Acórdão nº 1065/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelSILVA FREITAS
Data da Resolução15 de Janeiro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Os Autores, A... e B..., residentes no Lugar de Samel, Vilarinho do Bairro, Anadia, vieram intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C...e Cremilde Dias Gonçalves, residentes no Lugar de Samel, Vilarinho do Bairro, Anadia, pedindo, a final, a condenação no reconhecimento de que os Autores são donos de um prédio misto, sito em Samel, Vilarinho do Bairro, Anadia, composto de casa de habitação, quintal e terreno, este com 1.200 m2, a confrontar do Norte com servidão, do Sul com Estrada, do Nascente com C...(o aqui Réu) e do Poente com Fernando Pires, prédio inscrito nas respectivas matrizes prediais urbana e rústica sob os artigos, respectivamente, 1590º e 1041º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 067/070787; no reconhecimento da existência a favor do prédio dos Autores de uma servidão de pé, carro e tractor pelo prédio dos Réus, com a largura de três metros e meio, que parte da via pública a nascente e segue numa extensão de cerca de cinquenta e cinco metros em linha recta para poente; na abstenção da prática de quaisquer actos que possam perturbar o exercício do referido direito de servidão de passagem, repondo-a tal como se encontrava antes e retirando o cadeado colocado e no pagamento de indemnização aos Autores pelos prejuízos causados que vierem a ser liquidados em execução de sentença.

Para tanto, alegaram, em síntese, que são proprietários e possuidores de um prédio misto sendo que, para acesso da sua parte rústica, os Autores e seus antecessores se serviam, a pé, de carro ou de tractor, de um caminho que saindo da via pública sita a Norte do prédio dos Autores flecte para Poente em linha recta, delimitando o prédio dos Autores pelo lado Norte, com três metros e meio de largura e cinquenta e cinco metros de comprimento.

Alegaram, ainda, que os Réus, no Verão de 2004, taparam o caminho mesmo junto à via pública com um cadeado que fixa cada um dos lados, e semearam posteriormente no seu leito batatas.

**** Foram citados os Réus para contestar a presente acção, nos termos legais, o que fizeram, alegando que o acesso ao prédio dos Autores sempre se fez pela Rua Principal de Samel, servindo o caminho em causa apenas dois prédios rústicos até Maio de 2004, altura em que foram extintas: o prédio de E..., servidão legal de passagem constituída por decisão judicial, e o prédio de F..., constituída por contrato. Vieram ainda formular um pedido reconvencional subsidiário, invocando um direito de preferência, nos termos do artigo 1555.º do Código Civil, requerendo a intervenção principal provocada dos vendedores e do mutuante.

**** Notificados da contestação, os Autores reiteraram o alegado em sede de petição inicial e alegaram ainda, em relação ao exercício do direito de preferência, que o prédio misto terá de se ter como urbano, por a parte urbana ser mais valiosa que a rústica, bem como a caducidade do eventual direito de preferência.

**** Foi proferido despacho saneador, não se tendo admitido a reconvenção.

**** Efectuado requerimento de prova e de registo da audiência de discussão e julgamento, foi designado dia para esta, a qual se realizou perante o Tribunal Singular, segundo o formalismo legal.

**** A acção foi julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, foram os Réus absolvidos dos pedidos formulados pelos Autores.

**** Os Autores interpuseram recurso da sentença final.

Esse recurso foi devidamente admitido como recurso de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o recurso de apelação subiu também o recurso de agravo interposto pelos Réus da decisão que não admitiu a reconvenção deduzida, e, em consequência, o requerimento de intervenção principal provocada.

**** No recurso de apelação, os Autores apresentaram doutas alegações nas quais formularam as seguintes Conclusões:

  1. O artigo 653º nº2 do Código de Processo Civil impõe ao julgador a obrigação de declarar quais os factos que o Tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; B) Na fundamentação da sentença o juiz deve fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (artigo 659º nº 3 do C. P.C.); C) O artigo 653º nº 2 do Código de Processo Civil impõe ao julgador o dever de esclarecer porque é que os meios de prova determinaram a sua convicção, isto é, o julgador deve referir os elementos que, na sua opinião, deram força bastante àqueles meios probatórios; D) Assim, não pode o julgador ignorar a prova documental com que os autos foram instruídos, prova de manifesta e evidente relevância e que só por si ou conjugada com os demais elementos probatórios é apta a condicionar a decisão sobre a matéria de facto; E) Não tendo o julgador “a quo” valorado e analisado criticamente todas as provas constantes dos autos, esta omissão determina a remessa dos autos à 1ª instância para esta suprir tal deficiência, o que se requer; F) Não obstante e em qualquer caso, a análise criteriosa e crítica dos depoimentos testemunhais obtidos e que supra se referem e cuja enumeração aqui se dá por reproduzida, impõem uma resposta positiva aos quesitos 2º e 6º; G) Que só por erro manifesto na apreciação da prova mereceram da Meritíssima Juiz “a quo” uma resposta negativa, capaz de, por si só, levar, como levou, ao soçobrar da acção; H) Acção que merece proceder e procederá se este Venerando Tribunal, como se espera, alterar as respostas dadas a esses dois quesitos, considerando-os como Provados; I) A douta sentença recorrida violou, além de outros, os comandos dos artigos 653º nº2 e 659º nº 3, ambos do Código de Processo Civil e, como tal, com a total procedência do presente recurso deve ela ser alterada nos termos propostos ou devem os autos ser remetidos à 1ª Instância pelos fundamentos e para os efeitos acima invocados, por tal ser de inteira Justiça.

    **** Em doutas contra-alegações apresentadas, os Réus C...e mulher D... defenderam que devia ser negado provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser mantida, fazendo-se assim, Justiça.

    **** Relativamente ao recurso de agravo interposto, os Réus C...e mulher D... apresentaram também doutas alegações nas quais formularam as seguintes Conclusões: 1º - Na acção, os AA pedem o reconhecimento de um direito de servidão de passagem adquirido por usucapião, que beneficia o seu prédio, art. 1041º, e que onera o prédio, inscrito a (sic) matriz rústica sob o nº 999º, propriedade dos RR, aqui agravantes. Já na reconvenção, os RR/Reconvintes pretendem exercer o direito de preferência na compra do aludido prédio dos AA.

    Verifica-se deste modo, a identidade dos prédios objecto da acção, bem como da reconvenção, devendo a última ser admitida, porque verificado o disposto no Art. 274, nº 2 a) do Código de Processo Civil.

    1. - É também pacífico que a reconvenção, sendo uma acção enxertada noutra, pode ter uma causa de pedir diversa daquela com que se cruza, desde que entre elas exista uma certa conexão. É a doutrina que se extrai dos Ac. R.P., de 17/01/75 – BMJ, 243-325, e Ac. R.P. Documento nº RP200406010326685, de 01-06-2004, in www.dgsi.pt, entre outros.

      Havendo conexão, no caso em apreço, entre a acção e a reconvenção, porque ambas têm por objecto, os mesmos prédios.

      Verificada esta conexão, não se antevê, razão para a não admissibilidade da reconvenção, nos termos do Art. 274º, nº 2 al. a) do Código de Processo Civil.

    2. - A causa de pedir da acção, como a do pedido reconvencional, são causas de pedir complexas que integram ambas o facto de ter sido celebrada uma compra e venda do prédio dos AA, identificado no art. 1º da p.i., que os recorrentes pretendem ver preferir.

      Os AA fundamentam a sua pretensão, precisamente na compra e venda que celebraram em 16 de Janeiro de 2004, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Anadia, de fls. 91 a fls. 94 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 271-D, conforme o alegado no art. 2º da p.i.

      É este negócio jurídico – a compra e venda – que fundamenta e atribui a legitimidade aos AA para exercerem a sua pretensão.

      Os AA formularam, na acção o pedido de que os RR sejam condenados a reconhecer do direito de propriedade sobre o prédio identificado no art. 1º da p.i., porque o adquiriram por escritura de compra e venda, e na sequência deste, pedem o reconhecimento da existência a favor deste dito prédio duma servidão de passagem, constituída por usucapião, sobre o prédio dos RR.

      Ora, como é evidente, os AA. não detinham qualquer título sobre o prédio, antes da sua aquisição, uma vez que essa titularidade só adveio à sua esfera jurídica, através da escritura pública de compra e venda, celebrada a 16 de Janeiro de 2004.

      Razão pela qual, se pode afirmar com segurança, que o facto jurídico que fundamenta a acção é o concreto negócio de compra e venda celebrado pelos AA, na aquisição do prédio rústico, inscrito na matriz sob o nº 1041º da freguesia de Vilarinho do Bairro.

      É também este negócio de compra e venda que fundamenta o pedido reconvencional. Este negócio foi celebrado sem que previamente aos Reconvintes, titulares do direito real de preferência, pelo facto de serem proprietários do terreno confinante com o prédio dos AA objecto da acção, tenha sido dada a oportunidade de declararem preferir, nos termos do Art. 1380º do Código Civil.

      Esta é razão bastante, para que a reconvenção seja admitida, nos termos do citado Art. 274º, nº 2 a) do Código de Processo Civil.

    3. - Os AA fundamentam ainda a sua pretensão na acção, alegando que o prédio que adquiriram pela compra e venda acima referida se encontra encravado.

      Ora aqui, mais uma vez se verifica que o pedido reconvencional emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção.

      São os AA a invocarem factos jurídicos – o encrave do prédio –, na acção, alegação que a provar-se, confere aos...

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