Acórdão nº 1420/05.0TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE SIMÕES RAPOSO
Data da Resolução24 de Setembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    O Sindicato dos Bancários do Centro (SBC)[i], AJG, JN, FFO, JMA e HR deduziram acusação particular contra CMS, AJ, JAF, LPF, MPF, MDM e FJC, imputando-lhes a autoria imediata, na forma consumada e continuada, de um crime de difamação p. e p. pelos art.s 180º nº 1 e 183º nºs 1 al. a) e 2 do Código Penal.

    O Ministério Público acompanhou a acusação particular, consignando o entendimento de que deverá ser imputada aos arguidos a prática em concurso efectivo de sete crimes de difamação p. e p. pelos art.s 180º e 183º nºs 1 al. a) e 2 do Código Penal e de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, p. e p. pelo art. 187º nº 1 e nº 2 al. a) do Código Penal.

    O arguido CMS requereu a abertura de instrução no termo da qual foi proferido despacho de não pronúncia de todos os arguidos.

    Inconformados, os assistentes AJG, FFO, AMB e JNC, interpuseram recurso, sustentando a pronúncia dos arguidos e apresentando as seguintes conclusões: 1- Não se verificou a extinção do direito de queixa, não tendo decorrido, em consequência, qualquer prazo de caducidade em relação aos factos anteriores a 10.5.2005, já que os assistentes só tiveram conhecimento de quem foram os seus autores em 5 de Julho de 2005; 2- O direito de queixa foi exercido tempestivamente.

    3- Existem indícios suficientes da prática do crime de difamação pelos arguidos, 4- Tendo estes ultrapassado relativamente aos recorrentes, todas as regras, limites, normas de conduta, de respeito moral, cívico e social.

    5- O despacho recorrido violou o disposto nos art.s 1º e 26º nº 1 da Constituição, 180º e 183º nº 1 a) do Código Penal, já que a acusação é fundamentada, e os factos constituem crime.

    Termos em que e com o mais que doutamente será suprido por V.Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se o despacho recorrido e pronunciar-se os arguidos pela prática dos crimes de difamação, assim se fazendo justiça! O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e concluindo: 1.ª - Os assistentes e os arguidos integravam, respectivamente, a Lista B) e a Lista A), ambas concorrentes à eleição dos corpos sociais do SC , cujo acto eleitoral ocorreu em 28.4.2005.

    1. - A queixa-crime foi apresentada em 10.11.05 e na douta acusação particular os assistentes atribuem aos arguidos a formulação, entre Março de 2005 e Novembro de 2005, de juízos ofensivos da sua honra e consideração, recorrendo à publicação verbal e escrita, de expressões aviltantes e difamatórias, através de comunicados, conferências de imprensa e jornais, entre os quais o Diário de Coimbra e o Diário"As Beiras", imputando-lhes, por isso, como autores imediatos e na forma consumada e continuada, o crime de difamação, p. e p. pelos art.ºs 180°, n° 1 e 183°, nºs 1, aI. a) e 2, do CP.

    2. ª - O crime continuado consubstancia uma pluralidade de actos parcelares que, pela verificação dos pressupostos estabelecidos no n° 2, do art.º 30°, do CP (antes da última alteração pela Lei n° 59/07, de 4.9), são unificados juridicamente e como tal considerados um único crime. Contudo, essa unificação não faz desaparecer a individualidade de cada um dos actos parcelares. Pelo que, o prazo para o exercício do direito de queixa conta-se a partir de cada um desses actos parcelares.

    3. - Assim, tendo a queixa-crime sido apresentada em 10.11.05 verifica-se, em relação a todos os factos ocorridos até 10.5.05, dos quais os assistentes tiveram conhecimento bem como dos seus autores, nos termos do art.º 115°, n° 1, do CP, a extinção do direito de queixa. Não colhendo a tese invocada pelos assistentes de que apenas na Assembleia de 5.7.2005 tiveram conhecimento dos autores dos comunicados da Lista A, nos quais seriam proferidas as expressões difamatórias, já que, por certo, conheciam os elementos desta Lista.

    4. - Mas ainda que assim se não entenda, nos termos e para efeito do disposto no nº 1, do art. ° 115°, do CP, o que releva como conhecimento do facto e dos seus autores é o simples conhecimento naturalístico e não judicial. Havendo, ainda, que distinguir, no instituto da queixa, as normas exclusivamente processuais formais das normas processuais penais materiais.

      A estas últimas (processuais penais materiais), que condicionam positivamente a responsabilidade penal, pertencem as normas constantes dos art.°s 111° a 116°, do CP.

      Às primeiras (processuais formais), que estabelecem as formalidades do procedimento criminal, pertencem as normas dos art.ºs 49° a 52°, do CPP 6.ª - Mas, tal conhecimento não pode ser meramente subjectivo, isto é, não é por os assistentes o dizerem que tem que se considerar suficientemente indiciada a data desse conhecimento, ou seja, 5.7.05. Ele há-de resultar, em termos objectivos, de uma qualquer situação indiciária (porque de indícios se trata) no contexto dos autos e não apenas de uma mera declaração subjectiva ou subjectivista e interesseira dos assistentes.

    5. - A verdade é que é, pelo menos, muito duvidoso que os assistentes não tivessem conhecimento dos factos ocorridos até 10.5.05 (os agora em causa) e dos seus autores (elementos integradores do direito de queixa), aquando da distribuição dos comunicados da Lista A), pois, todos eles, enquanto elementos da Lista concorrentes às eleições para os órgãos sociais do SC, conheciam a identidade dos respectivos elementos.

    6. - Assim, mesmo que houvesse dúvidas sobre se o conhecimento dos factos descritos nos autos e dos seus autores, o foram, pelos ora assistentes, aquando ou depois da dita Assembleia de 5.7.05, tais dúvidas terão de favorecer os arguidos.

    7. - Pelo exposto, tendo os factos e seus autores sido do conhecimento dos assistentes, pelo menos, aquando da publicação dos tais comunicados da Lista e devendo no crime continuado atender-se a cada um dos actos parcelares, o prazo para o exercício do direito de queixa terminaria seis meses após cada um desses actos parcelares (uma vez que aquele é um prazo substantivo e de caducidade sujeito às regras de contagem do art.º 279°, do CC), pelo que, tendo a apresentação da queixa -crime ocorrido em 10 de Novembro de 2005, encontrava-se extinto, por caducidade, aquele direito em relação aos factos ocorridos até 10.5.05.

    8. - Na decisão instrutória deu-se como provado, relativamente ao ambiente vivido no SBC, a propósito do acto eleitoral de 28.4.05 e factos posteriores a esta data, que: Está documentando nos autos, ad nauseam, a forma atribulada como, na noite do escrutínio, foi efectuada a contagem de votos, bem como os critérios de validação e invalidação de mesas, etc...

      O dissídio quanto a critérios e procedimentos levados a cabo por pessoas que pertenciam à Lista e que eram titulares de órgãos sociais, designadamente o primeiro assistente, originou grande tumulto nas semanas e meses que se seguiram ao acto eleitoral de Abril de 2005.

    9. - Não obstante os Estatutos deste Sindicato preverem um modo de resolução do diferendo – por meio de recurso para o Conselho Geral – a Lista que se considerou prejudicada pelo anúncio público de um resultado que considerou falseado (o que dava como vencedora a Lista oponente - a … por diversas actuações dos órgãos internos, designadamente do Presidente da Mesa Assembleia-geral (aquele assistente), não logrou ver discutido o resultado eleitoral por meio deste expediente interno.

    10. - Fizeram-no saber de forma escrita, quer enviando missivas, quer redigindo comunicados expondo aos restantes associados o que consideravam ser uma fraude (eleitoral), um exemplo de má administração da coisa colectiva (os interesses de todos os sócios que pagavam as suas quotas), quer valendo-se do impacto que a divulgação pela imprensa sempre causa, procurando pressionar um desfecho transparente e rápido do problema no interior do próprio Sindicato.

    11. - Os autos documentam que a Lista …foi declarada vitoriosa e, não obstante a impugnação interna do acto, o Presidente da Mesa Assembleia-Geral designou dia para conferir posse aos novos membros, alegadamente eleitos naquele sufrágio, de tal forma que os arguidos tiveram que socorrer-se das vias judiciárias para pôr cobro a tal actuação.

    12. - Na verdade, entregaram no Tribunal de Trabalho de Coimbra uma providência visando a convocação judicial do Conselho Geral do Sindicato para que este apreciasse a deliberação da Mesa da Assembleia-geral que tinha anulado votações e, desta forma, adulterado os resultados eleitorais, assim conseguindo que aquele Conselho geral viesse a reunir sob a égide do Tribunal e a dar provimento ao recurso anteriormente apresentado pela Lista … a verdadeira Lista vencedora de tal acto eleitoral, como veio a ser declarado mais de um após as eleições.

      Ainda assim, o Presidente da Mesa da Assembleia-geral não conferiu posse aos membros eleitos tendo obrigado a que fosse deduzido um incidente judicial para investidura em cargos sociais.

    13. - Ora, os crimes que partilham a tutela do bem jurídico honra (difamação e injúria) não podem desligar-se da matriz constitucional e democrática donde promana tal valor.

      Genericamente, a honra é o direito que cada cidadão tem de exigir o respeito dos outros de forma a que estes não emitam juízos ou imputações imerecidamente vilipendiosos e degradantes.

    14. - E este valor tem assumido diversos recortes históricos que ora o atiram para um plano objectivo-social, ora para um plano subjectivo-pessoal, sempre extremando o conteúdo deste bem jurídico (ou o conceito de si ou o conceito dos outros quanto a alter), mas nunca o divorciando do contexto casuístico em que a tensão honra/liberdade ocorre. Por isso se diz que Todo o cidadão tem direito à protecção jurídica da sua honra e consideração, bem como da sua privacidade/intimidade, palavra e imagem. Porém, para as "pessoas da história do seu tempo", ou seja, para aqueles que ocupam a boca de cena no palco da vida política, cultural, desportiva, etc., a tutela dos bens pessoais em questão é mais reduzida e fragmentada do que no caso do cidadão comum.

    15. - Ora, no...

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