Acórdão nº 2557/06.3TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Janeiro de 2008
Magistrado Responsável | GABRIEL CATARINO |
Data da Resolução | 23 de Janeiro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. – Relatório.
Porque o Senhor Juiz do 2º Juízo do tribunal criminal da comarca de Leiria decidiu “por inadmissibilidade legal, [rejeitar] o requerimento de abertura de instrução (artigo 287º nº 3 do C.P.P.)”, recorre o assistente A...., tendo rematado a motivação com a síntese conclusiva que se apresenta transcrita em seguida.
“1. O assistente não se conformando com o despacho de arquivamento proferido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, requereu a abertura da Instrução.
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No requerimento que apresentou, o assistente, arguiu em primeiro lugar a incompetência territorial do Tribunal de Leiria.
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O despacho recorrido não se pronunciou quanto a arguida excepção.
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Considerou como questão prévia a da admissibilidade legal da instrução.
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Acabando por decidir pela rejeição do requerimento de abertura de instrução.
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Salvo o devido respeito, impunha-se em primeiro lugar a decisão sobre a competência territorial do Tribunal. Essa sim a questão prévia a analisar! 7. A decisão sobre a admissibilidade legal da instrução, tem de ser proferida pelo Tribunal territorialmente competente.
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O assistente suscitou a questão atempadamente – artigo 32º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
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Aliás, a incompetência do Tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente – artigo 32º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
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E sendo, como foi no caso, deduzida, não pode deixar de ser conhecida.
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A omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal devesse apreciar, importa a nulidade da sentença – artigo 379º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal .
I 2. Mostrando, por conseguinte, nulo o despacho ora recorrido.
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Por outro lado, a excepção de incompetência invocada, deveria proceder.
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Nos termos do artigo 288º, n.º 2 do Código de Processo Penal, as regras de competência relativas ao Tribunal são correspondentemente aplicáveis ao Juiz de instrução.
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É competente para conhecer de um crime o Tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação – artigo 19º, nº 1 do Código de Processo Penal.
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Está em “casa” (sic) – querer-se-ia dizer “causa” – nos presentes autos um eventual crime de abuso de confiança, consubstanciado no facto das Companhias de Seguros Tranquilidade e Zurich, para as quais o assistente prestou serviços como mediador de seguros, se terem apoderado de diversos valores pertença do assistente.
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Facto que, de resto, as referidas companhias admitem a fls. 76 e 82 dos autos, embora considerem legitima a recusa de entrega.
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A existir o alegado crime, o mesmo consuma-se no momento em que as referidas Companhias de Seguro, decidem recusar a entrega dos valores.
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Tal decisão por parte dos responsáveis das Companhias de Seguro, é tomada em Lisboa, local onde as referidas Companhias têm a sua sede e administração.
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Assim, sendo, mostra-se competente o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
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E é a este Tribunal que cumpre proferir despacho sobre o requerimento de abertura de instrução.
22.0 Juiz de Instrução de Leiria, ao proferir decisão sobre o requerimento de abertura de instrução, fê-lo em violação das regras de competência do tribunal, mostrando-se tal decisão nula nos termos do disposto no artigo 119º, al. e) do Código de Processo Penal.
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Sem prescindir, a decisão de rejeição do requerimento de abertura da instrução viola os artigos 286º e nº 2 e 3 do artigo 287º do Código de Processo Penal.
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Considera-se naquela decisão que o assistente não identificou os arguidos, não fez uma narração sintética e precisa dos factos constitutivos do crime ou crimes nas suas circunstâncias de tempo, espaço e modo, não caracterizando o elemento subjectivo do crime ou crimes em causa.
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Antes de mais, é forçoso concordar que o requerimento de abertura de instrução se apresenta defeituoso.
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Contudo, entendemos, que ainda assim, não é de rejeitar.
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Os arguidos, responsáveis pelas Companhias de seguro em causa, são perfeitamente identificáveis.
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O assistente na queixa que apresentou faz referência ao período a que respeita a retenção e não pagamento.
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Por outro lado, no requerimento de instrução, alegam-se factos susceptíveis de enquadrar o crime de abuso de confiança.
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Com efeito, ali se diz que as Companhias de Seguro não entregaram ao assistente os valores que lhe pertenciam. O que terá de ser entendido com referência aos valores denunciados na queixa.
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E que se locupletaram com tais valores, integrando-os no seu património.
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Mais alegou que não colhia o argumento plasmado no despacho de arquivamento de que as Companhias exerceram um direito de retenção, já que, pelo menos a Companhia de Seguros Zurich tinha contratado com o assistente um seguro de responsabilidade civil de mediadores garantido pela apólice 002318180.
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Assim, no seu requerimento para a abertura da instrução, o assistente observou o disposto no artigo 287º, nº 2 do C.P.P.
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Inexistindo fundamento para a sua rejeição”.
Da resposta produzida pelo digno agente do Ministério Público junto do tribunal a quo respigamos as passagens interessantes para a problemática que nos ocupará a decisão do thema que nos foi submetido a apreciação.
“Não concordando com este despacho o Assistente recorreu do mesmo, assentando a sua argumentação em dois argumentos essenciais: - o despacho recorrido não se pronunciou, em primeiro lugar, sobre a invocada incompetência territorial deste Tribunal para conhecer dos factos denunciados, antes optando por apreciar o requerimento de abertura de instrução.
- o requerimento de abertura de instrução contém os elementos necessários e suficientes em ordem a permitir a realização de um juízo sobre a existência ou não de crimes de abuso de confiança, sendo certo que o sentido de inadmissibilidade legal apenas abrange casos de falta de procedibilidade ou perseguibilidade penal.
Na verdade, os elementos constantes do requerimento de abertura de instrução apresentam-se algo indefinidos e imprecisos relativamente ao tipo de crime que naquele se tem como preenchido e indiciado.
Tal como é referido no despacho objecto de recurso, não é feita a concretização dos factos constitutivos do crime, não se concretiza o tempo e o modo da verificação do crime, não se identificam os autores dos factos em concreto.
Ora, ao Juiz de Instrução não cabe o papel de detalhar os autores do crime, nem as circunstâncias objectivas e/ou subjectivas em que o mesmo foi praticado. Quer isto dizer que, no requerimento de abertura de instrução, deve vir especificada, de forma minimamente concretizada a matéria que se tem como constitutiva da prática do crime, bem como a identidade dos seus autores, não bastando a sua indicação genérica ou a simples remissão para dados existentes no inquérito.
Veja-se que o requerimento para a abertura de instrução formulado pelo Assistente, na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público, equivale a uma acusação e, tal como esta delimita o objecto do processo, sendo que a falta de descrição, no requerimento dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena determinará a sua rejeição.
Acórdão da Relação do Porto de 23-5-2001, in CJ, ano 2001, Tomo III, pág. 238; Acórdãos da Relação de Lisboa de 5-12-2002 e 4-3-2004, in CJ, ano de 2002, tomo V, pág. 142 e CJ, ano 2004, tomo II, pág. 124 respectivamente.
CONCLUSÕES: 1º - Apresentado um requerimento de abertura da fase de instrução, após arquivamento do inquérito pelo Ministério Público, deverá o Juiz de Instrução, em primeiro lugar, avaliar se existe qualquer dos motivos que determinam a sua rejeição, constantes do artigo. 287° nº 3 do Código de Processo Penal.
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- A invocação da excepção de incompetência territorial feita no requerimento de abertura da fase de Instrução não determina que o Juiz de Instrução conheça da sua existência, a titulo de questão prévia, antes de apreciar os motivos que obrigam a rejeitar aquele constantes do artigo acima indicado.
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- Caso entenda que, por inadmissibilidade legal, deve rejeitar o requerimento de abertura da fase de instrução, o Juiz de Instrução não deverá conhecer de qualquer excepção – como a incompetência territorial – que tenha sido suscitada naquele requerimento.
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- A inexistência de concretização dos elementos, objectivos e subjectivos, constitutivos do tipo de crime e do seus autores, no mencionado requerimento, ainda que aqueles dados constem do inquérito, determina que o pedido de abertura da fase de Instrução seja indeferida por inadmissibilidade legal”.
Já nesta instância, em munificente parecer, a distinta Procurador-geral Adjunto é de opinião que: “Como é sabido a instrução visa, no caso que nos ocupa, a comprovação judicial da decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Efectivamente, quando o Ministério Público não acusa, tratando-se de crime público ou semi-público, o assistente pode apresentar um requerimento para abertura da instrução que corresponde à dedução de acusação que, se for recebida, poderá levar à pronúncia de quem na mesma for identificado como arguido. O mesmo é dizer que, em tais casos, o assistente formula uma acusação alternativa à do Ministério Público.
Por isso que, em caso de ser aberta a instrução, a decisão instrutória a proferir só poderá recair sobre os factos que constem do requerimento para a respectiva abertura –, ficando o objecto do processo delimitado por esses factos, que não por quaisquer outros. É, aliás, o corolário lógico do princípio da “vinculação temática”, característico do acusatório, e bem assim da aludida finalidade da instrução.
Examinada pois, a esta luz, a questão controvertida, caberá então perguntar se o requerimento em apreço, tal como está formulado, satisfaz ou não as apontadas exigências de forma.
Como ensina a Prof. Teresa Beleza, in “Apontamentos de Direito Processual Penal”. AAFDL. 1995, III vol.. pág. 90, «a partir da acusação ou do requerimento...
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