Acórdão nº 480/07.3GAMLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução16 de Julho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Por sentença proferida em 16/10/2007 no processo nº 480/07.3 GAMLD do Tribunal Judicial da Mealhada, foi o arguido JA condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 348º, nº1 e 2 do CP e 22º, nºs 1 e 2 do D.L. nº54/75, de 12/2, na pena de um ano e quatro meses de prisão.

Inconformados com essa condenação, vieram o arguido e o Ministério Público interpor recurso.

O arguido extraiu das motivações as seguintes conclusões: 1 - A condenação do Recorrente, nos termos da Douta Sentença colocada em crise, peca por excessiva e infundada; 2 - Quer na escolha da pena, quer na determinação da sua medida concreta, não foram atendidas de forma adequada as circunstâncias a favor do Recorrente, tendo sido valoradas de forma muito mais significativa as circunstâncias que militam em seu desfavor.

3 - A pena de prisão em que o Recorrente foi condenado (1 ano e 4 meses) deverá: Ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.° do Código Penal; ou em alternativa Ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução de harmonia com o estabelecido nos art°s 50.°, 72.° e 73.° do Código Penal.

4 - O crime de desobediência qualificada é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (artigo 348.°, n.° 2 do Código Penal).

5 - Não há culpa sem pena e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, pelo que a sanção criminal só pode fundar-se na constatação de que deve reprovar-se o autor do crime pela formação da vontade que o conduziu a decidir o facto e que essa sanção nunca pode ser mais grave do que aquilo que o autor mereça segundo a sua culpabilidade.

6 - "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (artigo 70.° do Código Penal).

7 - A determinação da pena em sentido estrito tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção, conforme o disposto no artigo 71.°, n.° 1 do Código Penal, sendo que o modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena se reconduz a dois postulados ou pressupostos: o de que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade, e o de que toda a pena há-de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta cuja medida não poderá em caso algum ultrapassar (art.° 40º, n.°s 1 e 2 do Código Penal).

8 - As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reinserção do agente na comunidade.

9 - A pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas.

10 - Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão evitar a quebra da integração social do agente e servir a sua reintegração na comunidade.

11 - No caso sub judice, não deverá o Venerando Tribunal olvidar as nefastas consequências que a aplicação de uma pena de prisão efectiva irá causar ao nível da inserção social do Recorrente (pessoa que se encontra socialmente integrado).

12 - In casu, provou-se que o Recorrente apenas circulou com o veículo apreendido, face à necessidade imperiosa de o utilizar como instrumento de trabalho, para sobreviver e conseguir o dinheiro que lhe permitisse proceder ao pagamento da apólice de seguro daquele, o que efectivamente veio a acontecer (cfr. fls. 47 dos autos).

13 - Resultou provado (cfr. Douta Sentença Recorrida), para além do mais, que: "6. O arguido sofreu acidente que lhe provocou a deficiência de um braço, pelo que se encontra reformado por invalidez, auferindo cerca de €230 de pensão." b) "8. Vive em casa arrendada, pagando de renda €220, fazendo alguns biscates para sobreviver, no âmbito dos quais necessitou de utilizar o veículo dos autos." 14 - Perante os factos provados facilmente se constata que actualmente, no nosso país, é humanamente impossível sobreviver com a quantia de €10,00 mensais (quantia que resta ao Recorrente após proceder ao pagamento da sua renda de casa).

15 - Tais necessidades levaram o ora Recorrente a desobedecer a uma ordem legítima, circulando com o veículo para poder trabalhar e assim prover não só à sua subsistência, mas também para poder pagar o prémio do seguro (recorde-se que o veículo havia sido apreendido por falta de seguro).

16 - Considerando o Tribunal a quo provado que o Recorrente utilizou o veículo dos autos apenas com a finalidade de efectuar alguns biscates para sobreviver e fazer face a todas as despesas inerentes ao dia-a-dia de qualquer cidadão, bem como para regularizar o seguro de responsabilidade civil da viatura em causa, resulta que a gravidade da conduta do mesmo deveria ter sido considerada diminuta.

17 - Diferente seria se o Recorrente tivesse, por exemplo, utilizado a referida viatura, sabendo que a mesma estava apreendida, apenas por mero capricho, para passear, para executar furtos ou cometer outros actos ilícitos, etc.

18 - Conforme consta da Douta Sentença Recorrida, nos dias seguintes aos factos o Recorrente celebrou o contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório do veículo, pagando a respectiva apólice.

19 - O que denota a boa fé do ora Recorrente em ter tudo legalizado para poder circular com a viatura e, também assim, viver a sua vida conforme o direito.

20 - As consequências do crime praticado não foram tão gravosas.

21 - A pena aplicada ao Recorrente é manifestamente excessiva face à gravidade dos factos, violando assim o Princípio da Culpa como Medida da Pena.

22 - O Recorrente confessou prontamente o crime que praticou e mostrou-se arrependido.

23 - Não foi dada como provada a perigosidade do Recorrente e que o mesmo se apresente como uma ameaça para a comunidade.

24 - Verifica-se que, entre 2003 e a data dos factos, nenhum outro crime foi praticado pelo ora Recorrente.

25 - Durante este período de tempo, conseguiu o Recorrente organizar a sua vida, conforme o direito, encontrando-se inserido social e profissionalmente.

26 - Condenar o Recorrente a uma pena privativa da liberdade é promover o desmoronamento de todo o esforço levado a cabo pelo mesmo nestes últimos quatro anos da sua vida.

27 - Não deverá olvidar o Venerando Tribunal todos os motivos que justificam a revogação/alteração da pena aplicada, designadamente os motivos pelos quais o Recorrente usou a viatura apreendida.

28 - Será justo que, com a nova reforma dos Códigos Penal e Processo Penal, sejam restituídos à liberdade arguidos fortemente indiciados da prática de crimes gravíssimos (v.g. violações, homicídios, etc.), e se queira enviar para a prisão o ora Recorrente que apenas utilizou o veículo para prover à sua subsistência e honrar os seus compromissos enquanto cidadão fazendo e pagando o seguro de responsabilidade civil automóvel, para evitar problemas a terceiros em caso de acidente? Cremos que não! 29 - As exigências de prevenção geral e especial ficam salvaguardadas com a aplicação ao Recorrente de uma pena não privativa da liberdade, devendo a Douta Sentença ser revogada e ser aplicada ao Recorrente uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

30 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a um ano, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 58.° do Código Penal).

31 - Com a nova redacção dada pela Lei n.° 59l2007, de 04 de Setembro, foi intenção do Legislador Penal aumentar o número de situações em que esta pena pode ser aplicada, bastando para isso verificar que tal pena se aplica actualmente "Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos (...)".

32 - Se dúvidas já não existiam anteriormente quanto à aplicação da pena de prisão em ultima ratio, as alterações agora introduzidas pelo Legislador Penal vieram reforçar significativamente esse entendimento.

33 - Conforme se pode ver no Ponto 5 da exposição dos motivos da Proposta de Lei n.° 98/X que deu origem à Lei n.° 57/2007 de 04 de Setembro, que procedeu à última alteração ao Código Penal, foi intenção do legislador, de forma a tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prever novas penas substitutivas da pena de prisão e alargar o âmbito de aplicação das já existentes, o que efectivamente aconteceu.

34 - Reúne o caso sub judice todos os requisitos necessários para ser aplicada ao ora Recorrente a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

35 – Sem prescindir, caso V. Ex.as assim não entendam, e se decidam pela aceitação da pena aplicada, deverá tal pena, atendendo ao grau de culpa e às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, ser atenuada e ainda declarada suspensa na sua execução por se verificarem os pressupostos previstos nos artigos 50 °, 72.° e 73.° do Código Penal.

36 - "O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ílícitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena" (artigo 72.°, n.° 1 do Código Penal).

37 - O artigo 72.°, n.° 2 do Código Penal elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, que deverão ser consideradas para os efeitos do n.° 1.

38 — O Tribunal a quo não valorou outras circunstâncias susceptíveis de levar à atenuação especial da pena, no caso concreto.

39 - In casu...

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