Acórdão nº 2087/03.5TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2008

Data29 Janeiro 2008
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: “A…”, com sede em Meirinhas, Pombal, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “B…”, com sede em Alcobertas, Rio Maior, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 191.020,41€, alegando, para o efeito, em resumo, que, nos anos de 2000 e 2001, comprou à ré várias quantidades de dolomite 70, que se destinava a ser incorporado no processo de fabrico de telhas, mas que era portador de uma granulometria superior à indicada, que deveria situar-se abaixo do patamar de 0,120 um, e se apresentava contaminada com calcite, factos de que deu conhecimento à ré, em Junho de 2001.

Na verdade, continua a autora, a dolomite vendida pela ré destinava-se a ser incorporada no processo de fabrico de telhas, daí resultando que tenha provocado deficiências que as tornam, absolutamente, impróprias para os fins a que se encontravam afectas, em consequência do que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, para cujo ressarcimento reclama a condenação da ré a pagar-lhe a peticionada indemnização.

Na contestação, a ré alega, em síntese, que é falso que alguma vez tenha vendido à autora dolomite contaminada com calcite e com granulometria superior à pretendida por esta, razão pela qual não pode ser responsabilizada pela indemnização dos danos reclamados na petição, cuja verificação impugna, sendo certo que, de resto, nem sequer se encontram, suficientemente, concretizados, concluindo com o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé, em valor a arbitrar pelo Tribunal.

Na réplica, a autora alterou e ampliou o pedido, mantendo a sua posição inicial, outrotanto acontecendo com a ré, em relação à tréplica que apresentou.

A ré interpôs recurso de agravo da decisão que indeferiu, por impertinente, a perícia contabilística e fiscal às suas contas e ainda às contas de diversas pessoas e empresas, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outra que admita a perícia requerida, formulando as seguintes conclusões: 1ª - A autora na sua douta p.i. refere que os defeitos incidem sobre algumas centenas de milhares de telhas (n° 37° da p.i), ao mesmo tempo que refere, que houve por parte dos seus clientes várias reclamações e devolução de telhas "avariadas", mas não existem nos autos quaisquer facturas das vendas invocadas e a ré requereu que a autora juntasse aos mesmos as referidas, o que não foi feito. Além do mais as notas de crédito que já se encontram nos autos não fazem qualquer referência às facturas e de nenhuma delas se infere que estejam directa ou indirectamente relacionadas com telhas vendidas e “avariadas” pelo que se encontram preenchidos os requisitos do artigo 388° do CC para que seja ordenada a perícia requerida.

  1. - Os actos de comércio praticados entre as empresas estão fiscal e contabilisticamente sujeitos ao regime previsto no artigo 35° do Código do IVA, pelo que a perícia visa dotar o julgador dos elementos que lhe permitam, com rigor, apurar a veracidade dos factos, em obediência, também a este preceito - não podemos ignorar que estão referidos nos autos mais de 171.321 telhas referenciadas como tendo "defeito", que as mesmas terão sido vendidas a terceiros, mas não se documentam nem as vendas nem as quantidades, e o tribunal não tem outra forma de apurar estes factos sem o recurso à perícia.

  2. - As diligências requeridas pela ré são assim, também, diligências instrutórias, cujo objectivo é a apreensão e compreensão da realidade dos factos pelo julgador, que no entender da ré, face à posição assumida pela autora, em particular na sua p.i, exigem conhecimentos especializados, e, devem ser, por isso, efectuadas por especialistas ou peritos, e, ninguém melhor do que pessoas ou entidades de reconhecida idoneidade (artigo 568/1 e 4 do CPC) para levar a cabo o requerido, sendo que a perícia pode ser ordenada por perito a designar pelo Tribunal, já que o mesmo tem poder para tal, dentro dos poderes que a lei lhe confere, uma vez que não está obrigado a aceitar o perito ou a entidade indicada pela parte.

  3. - Termos em que deve o douto despacho recorrido ser revogado, por violação da lei substantiva - do artigo 388° do CC e da lei adjectiva - do artigo 568°/1 e 4 do CPC, por erro na interpretação e respectiva aplicação destas normas, e substituído por outro que ordene a perícia requerida pela ré, pois só assim se fará justiça.

Nas suas contra-alegações, a autora sustenta que deve ser mantido o despacho recorrido.

O Exº Juiz não se pronunciou, neste particular, nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 744º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC).

A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora uma indemnização de 141.017,15 euros, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar da data do trânsito em julgado da mesma, condenando ainda a ré a pagar à autora uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre 19.584 euros e o valor dos benefícios fiscais de que a autora tenha beneficiado, por força das doações mencionadas na resposta ao quesito 15º, no mais julgando a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido.

Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as conclusões em que se suportam as questões a decidir.

Nas suas contra-alegações, a autora entende que deve ser mantida a sentença recorrida e julgado improcedente o recurso.

* Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, em ambos os recursos, em função das quais se fixa o respectivo objecto, considerando que o «thema decidendum» dos mesmos é estabelecido pelas conclusões das correspondentes alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes: I – A questão da admissibilidade da prova pericial.

II – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

III – A questão da nulidade da sentença.

IV – A questão do montante dos danos indemnizáveis.

I.DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA PERICIAL A ré sustenta, nas alegações do agravo, que importa ordenar a perícia por si requerida, com vista a apurar, através das facturas e notas de crédito, os defeitos que recaíram sobre as telhas vendidas, porquanto os actos de comércio praticados entre empresas encontram-se, fiscal e contabilisticamente, sujeitos ao regime previsto no artigo 35°, do Código do IVA, e a perícia visa dotar o julgador dos elementos que lhe permitam, com rigor, apurar a veracidade dos factos.

Por seu turno, no requerimento da prova pericial, a ré solicita uma peritagem fiscal e contabilística às contas da autora e de várias empresas, com vista a apurar, nas relações comerciais existentes entre si, a facturação emitida pela autora, referente às vendas feitas a cada uma delas, as reclamações efectuadas e respectivas quantidades, traduzidas na anulação das facturas e consequente emissão de notas de débito e/ou de crédito e respectiva restituição do IVA, as guias de transporte das mercadorias devolvidas e as guias de remessa e respectivas quantidades.

A autora, ouvida em conformidade com o disposto pelo artigo 578º, nº 1, do CPC, opôs-se, terminantemente, à sua realização, por ser, manifestamente, ilegal, impertinente e dilatória.

A decisão recorrida considerou que pertence à autora, que alegou que lhe foram devolvidas mercadorias, e não à ré, o ónus da prova que esta pretende ver produzida, a qual, pela sua impertinência, e porque contende com factos cuja percepção ou valoração não exige especiais conhecimentos que escapam à experiência comum das pessoas ou à cultura geral dos juízes, não admitiu.

Dispõe o artigo 388º, do Código Civil (CC), que “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.

A prova por arbitramento ou pericial traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo Juiz, designadamente, que é a hipótese que aqui interessa considerar, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou na apreciação de quaisquer factos, na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos, caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261.

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Na verdade, quando a matéria de facto suscite dificuldades, de natureza técnica, cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o Tribunal não possua, pode o Juiz, em qualquer estado da causa, nos termos do estipulado pelo artigo 649º, nº 1, do CPC, requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos.

A faculdade que a lei confere ao Juiz de requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos tem em vista auxiliar e esclarecer o Tribunal quanto ao exame e interpretação de factos que, pela sua natureza técnica, demandam conhecimentos especiais.

Porém, a função do técnico que elabora o parecer, nos termos do estipulado pelo artigo 649º, nº 1, é diversa da função dos peritos nomeados, em conformidade com o disposto pelo artigo 568º e seguintes, ambos do CPC.

Enquanto que, na prova pericial, o perito funciona como agente de prova, sendo ele que capta e aprecia os factos, o técnico que elabora o parecer, no...

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