Acórdão nº 1589/07.9YXLBS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução14 de Outubro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO.

"A...

” (anteriormente denominado “B...

”), intentou a presente acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, contra C...

e mulher D...

, pedindo a condenação deste últimos a pagar-lhe a importância de €9.231,87, acrescida de €357,37, a título de juros vencidos até ao dia 31 de Maio de 2007 (data da entrada em tribunal dos presentes autos), e de €14,29, a título de imposto de selo sobre estes juros, e ainda os juros que se vencerem sobre a quantia de €9.231,87, à taxa anual de 18,35%, desde o dia 01 de Junho de 2007, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4% sobre estes juros recair e ainda nas custas e procuradoria condigna.

Alegou, para tanto, que no exercício da sua actividade celebrou com o réu marido um contrato de mútuo destinado à aquisição de um veículo automóvel, tendo-lhe emprestado a quantia de €12.575,00, com juros à taxa nominal de 14,35% ao ano, devendo a importância do empréstimo e juros referidos, bem como a comissão de gestão e o prémio do seguro de vida ser pagos, na sede da autora, em 72 prestações mensais e sucessivas, tendo a primeira vencimento no dia 10 de Abril de 2004 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes.

Foi também acordado entre as partes que, em caso de mora, acresceria ao montante em débito uma cláusula penal de 4 pontos percentuais, sendo a taxa de juro anual de 18,35%.

O réu marido não pagou a 28ª prestação, com vencimento no dia 10 de Julho de 2006, vencendo-se então as demais prestações, conforme acordado.

O valor de cada prestação ascendia à quantia de €270,08, pelo que no dia 10 de Julho de 2006 venceram-se as demais 45 prestações, no montante total de €12.153,60.

Instado para proceder ao pagamento da importância em débito e juros respectivos, o réu marido entregou à autora o identificado veículo automóvel, solicitando que esta diligenciasse pela respectiva venda, creditando o valor obtido por conta do montante em dívida.

No dia 14 de Março de 2007, o réu marido, por intermédio da autora, procedeu à venda daquela viatura, pelo preço de €4.491,28, que a autora reteve, por conta do montante em dívida, que passou, assim, a ascender a €9.231,87. Sobre esse valor de €9.231,87, que permanece por liquidar, acrescem juros à taxa de 18,35%, desde o dia 14 de Março de 2007 até integral pagamento, ascendendo os juros vencidos até ao dia 31 de Maio de 2007 à quantia de €357,37 e o imposto de selo sobre esses juros ao valor de €14,29.

O mencionado contrato reverteu em proveito comum do casal formado pelos réus, tanto mais que o referido veículo automóvel destinou-se ao património comum do casal dos réus, razão pela qual a ré mulher é solidariamente responsável com o réu marido pelo pagamento das importâncias em débito.

Os réus deduziram contestação, alegando, em síntese, que o contrato invocado nos autos é integrado por cláusulas contratuais gerais, impugnando parcialmente tal acordo e que lhe foi apresentada, pelo comerciante a proposta de crédito do autor, no montante de 12.575€ em 72 prestações mensais e sucessivas de 270,08€, sendo “informado, de acordo com o montante a financiar, com base numa tabela de coeficientes, da prestação a pagar, de acordo com o montante emprestado, duração do contrato e seguros”; Acresce que no ano de 2006 atravessaram sérias dificuldades económicas, razão pela qual não pagaram as prestações em falta e, após contacto da autora, solicitando a entrega do descrito veículo automóvel, o réu marido, de boa fé, entregou-o, considerando compensado o seu débito. Na altura, a autora entregou-lhe um conjunto de impressos que limitou-se a assinar e a devolver, desconhecendo o seu conteúdo.

A autora procedeu à venda da viatura em causa, pelo preço de €4.491,28 e comunicou ao réu marido que descontaria no seu débito o crédito resultante dessa venda. Sucede que, à data, o valor de mercado desse veículo automóvel era de €11.090,00 pelo que a venda abaixo desse preço redunda em prejuízo dos réus.

Por fim, através da aquisição da identificada viatura o réu marido quis realizar um interesse exclusivamente seu e não, também, do seu cônjuge, a ré mulher.

O autor respondeu às excepções.

Procedeu-se à audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma: “ Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condena-se os réus C... e mulher D... a pagar solidariamente à autora “A...”, quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às 45 (quarenta e cinco) prestações de capital não pagas (excluindo, deste modo, as quantias nelas incluídas a título de juros remuneratórios), deduzindo a essa quantia o valor obtido com a venda do veículo automóvel, da marca “Renault”, modelo “Laguna”, com a matrícula X..., ou seja, €4.491,28 (quatro mil, quatrocentos e noventa e um euros e vinte e oito cêntimos), acrescida tal quantia dos juros moratórios, à taxa anual de 14,35%, desde 10 de Julho de 2006, até efectivo e integral pagamento, bem como do imposto de selo incidente sobre os mesmos juros moratórios; b) absolve-se os réus C... e mulher D... do demais peticionado pela autora “A...”.

* Custas a cargo da autora e dos réus, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa na proporção de 3/8, para aquela, e 5/8, para estes (cfr. artigo 446º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do direito a protecção jurídica concedido (cfr. fls.66).

* Registe e notifique”.

Inconformado, o autor recorreu desta decisão pedindo a revogação da sentença, “substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente”. Formula, em síntese, as seguintes conclusões: “(…) 2. O A., ora recorrente, não violou o previsto nos artigos 5° e 8° alínea d) do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, pelo contrário cumpriu-o inteiramente.

  1. O A., ora recorrente, não tem obrigatoriamente que ler e explicar aos seus clientes os contratos que com eles celebra - excepto evidentemente se estes não souberem ler ou tiverem dúvidas acerca do conteúdo do contrato e lho solicitarem -, o que o A. ora recorrente, tem que fazer - e faz - é assegurar que as condições contratuais acordadas constam dos contratos antes de estes serem assinados, precisamente para permitir que quem use de "comum diligência" possa ler e analisar o contrato, e estar à disposição dos seus clientes para lhes prestar quaisquer esclarecimentos que estes lhe solicitem sobre os contratos que celebra. (…) 5. Não devia, assim, o Sr. Juiz a quo ter concluído pela exclusão das Condições gerais do contrato dos autos por pretenso não cumprimento pela A. do dito dever de comunicação relativamente ao R. marido, ora recorrido 6. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo R. marido de uma das referidas prestações.

  2. Não é necessária qualquer interpelação para o vencimento imediato nos temos do artigo 781º do Código Civil, no entanto, mesmo que se perfilhe a tese da necessidade de interpelação do credor ao devedor para fazer operar o que se dispõe no dito artigo 781° do Código Civil, é manifesto que no caso "sub judice", atento o expressamente acordado no contrato dos autos, tal interpelação é, sempre, desnecessária para que o vencimento de todas as prestações não pagas do referido contrato se verifique. Tal vencimento é, conforme expressamente acordado, imediato.(…) 8. A obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário. Enquanto, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário.

  3. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade.

  4. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre "capital" e "juros", ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo). (…) 14. Está provado nos presentes autos que o A. na acção, ora recorrente, é uma sociedade financeira de aquisições a crédito, constituindo, actualmente uma instituição de crédito.

  5. Não existe qualquer taxa juro especificadamente fixada pelo Banco de Portugal para a actividade de financiamento de aquisições a crédito, isto é, para a actividade exercida pelo A., ora recorrente.

  6. É admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou para bancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses”. (…).

    Os réus apelados não apresentaram contra alegações.

    Colhidos os vistos cumpre apreciar.

    1. FUNDAMENTOS DE FACTO A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade: 1. A autora “A....” é uma sociedade financeira para aquisições a crédito, que tem por objecto o exercício das actividades referidas nos artigos 1º e 2º, do Decreto-Lei nº206/95, de 14 de Agosto, antes definidas no artigo 2º, do Decreto-Lei nº49/89, de 22 de...

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