Acórdão nº 922/04.0GBILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Maio de 2008
Magistrado Responsável | BELMIRO ANDRADE |
Data da Resolução | 28 de Maio de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
15 Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: O arguido ARF …, melhor id. nos autos, recorre da sentença mediante a qual o tribunal recorrido decidiu: - Absolvê-lo do crime de resistência sobre funcionário p.p. artigo 347º do Código Penal; e - Condená-lo como autor material de um crime de desobediência p.p. artigo 348º, nº 1b) do Código Penal na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de 8€ (oito euros), num total de 800€ (oitocentos euros).
Formula as seguintes CONCLUSÕES: A)Face à prova relevante, produzida em sede de Audiência de Julgamento, não deveria ter sido dado como provado que “o arguido afirmou que a viatura de matrícula XX-XX-XX por ele conduzida não possuía seguro válido e que ainda se encontrava registada em nome do anterior proprietário JRT nem que “o arguido mencionou não ter qualquer seguro válido da viatura “.
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O sentido em que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou a norma contida no art. 348º, nº 1 alínea b) do Código Penal não traduz a não verificação dos elementos objectivos do tipo legal do crime em causa uma vez que a ordem de apreensão do veículo foi materialmente ilegítima e ilícita, não derivando da mesma, em consequência, qualquer dever de respeito e acatamento em relação ao arguido ou a terceiros.
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Por outro lado, o instituto da apreensão de veículo automóvel previsto no art. 32º, nº 2 do DL 522/85 não pode ser aplicado em conjugação com a norma do art. 168º, nº 1, al. f) do C.E.: Quando um veículo sem seguro participa em acidente de viação a aplicação da primeira consome a aplicabilidade desta última por se tratar de norma especial.
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E, não sendo o arguido proprietário do veículo envolvido no acidente, mas mero comerciante de automóveis no exercício dessa actividade - ainda que sem realização do denominado seguro de carta -, a possibilidade da apreensão de veículo na sequência de acidente de viação é vedada pela norma do nº 4 do citado art. 32º do DL 522/85, resultando ilegítima e ilícita a apreensão do mencionado veículo.
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Tomando-se, assim, manifesto que faltando um dos elementos típicos do crime em questão, se impõe absolvição do arguido nestes autos.
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Mesmo quando se entenda aplicável a norma do art. 168º, nº 1, al. f), do C.E., ainda assim a apreensão do veículo sempre terá de considerar-se ilegítima e ilícita por extemporânea, uma vez que, no momento da apreensão, a autoridade que a determinou não dispunha de nenhum elemento onde pudesse fundar a inexistência de seguro válido efectuado pelo respectivo proprietário, informação que só cerca de 15 dias depois de concretizada a apreensão lhe foi facultada pela entidade competente e pelo proprietário da viatura.
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Mesmo a entender-se censurável a conduta do arguido, as circunstâncias do caso permitem concluir pela razoabilidade e justeza da opção por uma pena de multa em medida coincidente com o seu limiar mínimo ou muito próximo dele.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o arguido do crime de desobediência, p.p. pelo art. 348º, n.º1, al. b) do Código Penal ou, caso assim não se entenda, deverá o mesmo ser condenado em pena de multa substancialmente mais próxima do respectivo limiar mínimo.
Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do Tribunal recorrido pugnando pela manutenção da decisão recorrida, alegando, para tanto, em síntese, que: - a sentença recorrida procedeu à apreciação da prova em conformidade com os preceitos legais em vigor; - não tendo, como não tinha, o veículo em questão, de contrato de seguro válido, não existia qualquer razão válida para que não se procedesse á sua apreensão, como preceitua o art. 168º n.º1, al. f) do CE, em conformidade com o diploma relativo ao seguro automóvel obrigatório que concretiza e reproduz.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual manifesta inteira concordância com a resposta.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.
II.
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A decisão da matéria de facto, com a motivação que a suporta é a seguinte: FACTOS PROVADOS.
No dia 17 de Maio de 2004, na Estrada Florestal Zona Industrial da Mota – Gafanha da Nazaré, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX de marca Mercedes Benz, de cor cinzenta, conduzido pelo arguido e o veículo automóvel de matrícula YY-YY-YY.
Em virtude do acidente foi chamada ao local a GNR da Gafanha da Nazaré, para tomar conta da ocorrência do mesmo.
De seguida foi pedido aos condutores para apresentarem os documentos pessoais e dos respectivos veículos.
Perante tal solicitação o arguido afirmou que não trazia consigo os documentos da viatura, só se fazendo acompanhar de bilhete de identidade e de carta de condução, tendo-lhe sido emitido aviso de apresentação de documentos nº 1076208.
Assim, no dia 9 de Junho de 2004, pelas 17h30m, o arguido dirigiu-se ao posto da GNR da Gafanha da Nazaré, a fim de tratar de assuntos relacionados com o acidente de viação supra referido.
Uma vez aí o arguido afirmou que a viatura de matrícula XX-XX-XX por ele conduzida não possuía seguro válido e que ainda se encontrava registada em nome do anterior proprietário, JRT, mas assumia toda a responsabilidade do acidente em virtude de a viatura estar na sua posse há perto de um ano.
Nesse momento o arguido referiu que não trazia consigo qualquer documento do automóvel (livrete ou registo de propriedade).
Como o arguido mencionou não ter qualquer seguro válido da viatura, foi notificado de que o veículo Mercedes Benz de matrícula XX-XX-XX ficaria, com os documentos – livrete e registo de propriedade – apreendidos.
O qual lhe foi entregue na qualidade de depositário, sendo advertido que a sua utilização ou alienação o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
Quando confrontado com a apreensão o arguido recusou assinar o auto de apreensão apesar de ter tomado conhecimento de todo o seu conteúdo.
No dia 22 de Junho de 2004, cerca das 16h50m, elementos da GNR da Gafanha da Nazaré deslocaram-se à rua Afonso Albuquerque, na mesma localidade, devidamente uniformizados e com viatura caracterizada tendo, nesse momento, verificado que o arguido conduzia o veículo apreendido supra identificado.
Ao aperceber-se da presença dos agentes da GNR no local, o arguido introduziu-se no interior do stand de automóveis “C”, seu local de trabalho, que se encontrava com o portão aberto.
O arguido saiu do interior do automóvel tendo-se dirigido aos...
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