Acórdão nº 2/05.0GAAND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 2/05.0GAAND, do Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, foi deduzida acusação contra A… e B…, ambos melhor identificados nos autos, pela prática dos seguintes crimes: ao primeiro foi imputada, em autoria material, a prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto; ao segundo foi imputada, em autoria material, a prática de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelos artigos 275.º, n.º2, do Código Penal, e 3.º, n.º1, alíneas a) e f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril.

  1. Realizada a audiência de julgamento, veio o arguido A...a ser condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, na pena de 1 (um) ano de prisão. Por sua vez, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelo artigo 275.º, n.º1, do Código Penal, por referência ao artigo 3.º, n.º1, alíneas a) e f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.

  2. Inconformados com tal sentença, os mencionados arguidos interpuseram o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição): «1. O arguido A... foi condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6°, n.º 1, da Lei 22/97 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.°, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, na pena de 1 ano de prisão e, 2. O arguido B... pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artigo 275.°, n.º 1 do Código Penal, por referência ao artigo 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.

  3. Foi ordenada e realizada uma busca domiciliária aos arguidos no dia 9 de Abril de 2005.

  4. Porém, face aos elementos constantes nos Autos consideram os arguidos recorrentes que não existiam nem existem quaisquer indícios sérios e relevantes que permitissem no Inquérito concluir pela existência na residência dos arguidos de objectos relacionáveis com um crime ou que pudessem servir como prova.

  5. Designadamente, droga ou produto estupefaciente, que era no Inquérito o que as autoridades policiais pretendiam encontrar.

  6. O Sr. Juiz do Tribunal “a quo” ordenou as buscas sem que para o efeito tivesse informação suficiente que lhe permitisse concluir que os arguidos se dedicavam ao tráfico de droga.

  7. O legislador penal pretendeu com o artigo 174.° do CPP limitar a realização das buscas e revistas às situações em que existam indícios sérios e fundados, a fim de se proteger o direito à inviolabilidade do domicílio constitucionalmente consagrado no artigo 34.° da CRP.

  8. A decisão judicial que decidiu ordenar as buscas violou o domicílio dos arguidos.

  9. Pelo que, a interpretação do n.º1 e n.º 2 do artigo 174.° do CPP no sentido de ser ordenada busca ao domicílio quando não existem indícios de que alguém oculta na sua residência quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova é inconstitucional, por violação do n.º 1 e n.° 2 do artigo 174.° do CPP e do artigo 34.º da Constituição da Republica Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

  10. Os mandados de busca ordenados nos presentes Autos ao acampamento dos arguidos foram cumpridos no dia 09.04.2005.

  11. Só no dia 13.04.2005 (folhas 32 dos Autos) foram validadas as apreensões, decorridas que estavam 96 horas após a efectivação das mesmas pelos órgãos de polícia criminal.

  12. Pelo que as apreensões foram realizadas fora dos pressupostos de validação das mesmas previstos no artigo 178.° do CPP.

  13. Realizadas fora das condições acima referidas, as apreensões são inválidas (interpretação a contrário do n.º 5 do artigo 178.º do CPP), pelo que não podem ser consideradas, o que desde já se requer.

  14. A interpretação do n.º 5 do artigo 178.° no sentido de se considerarem válidas as apreensões validadas pela autoridade judiciária em prazo diverso do previsto no n.º 5 do artigo 178.° do CPP e designadamente no prazo de 96 horas é inconstitucional por violação do artigo 62.° da CRP .

  15. O arguido B… foi condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão por lhe terem sido apreendidas três armas - uma pistola de defesa pessoal, de calibre 9mm - uma navalha de ponta e mola com uma lâmina de 10 cm de comprimento e, - uma catana com uma folha de ferro com cerca de 50 cm de comprimento.

  16. Ora, ao contrário do que entendeu o Tribunal “a quo” o arguido não pode ser condenado pela posse da navalha e da catana.

  17. É que, face ao conjunto dos factos considerados provados nos Autos verifica-se não estarem reunidos todos os pressupostos legais que permitam condenar o arguido.

  18. É que "Só as armas brancas com disfarce cabem na previsão de armas proibidas, elencadas no art. 3.° do DL 207-A/75" - cf. designadamente Acórdão STJ, de 12/03/97; BMJ, 465, p. 313.

  19. Doutrina essa mantida pelo Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2004, de 21/04/2004, do STJ (D.R. IS-A de 13-05-2004). Acórdão onde se decidiu: "Para efeito do disposto no art. 275.° n.º3 do Código Penal, uma navalha com 8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina só poderá considerar-se como arma branca proibida, nos termos do art. 3.°, n.1, alínea f) do D.L. 207-A/75, de 17 de Abril, se possuir disfarce e o portador não justificar a sua posse.

  20. Portanto, são elementos objectivos do tipo a existência de disfarce e a não justificação por parte do portador da sua posse, elementos que no caso "sub judice" não se encontram preenchidos.

  21. Na verdade, o Tribunal" a quo" não deu como provada a existência de disfarce quanto às armas, bem como também não deu como provada a ausência de justificação por parte do arguido quanto à posse das mesmas.

  22. Pelo que, deverá o arguido B… ser absolvido pela posse da navalha de ponta e mola com uma lâmina de 10 cm de comprimento e da catana com uma folha de ferro com cerca de 50 cm de comprimento.

  23. O Tribunal “a quo” aplicou quanto ao arguido B… (cf. folhas 6) o regime jurídico que classificou como sendo o mais favorável, tendo procedido ao enquadramento da sua conduta no disposto no artigo 275.º, n° 1, do Código Penal, e 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril.

  24. O artigo 275.°, n.º 1, do Código Penal e 3.º, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n° 207- A/75, de 17 de Abril, pune o crime de detenção de armas proibidas com a pena de 2 a 5 anos de prisão.

  25. E, a recente Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro pune a detenção da arma da classe B (designadamente pistola de 9 mm) com a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

  26. Ora permitindo a actual lei a condenação do crime em questão quanto ao arguido B...na pena de multa (o que não acontece quanto ao regime jurídico anterior) é este o regime jurídico mais favorável ao arguido, ao contrário do que entendeu o Tribunal “a quo”.

  27. Na verdade, o regime jurídico previsto no artigo 275°, n.º 1, do Código Penal e 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril não permite a condenação na pena de multa, pelo que este é o menos favorável ao arguido (porque a pena de prisão é mais grave do que uma eventual pena patrimonial).

  28. Ao aplicar o regime menos favorável ao arguido, o Tribunal “a quo” violou o disposto no n.º 4 do artigo 2.° do CP.

  29. Assim, a interpretação do regime jurídico estatuído no artigo 275.°, n.º 1, do Código Penal e 3.°, n.º 1, alíneas a) e f), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril como sendo o mais favorável, no caso dos Autos quanto ao arguido B...é inconstitucional por violar o disposto no n.º 4 do artigo 29.° da CRP e no n.º 4 do artigo 2.° do CP, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

  30. Quanto à medida da pena entendem os arguidos que a pena de prisão que lhes foi aplicada deve ser substituída por pena de multa ou pena de prisão suspensa na sua execução.

  31. Devem ser atendidas assim as questões anteriormente alegadas pelos arguidos recorrentes, designadamente o facto de ao arguido B...M. não ter sido aplicado o regime mais favorável e ainda o facto de quanto a este arguido para efeitos de condenação só poder ser considerada uma arma, das três que possuía, por ausência dos pressupostos legais quanto às armas brancas.

  32. A pena de prisão efectiva aplicada aos arguidos, não se conforma com a lei, não se revelando justa, nem adequada às circunstâncias do caso.

  33. Deve designadamente para o efeito atender-se também ao grau da sua culpa dos arguidos que é diminuto; o arguido A... tem um agregado familiar vasto (mulher e nove filhos) sendo possível concluir face às regras da experiência comum que é o arguido quem os sustenta, quem por isso garante a sua sobrevivência; o arguido B...é ainda muito jovem, nunca esteve preso, acrescendo que não tem antecedentes criminais no tipo de crime que aqui lhe é imputado.

  34. Aplicar aos arguidos uma pena privativa de liberdade viola o chamado princípio da proporcionalidade e, portanto, o artigo 18.° CRP.

  35. Na determinação da medida concreta da pena não pode ser considerada, (ao contrário do que aconteceu) a circunstância agravante de ao arguido B...terem sido apreendidas na totalidade três armas proibidas.

  36. Também, entendem os arguidos recorrentes que as condições pessoais e a situação profissional, social e económica do arguido A..., nomeadamente o facto de ser cesteiro e de não possuir rendimentos em montante fixo devem ser consideradas em beneficio do arguido, devendo assim entender-se que o facto do agregado familiar do arguido ser vasto (tem 9 filhos) deveria ser um factor que permitisse aplicar uma pena...

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