Acórdão nº 347/08.8JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução02 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório Nos presentes autos, após audiência pública de discussão e julgamento com exercício amplo do contraditório, foi proferida decisão final, de mérito, na qual o tribunal colectivo, julgando a acusação parcialmente procedente, decidiu: - Condenar o arguido, A...

: - pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, na forma continuada, p.p. pelos artigos 14º, 26º, 30º, nº 2 e 171º, nº1, na pena de 4 anos de prisão; e - pela prática de um crime de pornografia de menores, p.p. pelos art.ºs 14º, 26º e 176º, n.ºs 1, al. b) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; ---- - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão. --- * Inconformado com tal acórdão, dele recorre o arguido.

Na motivação são formuladas as seguintes CONCLUSÕES: 1. Atentos os princípios que norteiam o direito Penal, mormente o princípio do in dubio pro reo, deveria, o Douto Tribunal aquo, ter ABSOLVIDO o Arguido, de TODOS OS CRIMES de que vinha acusado.

  1. Houve insuficiência para a decisão, da matéria de facto provada (Art. 410º nº 2 a) do CPP) e erro notório na apreciação da prova (alínea c) da mesma disposição legal).

  2. O Arguido (discorda) que tenham sido dados como provados, os factos numerados sob Item 2.1.1. da Matéria de Facto Provada, com os n° 1, 14, 16, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 35, 36, 37, 38, 39, 47, 55, 58, 59, 60, 65, 67, 68 e 69, quando, em evidente contradição, foram considerados como não provados outros factos do Despacho de Acusação, e melhor enunciados no Item 2.1.2. alíneas d) a z) da Douta sentença recorrida (fls. 949-952).

  3. O processo penal deve ser um processo eficaz, capaz de permitir ao Estado a punição dos criminosos. Mas deve também ser um processo justo, por forma a oferecer aos cidadãos garantias efectivas de defesa contra eventuais acusações injustas. É, na verdade, preferível deixar de punir um criminoso do que correr o risco de punir um inocente. Por isso, dispõe o N°1 do Artigo 32° da Constituição que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».

  4. Conforme prova produzida, o abuso sexual de crianças, resumiu-se a "carícias" e "abraços", que o Tribunal a quo considerou, contra a Jurisprudência existente, como actos sexuais de relevo.

  5. A Lei não dá uma definição do que deva entender-se por acto sexual de relevo. Porém, segundo diversa jurisprudência, "acto sexual de relevo" é todo aquele que tenha uma natureza objectiva estritamente relacionada com a actividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas.

  6. Não ficou, em lado algum dos autos, provado que o Recorrente adoptava tais gestos com intuitos sexuais e libidinosos - tal conclusão e interpretação, foi, já, resultado da sensibilidade, ilações, conclusões e opiniões de que viu.

  7. É necessário que esses actos tenham uma conotação sexual e sejam suficientemente relevantes para ofender a livre disposição sexual da vítima. o que implica um contacto corporal com conotações sexuais.

  8. Do mesmo modo, também, em lado algum, provado, que tais gestos do Recorrente fossem interpretados, pelos menores, como gestos de cariz sexual, ou, sequer, ficou provado que os mesmos incomodassem ou afectassem os menores.

  9. A matéria da acusação pela prática de um crime de pornografia de menores, não foi, sequer, discutida em Audiência de Julgamento, como se prova pela gravação áudio em CD apensada ao processo, pelo que nada podia, subsequentemente, ter sido dado como provado.

  10. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em Audiência" (Art. 355º do CPP), pelo que, deve, o Recorrente, ser absolvido desta acusação.

  11. O Tribunal a quo decidiu, erroneamente, considerar como não provados todos os factos aduzidos pelo Recorrente, respectivamente xx), zz), aaa), bbb), ccc) e ddd).

  12. Todos estes factos não provados, relevantes para a subsunção jurídico-penal, podiam ser facilmente investigados, o que o Tribunal a quo não fez, tendo podido fazê-lo, incorrendo assim no vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada.

  13. Não se aplica, ao caso sub Júdice, o vertido nos Arts. 176° n° 1 al. b) (porque não utilizou nem aliciou qualquer menor para este fim, nem se encontra nada nos autos que o indicie) nem o Art. 176° n° 4 (não adquiriu nem deteve materiais provenientes da utilização ou aliciamento de um menor, nem se encontra nada nos autos que o indicie) 15. Não basta que constem menores: é preciso que o Arguido tenha utilizado menores para fazer essas imagens, ou que os tenha aliciado para esse fim, e detido as imagens obtidas nessas condições.

  14. O Douto Tribunal a quo errou, grosseiramente, na apreciação da prova.

  15. Outros factos considerados como não provados, e que eram essenciais para a defesa do Recorrente, eram os seguintes (que o Tribunal, pura e simplesmente, desvalorizou): nn), oo), pp), qq), rr), ss), tt), uu) e vv), porquanto se escusou a aplicar o estipulado no Art. 340º N° 1 do CP.

  16. A sentença não foi justa, adequada e proporcional.

  17. O Tribunal negou o direito ao arguido a ser julgado com equidade.

  18. O erro mais flagrante da sentença é uma desproporção entre o alegado crime e a pena imposta. Não se provou, nem sequer foi indiciado nos autos, que o Recorrente tivesse praticado cópula, coito anal, coito oral ou introdução anal (Art. 171º N° 2 do CP), masturbação singular ou mútua (Art. 171 ° N° 1 do CP), importunação sexual (Art. 170º do CP), exibição de filmes ou material impresso pornográficos, ou até mesmo conversas pornográficas (Art. 171º N° 3 al. b) do CP), e muito menos coacção (Art. 163º do CP) ou importunação (Art. 179º do CP).

  19. Foi dado como provado, a prática de actos sexuais de relevo, mais concretamente carícias na cabeça, braços e costas, mas não em zonas erógenas.

  20. O Tribunal quo condenou o Recorrente, não pelos factos dados como provados, mas pelos que imaginou que se pudessem ter passado, embora não constem do processo. Aplicou aqui, à sua maneira, o Art. 127° do CPP.

  21. A livre convicção não pode nem deve significar um arbítrio impressionista-emocional ou a decisão irracional "puramente assente num incondicional subjectivismo alheio a fundamentação e à comunicação".

  22. A determinação da medida da pena, além da sua injustificável severidade, visto tratar-se de um delinquente primário, não levou em conta as condições pessoais do Recorrente nem a sua conduta anterior ao facto e posterior a este (Art. 71 ° N° 2 al. d) e c) do CP).

  23. Ainda que viesse a ser aplicada uma pena de prisão ao Recorrente, impunha-se que esta tivesse sido suspensa na sua execução, conforme Art. 50° n° 1 do CP, aplicável ao Recorrente, visto militarem a seu favor todos os pressupostos de facto de que depende a suspensão da pena.

  24. Ao contrário do que o Tribunal a quo afirma, não se encontra nada nos autos que indique que o Recorrente seja um predador compulsivo, e o Tribunal a quo não possui conhecimentos científicos que lhe permitam ter tirado conclusões diferentes daquelas a que médicos e psicólogos chegaram com referência ao Recorrente.

  25. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão em princípios teóricos, que não se baseiam cm nada que conste dos autos, que não se referem directamente ao Recorrente, e que só lhe poderiam eventualmente ser aplicados por um médico especialista após um exame rigoroso, o que um Magistrado, por mais insigne jurista que seja, não tem competência para fazer.

  26. Os Tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (Art. 203° da CRP), Os Magistrados Judiciais "julgam apenas segundo a Constituição e a Lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções" (Art. 4° N° 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais). Não estão, nem podem estar, pois, sujeitos a pressões exteriores, mesmo que venham da "comunidade envolvente" e "nos feitos submetidos a julgamento não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados" (Art. 204º da CRP).

  27. Foram aqui violadas as normas jurídicas acima indicadas, que, só por si, invalidariam as razões apresentadas para a efectividade da pena da prisão (Art. 412° N° 2 do CPP).

  28. O Recorrente deve ser absolvido dos crimes de que vem acusado, e, mesmo que assim não se entenda, e ainda que se mantenha uma penalização em pena de prisão, deve, a mesma, ser suspensa da sua execução.

    Termos em que deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência, absolvido o recorrente.

    * Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido rebatendo a motivação do recurso, para dizer, em síntese conclusiva: 1- Na discordância que manifestou quanto ao decidido em matéria de facto, o recorrente limitou-se a alegar a existência de dúvidas, a desvalorizar alguns depoimentos ou a transcrever excertos de um ou outro testemunho que, em seu entender, justificariam interpretação que, sendo diversa daquela a que o tribunal chegou, corresponderia àquela por si pretendida. Fê-lo, porém, de forma não integrada, descontextualizada de uma análise de cada meio probatório no seu todo e de uma apreciação concertada de todos eles, apenas de modo a fundamentar uma opinião diferenciada e que mais lhes conviria.

    2- No entanto, a impugnada decisão em matéria de facto resultou de uma livre e fundamentada apreciação da prova, privilegiada pela oralidade e imediação na sua produção e aferida pelas regras da experiência, constituindo o julgamento de facto não apenas uma das possíveis soluções, segundo essas regras da experiência comum, mas a única que estas poderiam, no caso, justificadamente aceitar.

    3 - A essa apreciação da prova veio a corresponder uma acertada enumeração da factual idade provada e não provada, devidamente fundamentada, e um subsequente e correcto enquadramento dos factos no direito.

    4- Não há ofensa ao princípio do ln dublo pro...

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