, aos primeiros réus serviços de carácter social, domiciliário e religioso, sendo certo que, continua, para esta situação contribuiu a idade dos vendedores, de 84 e 82 anos, o facto de o autor ser o único filho, com quem o réu, seu pai, sempre manteve uma relação conflituosa, de inimizade e ódio, motivada por razões, de cariz político e temperamental, com o afastamento dos familiares e, mesmo, da mãe, a ré Isménia, dizendo para todos que havia de deserdar o filho, e ainda que os réus, seus pais, não necessitavam de fazer qualquer venda, pois têm uma situação económica boa, que lhes permite viver com desafogo, pelo que quiseram fazer uma doação, à ré Fundação, com o intuito de deserdar o autor.

Na contestação, a ré Fundação Bissaya Barreto alega que, pretendendo os réus, pessoas singulares, salvaguardar o seu futuro, foi contactada pelo réu, B...., no primeiro trimestre de 2001, com o objectivo de propor a venda de determinados imóveis, cujo pagamento seria efectuado, em espécie, nomeadamente, através de serviços diversos a prestar por aquela.

Concretizado o negócio, que exprime a vontade das partes e o preço acordado, a Fundação iniciou a prestação de serviços de apoio domiciliário, o pagamento da pensão fixada, através de transferência bancária, o transporte contratado, a afectação dos funcionários necessários e o apoio médico.

Na contestação dos réus, pessoas singulares, estes alegam que foi o comportamento do autor para com eles que desmereceu a sua confiança e, por isso, o afastamento familiar, mas que sempre ajudaram na educação e instrução do autor, seu filho, nunca o proibindo de frequentar a casa dos pais ou de se relacionar com ambos.

Que surgiram, para o casal, dificuldades em gerir o seu património, pelas quais o autor nunca manifestou interesse, e, por dificuldades de saúde de ambos, tentaram acautelar a tranquilidade da sua vida futura, tendo contactado diversas instituições e acabando por celebrar o negócio com a Fundação Bissaya Barreto.

Mais alegam que o contrato vem sendo cumprido pela ré, que fornece os serviços e apoio acordados, proporcionando-lhes uma velhice tranquila, com assistência social de profissionais, criando laços de amizade com funcionários daquela instituição.

Reiteram que o negócio correspondeu à sua vontade e que não pretenderam deserdar o autor, sendo a forma de pagamento acordada aquela que, realmente, quiseram.

Na réplica, o autor conclui como na petição inicial.

A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente e, em consequência, absolveu todos os réus dos pedidos formulados pelo autor.

Desta sentença, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando conclusões de onde se destacam as questões a decidir.

Nas suas contra-alegações, todos os réus defendem que o presente recurso deve ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se, integralmente, a sentença proferida, em primeira instância.

* Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes: I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

II – A questão da simulação.

I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Defende o autor a reapreciação dos pontos nºs 3, 53, 55, 56 e 57 da base instrutória, por forma a que, considerando o teor dos documentos existentes nos autos e as disposições substantivas e processuais aplicáveis, devam considerar-se provados os pontos nºs 3, 53, 55 e 57 e provado, na sua totalidade, o ponto nº 56.

Por outro lado, sustenta ter havido erro na apreciação da prova testemunhal gravada, que conduziu a uma incorrecta decisão sobre os pontos nºs 5, 17, 33, 34, 38, 39, 40, 44, 45, 48, 67, 68 e 69 da base instrutória, que, de outro modo, deveria conduzir a que fossem considerados provados os pontos nºs 44 e 45 e provados com esclarecimentos ou com esclarecimentos diversos dos que se verificaram, os restantes pontos da base instrutória, acabados de elencar.

Resulta da audição da prova objecto de gravação, no que contende com os pontos da matéria de facto em que os autores suscitaram a respectiva alteração, que a testemunha Maria de Fátima, enfermeira de profissão, e que viveu, em união de facto, com o autor, disse que, em 2003, veio visitar os réus, a Coimbra, tendo-lhe o réu marido dito que “o meu filho não presta e eu deserdei-o, porque tive problemas com ele e não se portou bem”. Disse ainda que o réu não gostava da mulher do autor, proibindo-a de entrar em sua casa, mas que existiam relações de cumplicidade escondida entre a mãe e o autor, mas sem o pai saber que aquela lhe pedia medicamentos. Que a mãe procurava que o réu não a ouvisse telefonar para o filho, não querendo chocar com ele, pois tinha “medo” do marido, que era quem mandava. Que o autor esteve dez anos sem ver a mãe, o que aconteceu nos HUC, depois de uma operação a que esta se sujeitou, tendo, então, quando aquela estava na cama hospitalar, ouvido a mesma pedir desculpas ao filho, por ter sido pressionada pelo marido “a fazer o que fez ao filho”.

Pensa que a mãe não geria o património, pelo que conhecia do casal e pelas férias que passou com os réus e o autor, mas tinha dinheiro com que fazia as compras correntes, embora fosse uma pessoa, fisicamente, débil.

Entre o pai e o filho havia um desencontro, numa tentativa daquele em impor o seu querer ao filho, cuja causa foi o casamento, ao qual os réus não foram, e aquele gostava que o filho vivesse em Coimbra e não em Castelo Branco.

Que foi muito bom o relacionamento entre pai e filho, entre 1994 e 1996, durante o qual este viveu com a testemunha, em união de facto.

A testemunha ……., professora universitária, prima do autor e sobrinha dos réus, disse que o réu contactou o pai da testemunha, em primeiro lugar, e, depois, a irmã desta, fazendo-lhes a proposta de lhes “passar” a herança, desde que, quanto a esta, a irmã tomasse conta deles na velhice, e quanto aquele, não a passasse ao autor, fazendo ainda propostas idênticas à da irmã a outras pessoas da família. O relacionamento entre pai e filho foi de conflitos e atritos, desde a adolescência, que se agudizaram com o casamento, não tendo os pais ido ao casamento do filho. Como tivessem falhado as várias tentativas do réu, junto dos familiares, para que estes ficassem com o património dos réus, a fim de prestarem a estes cuidados de saúde, começaram a procurar soluções, em instituições. Acredita que o negócio com a Fundação Bissaya Barreto aconteceu por imposição do marido à ré, tendo esta dito à testemunha, há cerca de ano e meio, com referência a Setembro de 2006, com ar muito contristado, que “nunca teria deserdado o filho, mas que a tal tinha sido forçada pelo marido”. A mãe, que apresenta problemas físicos de saúde, mas não de lucidez, já foi operada, várias vezes, tentava equilibrar as relações de animosidade ente pai e filho. Os réus têm uma vida desafogada e pensa que era o marido que geria o património.

A testemunha ….., médico neurologista, disse que havia um fosso ideológico entre pai e filho que os distanciava, permanentemente, não tendo aquele aceite a nora, que hostilizava, não vindo ao aniversário da neta, renegando o filho, desde o princípio. A ré apresentava uma síndroma vertiginosa de incapacidade de equilíbrio que lhe retirava a estabilidade corporal, vivendo numa grande dependência de psicotrópicos e estava “sob a ordem do pai”.

A testemunha ……., médico de profissão, disse que existia uma relação de animosidade e conflitualidade entre pai e filho, sendo a opinião daquele que tinha de prevalecer, em conflitos sobre matéria política. Tudo se agravou com o namoro e o casamento com a Drª ……, tendo o réu, a uma pergunta da testemunha, no barbeiro, a saber como é que estava o Xico (o autor), respondido “o Xico lá está com a puta”. Que os familiares não foram ao casamento porque o...

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