Acórdão nº 296/02. 3GAILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução11 de Junho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO AA veio interpor recurso da sentença que o condenou, pela prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artigo 137º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 3 anos, na condição de o arguido demonstrar nos autos a entrega, no prazo de 4 meses a contar do trânsito em julgado da sentença, através de cheque, da quantia de € 2.500,00 ao Centro Hospitalar de Coimbra, Hospital Pediátrico, Serviço de Oncologia.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da sua motivação de recurso onde refere que: A- Através do presente recurso pretende-se impugnar a d. decisão prolatada não só quanto à matéria de facto dada como provada, mas também quanto às consequências jurídicas daí extraídas, isto é, a sua condenação.

B- O arguido acabou por ser condenado pela prática de um crime de homicídio, não porque a acusação tenha demonstrado a sua versão dos factos, mas antes porque aquele não logrou provar a sua.

C- Na medida em que não existiu qualquer testemunha presencial dos factos, o arguido foi condenado porque não conseguiu provar que o acidente se tenha dado da forma que alegou.

D- Além da violação do art. 137° do Cód. Penal, foi também violado o princípio in dubio pro reo plasmado no art. 32°, n.º 2 da Constituição.

E- Foi excessivamente valorizado o facto de o arguido conduzir com uma taxa de álcool no sangue superior à permitida, ao ponto de se defender que a mesma contribuiu para a produção do sinistro, quando também nenhuma prova foi feita nesse sentido.

F- Foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes de 1.4 e 1.5, 1.6, 1.9, 1.10, 1.11 (ao referir-se nestes pontos que o embate se deu conforme consta em 1.4).

G- Ninguém assistiu ao acidente, pelo que nenhuma testemunha corroborou os factos que constam da d. acusação.

H- Por essa razão, o tribunal a quo para dar como provados os factos relativos à dinâmica do acidente socorreu-se da "conjugação de diversas provas circunstanciais, analisadas à luz das regras da experiência comum" (cfr. fls. 5 da d. sentença).

I- Essas provas circunstanciais consistiram: 1 - na análise de fotografias juntas aos autos (as quais não são do local, nem data do acidente); 2 - num croquis elaborado por um militar da GNR que não presenciou o acidente; 3 - no depoimento de duas testemunhas (uma delas o militar da GNR) que referiram os locais onde se encontravam os veículos após o acidente, mas que não o presenciaram.

J- Ora, com o devido respeito que é, e sempre será, muito, a prova produzida é demasiado frágil e ambígua para permitir o grau de certeza necessário à condenação, pelo que, no mínimo, impunha-se que o tribunal ficasse num estado de dúvida razoável que o impedisse de condenar o arguido.

K- Acresce que, o tribunal não valorizou (nem sequer referiu) um elemento de prova que confirmou no local do acidente: a existência de uma tampa de saneamento, na faixa onde circulava o motociclo, alguns metros antes do local acidente (cfr. acta da audiência de discussão e julgamento de 16/03/2007, a fls. 206 dos autos).

L- Com efeito (e o arguido refere-o da na sua defesa, cfr contestação e suas declarações em audiência) atento o sentido de marcha em que seguia o motociclo, existia (e existe) uma tampa de saneamento sem alcatrão a cobri-la, ou seja, rebaixada em relação à estrada 5 ou 6 centímetros.

M- Assim, pelo que pensa o arguido (pois no momento do impacto não estava a olhar para o motociclo), o acidente deu-se da seguinte forma: o motociclo bate na tampa, ou desvia-se dela para a esquerda, e descreve uma trajectória curva entre a tampa e o local do embate, N- isto é, bate na tampa de saneamento (ou desvia-se dela para a esquerda), invade a faixa contrária, e começa a regressar à sua mão.

O- Sucede que, apesar de estar a regressar à sua mão, não o conseguiu fazer completamente porque, alguns metros à frente, estava parado, junto ao eixo da via, o veículo do arguido, P- o qual estava oblíquo em relação à E.N. 109 (fazia com o meio da estrada um ângulo de 450, cfr. declarações do arguido gravadas na cassete n.º l , lado A, de rotações 129 a 2359 e do lado B de rotações 6 a 297).

Q- Assim, e porque o motociclo vinha animado de grande velocidade, esse embate fez recuar o automóvel alguns metros para trás, arrastando-o no sentido da trajectória (de regresso à sua mão) que aquele (o motociclo) descrevia.

R- O motociclo pesa cerca de 200 kg (era uma Honda Hornet de 900 cm3, cfr. se pode constatar das fotografias e do auto de ocorrência), ao que se soma o peso do seu tripulante - 66 Kg - cfr. relatório de autópsia junto a fls. 26 e sgts. dos autos.

S- Assim, um conjunto de 2 corpos, com o peso total de cerca de 260 Kg, a circularem uma velocidade que o arguido estima em cerca de 120 Km/hora poderiam facilmente arrastar para trás o seu veículo (um Peugeot 106 de 2 lugares, que pesa cerca de 700 Kg), até porque algum estribo do motociclo poderá ter ficado preso no automóvel, que estava parado e desengatado (cfr. declarações do arguido já acima referidas).

T- Além disso, precisamente por vir a descrever essa trajectória curva de regresso à sua mão é que se compreende que o motociclo e o seu tripulante tenham acabado por ficar na "sua" hemi-faixa de rodagem.

U- E também por essa razão (excesso de velocidade do motociclo e regresso à sua mão) se compreende que, após o embate no veículo automóvel, o condutor do motociclo ainda tenha ido embater no gradeamento metálico do jardim da casa de VB , o qual ficou em forma de "V" (cfr. declarações desta testemunha, no local, registas na acta de fls. 207), e ainda arrancado um dos pilares metálicos desse gradeamento que estava chumbado ao murete.

V- Assim, porque o acidente também pode ter ocorrido da forma que se descreve, não é líquido que possa ter sido (apenas) da forma descrita na d. sentença.

W- Por essa razão, os restantes argumentos expendidos na d. sentença, também se encaixam na versão do acidente que aqui se refere.

X- Destarte, podendo o acidente ter-se dado da forma que se acaba de descrever, igualmente, à semelhança do que se diz na d. sentença (cfr. fls. 5, último parágrafo, da mesma): a) o depósito de gasolina ficaria amolgado à esquerda; b) a carenagem à esquerda ficaria toda partida; c) toda a zona frontal (forqueta, guiador e braços da suspensão) ficariam torcidos para a direita; d) ficariam marcas de tinta branca, da cor do veículo conduzido pelo arguido, no que restou do guarda-lamas dianteiro, lado esquerdo, que ficou partido.

Y- Igualmente, quanto à posição final dos veículos, após o embate, poderia ser a mesma também nesse cenário.

Z- Acresce que, estando o automóvel parado de forma oblíqua em relação à via, o embate do motociclo, ao regressar à sua mão, seria, igualmente ao longo da frente daquela, da direita para a esquerda (para quem está dentro do automóvel), razão pelo qual os danos provocados neste seriam os mesmos num cenário ou noutro.

A1- Quanto à inexistência de vestígios de travagem, igualmente esse facto nada permite concluir para que o acidente se tenha dado de uma maneira ou de outra, B1- Assim, e com todo o respeito, não existem factos provados para dar como certo, sem margem para quaisquer dúvidas, que o acidente se tenha dado da forma que consta da d. acusação.

C1- Por outro lado, o tribunal a quo, ao invocar as "regras da experiência comum", deveria também ter atentado no seguinte: 1- para o gradeamento do jardim de VB ter sofrido um impacto que o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT