Acórdão nº 103/06.8GAAGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Outubro de 2008
Magistrado Responsável | VASQUES OSÓRIO |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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RELATÓRIO.
No Tribunal Judicial da comarca de Arganil, e sob acusação do Ministério Público que lhe imputava a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, e de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº 2, ambos do C. Penal, na redacção anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, foi submetido a julgamento, em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, o arguido …, casado, pedreiro, nascido a 25 de Dezembro de 1971 em V…., residente na Suiça.
A assistente … deduziu pedido de indemnização contra o arguido, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 2.000, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais.
Por sentença de 7 de Fevereiro de 2008 foi o arguido condenado, pela prática do acusado crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 6,5, pela prática do acusado crime de ameaça, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 6,5, e em cúmulo, na pena única de 130 dias de multa à taxa diária de € 6,5 ou seja, na multa global de € 845.
Mais foi o arguido condenado no pagamento à assistente de uma indemnização no montante de € 759, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, a contar da data da decisão, e até integral pagamento.
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).
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As declarações da assistente e o depoimento da testemunha da acusação …, são contraditórios quanto ao local do crime, como reconhece a própria sentença. Se a assistente e a testemunha viram a mesma agressão em locais diferentes, não se pode ter ou concluir indubitavelmente – como faz a sentença – com convicção para além de dúvida razoável, da "prova" da agressão e que ambos a tenham presenciado, postergando-se, destarte, o princípio da presunção da inocência (art. 32º nº 2 da CRP) e o "in dubio pro reo". Trata-se, assim, de uma contradição insanável da fundamentação (contradição entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados) e de um erro notório na apreciação da prova, respectivamente, nos termos da al. b) e c) do nº 2 do art. 410 do CPP.
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A douta sentença não atribuiu qualquer relevância da aludida contradição referida em 1. das presentes conclusões, no âmbito da acareação também realizada entre a assistente, … e a testemunha de defesa …, tendo considerado como frágil e inseguro o depoimento desta última. Ora, tendo a testemunha … situado a agressão perto das casas de banho, no sentido de um carreiro, a assistente nunca podia ter percorrido o passadiço situado entre as casas de banho e as escadas da esplanada. Daí assistir razão à …, a qual sempre referiu não se ter cruzado com a assistente, enquanto esta afirmava que "ela tinha de se ter cruzado". Ao não ter em conta este facto, o Tribunal julgou erradamente a fragilidade e insegurança do depoimento da testemunha … no âmbito da acareação desta com a assistente …, pelo que o Tribunal cometeu um erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, al. c) e não conheceu na sentença de questões que devia ter conhecido e que impunham uma apreciação diversa do depoimento da testemunha … e da decisão de facto e de direito, o que tem como consequência a nulidade da sentença, segundo o art. 379º nº 1, al. c) do CPP.
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A sentença também julgou incorrectamente como não verosímil e credível o depoimento da … ao considerar apenas factos circunstanciais, não essenciais para o apuramento da verdade material, designadamente: a testemunha não conseguir referir que pessoas estavam no local e se abeiraram da … e nem sequer ouviu qualquer frase da boca do arguido, mas apenas da assistente a dizer "filha da puta". Não se compreende que o Tribunal não tenha valorado para a sua convicção que esta testemunha, …, referiu pessoas que estavam no local como sendo do Algarve e outras de Góis, mas não conhecia o nome destas últimas, pelo que a sua identificação se lhe apresentava como difícil; identificou o seu filho e alguns colegas deste, então adolescentes e agora na maioridade; não conseguiu referir que pessoas se abeiraram da assistente …, porque se terá gerado alguma confusão e afastou-se de imediato do local de onde viu a agressão; não ouviu qualquer frase da boca do arguido, porque, como ela disse, não se apercebeu do teor das mesma, mas já ouviu a assistente gritar – e não apenas dizer, como erradamente a sentença refere – as palavras "filha da puta". Cremos que não é razoável, não é plausível – porque não resulta das máximas da experiência comum – que o facto de uma testemunha não conseguir referir que pessoas estavam no local e se abeiraram da … após a agressão, leva à desconfiança e não fiabilidade do depoimento da mesma, mormente no que concerne à agressão propriamente dita.
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A invocação do Tribunal que faz parte das regras da experiência que "ninguém que pretende agredir outrem se dirige a ele com o punho no ar e percorre alguns metros nessa posição". Antes pelo contrário, diremos que é normal. Facilmente representamos na nossa mente tal gesto e imagem, porque é comum em quem quer agredir alguém que se está a afastar e virado de costas para o agressor. Há, assim, um erro notório na apreciação da prova, conforme o disposto no art. 410, nº 2, al. c) do CPP.
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A sentença considerou que "a circunstância da narração efectuada pela testemunha ser absolutamente coincidente com o arguido e retira-lhe veracidade". Não existe algum pressuposto processual ou substantivo que não imponha tal coincidência na apreciação da prova. Antes pelo contrário e segundo o normal acontecer, quão maior é a aproximação entre declarações ou depoimentos, ou entre aqueles e estes e vice-versa, maior será o juízo de verosimilhança – critério este que foi utilizado na douta sentença pelo Tribunal ao considerar, quanto às declarações da assistente e da testemunha …, "são absolutamente concordantes quanto ao modo e caracterização posterior da agressão". Impunha-se, também ali, concluir pela veracidade do depoimento da testemunha ….
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Pelo que vai dito nos números anteriores das conclusões, também se constata um desfasamento e consequente incompreensão dos critérios de apreciação utilizados pelo Tribunal na da prova apresentada pela defesa e na prova apresentada pela acusação, sendo flagrante a contradição na sentença entre critérios de apreciação da prova produzida e, consequentemente a contradição insanável na fundamentação da sentença quanto à prova produzida – art. 410º, nº 2, al b) do CPP 7. O depoimento de … e ao contrário do vertido na sentença, devia ter merecido as maiores reservas pelo Tribunal. E que, para além deste ser amigo e familiar da assistente, esposa do arguido, é também o Ilustre mandatário da assistente em vários processos contra o arguido, tal como consta da acta da audiência e em incidente levantado pelo mandatário do arguido que foi merecedor do douto despacho na acta da audiência, "… deste julgamento ser o 5º em que se encontram os mesmos sujeitos processuais, por vezes em qualidade distintas, mas, fundamentalmente, na maioria deles, a ofendida nestes autos foi também queixosa/demandante cível, no âmbito do Processo Comum Singular nº 64/03.3GAAGN, cuja audiência se iniciou e terminou no passado dia 21 de Janeiro, no Processo Comum Singular nº 18/07.2GAAGN e no Processo Comum Singular nº 32/07.8TAAGN, cujas sessões de julgamento ocorreram respectivamente, nos dias 23 e 21 de Janeiro.
" 8. Os depoimentos de … e … são contraditórios quanto ao momento em que ocorreu a agressão: o primeiro refere que "Entretanto, vejo o … levantar-se de repente, mas pensei que tinha ido a qualquer lado e só dou pela situação quando a … vem a correr, desesperada, a tremer por todos os lados, a dizer "primo, vem depressa porque ele está a bater outra vez na minha irmã, na minha mãe." E foi nessa altura que eu fui, mas já as coisas tinham acontecido.
", enquanto o segundo diz que "Eu só, eu só virei para a garota quando a garota estava ao pé do Abílio, familiar da ….
" "Olhei novamente, portanto mudei o ângulo novamente e foi aí que vi e volto a dizer novamente o mesmo que já disse: a … a afastar-se, uma prisão de braços e a levar duas bofetadas.
" 9. Existindo a contradição entre os depoimentos acabados de referir, não poderia ter a sentença dado como provado que "4. Nessa altura, em companhia da mãe … encontrava-se também a filha mais velha, que assistiu aos factos acima relatados ". Trata-se, assim, de uma contradição insanável da fundamentação (contradição entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados) e de um erro notório na apreciação da prova, respectivamente, nos termos da al. b) e c) do nº 2 do art. 410 do CPP.
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Pelo exposto até aqui, a sentença não valorou devidamente toda a prova produzida, interligando-a entre si para formular um juízo lógico, racional, indutivo e com o mínimo exigível de objectividade e perseguição da verdade material, em clara violação do art. 372º, nº 2 do CPP, o que constitui, nos termos da al. a) do nº1 do art. 379º do CPP, uma nulidade.
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Quanto ao crime de ameaças, a douta sentença considerou como provado que " 7. Durante esse lapso de tempo, de mais ou menos 10 a 15 dias, o arguido ligou para o telemóvel da … dizendo-lhe para não regressar a casa senão "tombava".
"8. A … tomou a sério as afirmações proferidas pelo arguido, vivendo, desde essa altura, receosa do que pudesse vir a acontecer".
Como muito certeiramente refere o Ac. do STJ de 15-11-2007 "Não se podem considerar como factos as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, o tempo, nem a motivação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, pois a aceitação dessas afirmações para efeitos penais inviabiliza o direito de defesa, e assim constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos...
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