Acórdão nº 53/06.8IDAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES.
Data da Resolução11 de Junho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO 1.

Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular registados sob o n.º53/06.8IDAVR, a correr termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, foram julgados e condenados: - a arguida AA., pela co-autoria de um crime de fraude fiscal, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º1 alínea c), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 25 (vinte e cinco euros), perfazendo o montante global de € 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros); - o arguido BB. pela co-autoria de um crime de fraude fiscal, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º1 alínea c), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €12 (doze euros), perfazendo o montante global de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros); - a arguida CC pela co-autoria de um crime de fraude fiscal, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º1 alínea c), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 20 (vinte euros), perfazendo o montante global de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).

  1. Inconformada, a arguida CC a interpôs o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição): «1. ° Mesmo com base na matéria dada como provada, impõe-se a absolvição da recorrente, uma vez que o crime de fraude fiscal, p.p. pelo art. 103.º, n.º 1, alínea c), do RGIT só é punível a título de dolo directo e não já em qualquer outra das formas dolosas; 2. ° A verificação de tal crime exige a intenção específica do agente de obter vantagem patrimonial por não pagar receita fiscal devida e já não comportamento de qualquer agente que não vise aquele objectivo específico, nem sequer tenha obtido vantagem patrimonial com o acto, apenas se tenha conformando com a conduta intencional de terceiro; 3.º Dos depoimentos atrás referidos e referenciados aos respectivos suportes digitais e à acta de discussão e julgamento, deve dar-se como assente também que a ora recorrente nada ocultou nem pretendeu ocultar designadamente os elementos constantes das alíneas a) a d) do cap. IV da presente motivação de recurso, e que, com o acto de celebração do negócio, não só não adquiriu, como não podia adquirir, qualquer vantagem patrimonial, como dele resultou prejuízo para a recorrente na eventual celebração de negócio posterior; 4.° Se porventura se não concluir pela absolvição - o que apenas por mera hipótese de raciocínio se tem que conceder - deve então a recorrente beneficiar de dispensa de pena, nos termos do art.º 22.º, n.º 2, do RGIT, por se encontrarem verificados todos os pressupostos daquele instituto; 5. ° Ao não decidir deste modo, violou a douta sentença recorrida os preceitos legais acima referidos, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decida em conformidade com o que nesta motivação de recurso se peticiona, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!» 3.

    Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo do seguinte modo (transcrição): «1.O crime de fraude fiscal do art. 103.º do RGIT, é um crime de perigo, pois que não se exige a obtenção da vantagem patrimonial em prejuízo do Fisco e apenas a conduta tipificada que vise essa vantagem; e menciona-se ainda “a vantagem patrimonial pretendida” e não a obtida, que se consuma quando o agente, com a intenção de lesar, patrimonialmente, o Fisco, atenta contra a verdade e transparência exigidos na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação previstas no n.º 1 do referido art.23.º, ainda que nenhum dano / enriquecimento indevido venha a ter lugar.

  2. Os arguidos, omitiram o valor real da compra e venda da farmácia, agindo todos de comum acordar de modo livre, deliberado e consciente, todos sabedores que os arguidos AA e BB não pagariam o imposto devido por aquela transacção ao Estado e que, com aquela actuação provocavam, todos, uma diminuição da receita tributária pois que, ao conformar-se com a exigência que lhe foi feita, sabendo que era ilícita e punida por lei, a arguida Ilda fê-lo agindo com dolo necessário, não podendo ser absolvida.

  3. Deverá, pois, a sentença recorrida manter-se no que à condenação da arguida concerne. Porém, 4. O crime pelo qual a arguida foi condenada é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.

  4. O valor do Imposto em falta 1108 cofres do Estado, foi integralmente pago pelos seus devedores, co-autores do crime em apreço, acrescido dos respectivos juros compensatórios. Por outro lado, 6.

    In casu, mostram-se preenchidos os requisitos exigidos no artigo 22.º do RGIT, relativamente à arguida recorrente, sendo que não são conhecidas razões de prevenção especial que à dispensa de pena se oponham. E, 7. Como resulta claramente do artigo 22.º do RGIT, nos crimes previstos neste diploma, aqueles fins de defesa do ordenamento jurídico não são postos em causa pela dispensa de pena, se o arguido pagar as quantias em dívida e a ilicitude e a culpa não forem muito graves. Verificados os pressupostos das als. a) e b), não há razões relacionadas com a afirmação da validade e vigência da norma violada que obstem à dispensa da pena. De outro modo, sob pena de quebra da harmonia do sistema, não se compreenderia o alcance das referidas als. a) e b) do n.º 1 do art. 22.º do RGIT.

  5. Assim, e pelo que fica exposto, entendemos que, nesta parte, deve o recurso merecer provimento sendo a recorrente dispensada de pena.» 4.

    Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, manifestou a sua concordância com o teor da resposta apresentada, sustentando que o recurso deverá improceder quanto à impugnação da matéria de facto, o mesmo não acontecendo no que concerne à medida da pena, pelo que, no seu parecer, deverá ser concedido provimento parcial.

  6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo a recorrente respondido, após o que, efectuado exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a conferência.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Como dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva transcrição, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º3 e 431.º do C.P.P., ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.

    Efectivamente, segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271). Sempre que o recurso para a Relação, no que respeita à decisão de facto, se reveste de maior amplitude, impõe-se, metodologicamente, que se comece pela impugnação alargada da matéria de facto, só depois entrando, se necessário, nas restantes questões atinentes à decisão sobre o facto, ou seja, na apreciação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2 (cfr. Ac. do S.T.J., de 5.07.2007, proc. 07P2279, disponível em www.dgsi.pt).

    Atento o teor das conclusões, identificam-se como questões a apreciar e decidir: a reapreciação da matéria de facto, tendo em vista o aditamento de outros factos: a pretendida absolvição da recorrente por falência do elemento subjectivo do crime pelo qual foi condenada; a aplicação da dispensa de pena, caso a recorrente não seja absolvida.

  7. A sentença recorrida 2.1.

    Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados o seguintes factos (transcrição): 1. Os arguidos AA e BB são casados entre si e, à data dos factos, eram donos do estabelecimento comercial de farmácia denominado “FF”, instalado e a funcionar em nome da arguida AA, na …., concelho de Aveiro.

  8. No dia 19 de Fevereiro de 2002 foi celebrada, no, a escritura de trespasse daquele estabelecimento, na qual figuravam como primeiros outorgantes os arguidos AA e BB e como segunda outorgante a arguida CC, sendo que aquele trespasse incluía “a cedência da chave e dos direitos e obrigações de arrendatários do local bem como a cedência de todos os seus pertences, designadamente móveis, mercadorias, medicamentos, respectivas licenças e alvarás”.

  9. O valor atribuído ao aludido trespasse, constante da escritura...

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