Acórdão nº 2353/05.5TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelHÉLDER ROQUE
Data da Resolução14 de Outubro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A...

, casada, médica dermatologista, residente na Rua ......, em Coimbra, propôs a presente acção, com processo ordinário, contra “B....

, Companhia de Seguros, SA”, com sede na Rua ...... Porto, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar à autora, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a quantia de 567124,80€, em consequência do acidente de viação, em que interveio, quando conduzia o veículo automóvel, de matrícula X... , que foi embatido, na respectiva parte traseira, pelo veículo automóvel dirigido por C...

, de matrícula Y... , segurado na ré, quando aquela se encontrava parada, em fila de trânsito, com os quatro sinais de “pisca-pisca” accionados.

Na contestação, a ré aceita a imputação da culpa na verificação do acidente, por parte do condutor da viatura segura, mas impugna as quantias pedidas, a título de indemnização.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora o quantitativo de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros), a título de danos patrimoniais, apurados e futuros, e a importância de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros), a título de danos de natureza não patrimonial, incluindo os juros de mora, vencidos desde a data da citação, à taxa legal vigente, no mais absolvendo a ré do pedido.

Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua anulação ou, se assim se não entender, da alteração da matéria de facto considerada provada, revogando-se a decisão quanto ao montante fixado, a titulo de danos patrimoniais, que deve ser inferior a 75.000,00 €, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O Tribunal «a quo» ao responder da forma como fez aos pontos 32 a 43 reproduziu as considerações constantes do relatório médico junto aos autos com a petição inicial.

  1. - Desconsiderou em absoluto o conteúdo plasmado no relatório médico elaborado na sequência da perícia requerida no âmbito da presente acção.

  2. - Não fundamentou esta sua decisão de modo a que os sujeitos processuais possam compreender a opção transposta para a decisão em recurso.

  3. - A consequência dessa falta de fundamentação, de acordo com o disposto no artigo 668° do CPC, é a nulidade da decisão recorrida.

  4. - Mesmo que assim não se entenda, às perguntas constantes dos quesitos 32 a 43 devia o Tribunal a quo ter respondido de modo diferente, pois da análise crítica do relatório da perícia médico-Iegal, bem como dos esclarecimentos prestados pela sua subscritora Sr.

    a Dr.

    a D...

    e das regras da experiência comum resultam factos distintos daqueles.

  5. - Nas respostas dadas aos quesitos 32 e 33 deve ser eliminada a expressão "Actualmente" e, em sua substituição, referida a data em que a recorrida se submeteu ao exame, ou seja, 12 de Dezembro de 2003.

  6. - Às perguntas constantes dos quesitos 50, 51 e 52 devia o Tribunal a quo ter respondido "não provado", pois da análise dos documentos de natureza fiscal juntos aos autos resultam factos e montantes que não se coadunam com as conclusões aqui plasmadas.

  7. - O direito à indemnização por danos de natureza patrimonial tem a medida estabelecida nos artigos 562° e seguintes, devendo o quantum dessa indemnização repor a situação que existia no momento da lesão.

  8. - Sempre que não se revele possível ou adequado à situação concreta a reconstituição natural, proceder-se-á à fixação de uma indemnização em dinheiro que, nos termos do artigo 566° CC terá como medida "a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos".

  9. – À recorrida foi reconhecida uma incapacidade permanente que apesar de parcial (fixada em 20%, no nosso entender) poderia, eventualmente, significar uma diminuição da capacidade laboral e, portanto, traduzir-se numa perda de rendimentos futuros.

  10. - Das declarações fiscais juntas aos autos resulta que o rendimento anual da recorrida era, em 2003, de € 41.609,58.

  11. - A recorrida tinha à data do acidente 37 anos de idade e, como tal, 28 anos de vida activa.

  12. - Apelando às várias fórmulas de que a nossa jurisprudência se tem socorrido para alcançar um valor que possa balizar o montante adequado à situação concreta, encontramos quantias situadas entre os €155.000,00 e os €185.000,00, pelo que não entendemos como a Meritíssima Juiz a quo apurou o montante de € 600.000,00.

  13. - Como refere a decisão recorrida "não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional, em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos, na medida exacta proporcional à da incapacidade funcional em causa".

  14. - Das declarações fiscais apresentadas pela recorrida resulta que não houve qualquer repercussão negativa sobre o rendimento da recorrida face à incapacidade de que alegadamente ficou portadora, ou seja, esta não ficou afectada na sua capacidade de ganho.

  15. - Deste modo, as lesões corporais sofridas pela autora e suas consequentes sequelas são indemnizáveis em termos de dano biológico.

  16. - Todos estes elementos têm de ser conjugados para, à luz dos juízos de equidade, moldar o valor acima encontrado para um montante justo e adequado ao caso concreto.

  17. - E de tal conjugação resulta que o montante indemnizatório a fixar à autora, a este título, deve sê-lo em quantia não superior a € 50.000,00.

  18. - O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou as disposições conjugadas dos art°s 389°, 483º e seguintes, 562° e seguintes do Código Civil, 264°, 514°, 515°, 591°, 653°, 655° e 668° do Código de Processo Civil.

    Nas suas contra-alegações, a autora defende que o presente recurso deve ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se, integralmente, a sentença proferida.

    * Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

    As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes: I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    II – A questão da nulidade da sentença.

    III – A questão da fixação do montante da perda da capacidade de ganho.

    I. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO Defende a ré que o Tribunal «a quo» deveria ter respondido, de modo diferente, aos pontos 32 a 43, pois que da análise crítica do relatório da perícia médico-Iegal, dos esclarecimentos prestados pela sua subscritora, Sra Dra D..., bem como das regras da experiência comum resultam factos distintos daqueles.

    Porém, a ré não indicou o concreto sentido de orientação a conferir às aludidas respostas à base instrutória, com excepção dos pontos nºs 32 e 33, todas elas de natureza afirmativa, nomeadamente, se deveriam ficar a constar como respostas explicativas, restritivas ou negativas, não esclarecendo o sentido exacto das respostas que entende corresponderem, correctamente, à prova produzida nos autos.

    Efectivamente, segundo o texto preambular do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, o recorrente tem sempre o duplo ónus de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando, claramente, qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada, por erro de julgamento, e de fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios, constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada, que implicam decisão diversa da tomada pelo Tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnada pelo recorrente[1], tal como vem reproduzido pelo artigo 690º-A, nºs 1, b) e 2, do CPC.

    Pelo exposto, a ré, ao recorrer da decisão sobre a matéria de facto, não observou o estipulado pelo artigo 690º-A, nºs 1, b) e 2, do CPC, que impõe a observância de determinados ónus, que não satisfez, na sua totalidade, o que implica o não conhecimento do objecto da apelação, neste particular.

    Recuperando, porém, o teor das respostas proferidas aos pontos nºs 32 e 33 da base instrutória, donde consta “actualmente a A. apresenta: contractura paravertebral esquerda permanente; dor na elevação dos braços acima dos 90.º; impossibilidade de pegar em pesos; parestesias do bordo interno do braço esquerdo, até á extremidade dos três últimos dedos (médio ao mínimo); diminuição da força muscular da mão esquerda e arrefecimento dela; impossibilidade de permanência, na mesma posição, por períodos prolongados (actos cirúrgicos ou tratamentos médicos com aparelhos); impossibilidade de cuidar das filhas, concretamente de lhes dar banho e de condução automóvel em viagens longas; dificuldade em trabalhar no computador; proibição médica da prática do ski, à qual, de longa data, se dedicava com regularidade em pistas estrangeiras; impossibilidade de caminhar com sapatos de saltos altos; dificuldade em usar carteira no ombro esquerdo, por isso lhe despertar dor cervical, com irradiação para os ombros; dificuldade em lavar a cabeça no cabeleireiro” [32] e “apresenta actualmente as seguintes lesões relacionadas com o evento: limitação da mobilidade activa e passiva da coluna cervical em todos os movimentos, mais acentuada para a direita; limitação por dor na elevação dos membros superiores acima dos 90°; dificuldade em levar as mãos à nuca e atrás das costas, por despertar dor, mão esquerda mais fria” [33], entende a ré que das mesmas deve ser eliminada a expressão "actualmente" e, em sua substituição, referida a data em que a recorrida se submeteu ao exame, ou seja, 12 de Dezembro de 2003.

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