Acórdão nº 4135/12.9TBLRA-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução08 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

A.... e B... apresentaram-se à insolvência, requerendo a exoneração do passivo restante.

Foram declarados insolventes.

  1. Posteriormente foi proferida sentença na qual, concluindo-se pela inverificação de qualquer óbice legal, lhe foi deferido o pedido de exoneração.

    Para além do mais em tal sentença decidiu-se: Fixar em duas vezes e meia do valor da remuneração mínima mensal garantida a quantia tida como necessária para o sustento do devedor e do seu agregado familiar.

  2. Inconformados recorreram os impetrantes.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A.

    O recurso ora apresentado tem na sua génese a douta decisão que deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e, consequentemente, fixou para sustento dos recorrentes o valor equivalente a duas vezes e meia a remuneração mínima mensal garantida.

    B.

    Não se compreende porque o Meritíssimo Juiz a quo deu como provado que os insolventes têm despesas mensais fixas de EUR. 1 239,98 e, no entanto, atribuiu como suficiente para sustento dos recorrentes o valor equivalente a duas vezes e meia a remuneração mínima mensal garantida.

    C.

    De qualquer das formas, e independentemente do juízo efectuado pelo Meritíssimo Juiz a quo, os recorrentes não podem nem devem concordar com o montante atribuído, motivo pelo qual apresentam o presente recurso.

    POSTO ISTO: D.

    O montante total das despesas referidas deve ser tido em conta pelo Tribunal a quo meramente como um montante estimado (e não exacto) das despesas efectivamente suportadas pelo agregado familiar dos recorrentes, na medida em que é notória a oscilação desses gastos perante flutuações decorrentes de acontecimentos extraordinários e situações conjunturais de cariz económico.

    E.

    No seio de um agregado familiar composto por dois adultos e um pré-adolescente., são inúmeras as despesas que surgem recorrente ou extraordinariamente e que não podem ser quantificadas e determinadas por referência a um período temporal tão curto (mês).

    F.

    Face ao sobredito, a quantia atribuída aos recorrentes, equivalente duas vezes e meia a remuneração mínima mensal garantida, afigura-se nitidamente diminuta, desde logo para fazer face tão-só às despesas elencadas pelos recorrentes, quanto mais para fazer face a eventuais despesas extraordinárias, sob pena de os beneficiários da exoneração ficam manietados e incapazes de orientar, com renovada responsabilidade, a sua vida económica, frustrando-se as finalidades do instituto da exoneração.

    G.

    É necessário assinalar que o constrangimento imposto aos beneficiários da exoneração do passivo restante não implica, nunca, colocá-los em estado pior àquele em que se encontravam antes de se apresentarem à insolvência.

    H.

    A quantia que o Meritíssimo Juiz a quo atribuiu aos recorrentes colocá-los-á num estado pior, em virtude de a quantia atribuída não ser sequer suficiente para suportar as despesas inevitáveis (as elencadas pelos recorrentes no art. 56.º da petição inicial de fls.___).

    I.

    O Meritíssimo Juiz a quo olvidou o facto de tais despesas, custos ou gastos com os bens essenciais que os insolventes indicaram, serem manifestamente imprescindíveis para o sustento de qualquer ser humano, como é público e notório e, por isso, constituírem factos que não carecem de alegação ou prova, conforme dispõe o artigo 412.º do Código de processo Civil.

    J.

    Pelo exposto e com a atribuição do valor correspondente a duas vezes e meia a remuneração mínima mensal garantida, a estabilidade económica dos recorrentes será novamente colocada em crise, abeirando-se de uma situação precária, tendo em consideração as despesas mensais alegadas e não impugnadas no art. 56.º da sua petição inicial de fls.___, e que não foram correctamente consideradas pelo Meritíssimo Juiz a quo.

    DITO ISTO E SOBRETUDO: K.

    Estabelece o art. 239.º, n.º 3, alínea b), i) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor com exclusão do que seja razoavelmente necessário para o “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar…”.

    L.

    Cumprindo-se assim a doutrina constitucional titulada pelo princípio da dignidade humana, inserta no princípio do Estado de direito, afirmado nos arts. 1.º, 59.º n.º 1, a), 62.º n.º 1 e 63.º nº. 1 e 3 da CRP, art. 1.º da Declaração Universal de Direitos do Homem e art. 10.º, n.º 1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, enquanto alicerce da existência digna das pessoas, que se projecta, por exemplo, no referido 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i) do CIRE.

    M.

    Com efeito, tal entendimento viola o art. 1.º do texto magno, bem como o entendimento da jurisprudência nacional, pois repete-se: “deve o legislador, para tutela do valor supremo da dignidade da pessoa humana, sacrificar o direito do credor, na medida do necessário …”.

    N.

    O Meritíssimo Juiz a quo não tomou em linha de conta as despesas indicadas a título de despesas mensais (vide art. 56.º da petição inicial de fls. ___), valor este não impugnado por qualquer credor, logo, deveria ter sido considerado como provado.

    O.

    Os recorrentes desconhecem quais as despesas que foram levadas em linha de conta pelo Tribunal a quo para determinar o quantum.

    P.

    Face ao quantum fixado, e ao conteúdo da sentença, entendem os recorrentes que as despesas por si apresentadas, não foram todas tidas em consideração ou então, sem dúvida, não foram consideradas nos seus reais valores.

    Q.

    Por relevar para a boa e judicativa decisão, padece a decisão em crise de nulidade, a qual desde já se argui para todos os legais efeitos.

    MAIS: R.

    Face à omissão de sentença quanto aos factos considerados para a decisão, atendendo a que os factos alegados na petição inicial não foram impugnados, entendem os recorrentes que o Meritíssimo Juiz a quo os considerou na íntegra para sustentar, de facto e de direito, a decisão proferida.

    S.

    Não se entende o motivo pelo qual o Meritíssimo Juiz a quo deu as despesas alegadas pelos recorrentes como provadas e no valor global de EUR. 1 239,98 e na sua douta decisão atribui o valor correspondente a duas vezes e meia a remuneração mínima mensal garantida.

    T.

    Em todo o caso e enquanto não for esta contradição eliminada e atendendo ao facto de ser notória e relevante para a própria decisão, encerra a mesma uma nulidade, a qual desde já se argui para todos os legais efeitos.

    U.

    Ademais, foi indicada, pelos recorrentes, na sua petição inicial, prova testemunhal que não foi produzida.

    V.

    O Tribunal a quo não notificou os recorrentes para actualizarem as suas despesas, quando deveria tê-lo feito, dado que desde a propositura da presente acção até ao proferimento da sentença decorreram 485 dias.

    W.

    A falta de produção de prova testemunhal impediu que os recorrentes pudessem evidenciar concreta e efectivamente que vivem com dificuldades económicas e que os valores apresentados no art. 43.º da sua petição inicial se apresentam correctos, evidenciando o pedaço de vida concreto, para usar a expressão feliz de FIGUEIREDO DIAS no seu ensino oral.

    X.

    Assim, constitui uma omissão judicial grave, e porque influiu, está demonstrado, no exame e consequente decisão da causa, encerra uma nulidade processual prevista no art. 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a qual se argui desde já para todos os legais efeitos.

    Y.

    Note-se que a acção foi proposta em 20.08.2012 e a sentença foi proferida em 18.12.2013, ou seja, 485 dias de intervalo, pelo menos. Neste interregno todos os preços subiram e o valor real dos salários diminuiu acentuadamente. Deus é testemunha dos recorrentes e do agravamento das condições a que os portugueses foram sujeitos, inclusive os recorrentes.

    Z.

    Face ao sobredito, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter notificado os recorrentes para virem aos autos juntar comprovativos actualizados das despesas mensais, uma vez que para formar a sua decisão, o conhecimento da situação dos insolventes deverá ser o mais aproximado possível da realidade actual.

    AA.

    No entanto, o Meritíssimo Juiz a quo nada fez bem sabendo da crise e da variação rápida dos preços dos bens essenciais.

    BB.

    Tal omissão, porque influiu na...

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