Acórdão nº 212/11.1T2AVR-G.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução10 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório Na Comarca do Baixo Vouga, juízo de comércio de Aveiro, A... e mulher, B..., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes no (...), em Sever do Vouga, vieram, ao abrigo do disposto no art.º 146.º do CIRE e por apenso aos autos de insolvência em que é insolvente C..., Lda., instaurar acção especial de verificação ulterior de créditos contra: - Massa insolvente da sociedade C..., Lda.; - Os credores da massa insolvente da mencionada sociedade, representados pelo Sr. Administrador da Insolvência; - Insolvente “ C..., Lda.”, tendo em vista o reconhecimento do crédito de que são titulares, no montante de € 361 500,00 (trezentos de sessenta e um mil e quinhentos euros), e sua consequente graduação no lugar que lhe competir.

Em fundamento alegaram, em síntese, terem celebrado com a insolvente C..., imobiliária e construções, Lda., contrato de permuta formalizado por escritura pública outorgada em 20 de Maio de 2004, nos termos do qual transferiram para esta o direito de propriedade do prédio urbano, composto de casa e logradouro, sito na (...), freguesia e concelho de Sever do Vouga, inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o número (...), tendo-se esta obrigado a ceder aos demandantes, em contrapartida, diversas fracções autónomas a constituir no edifício cuja construção iria levar a cabo no prédio permutado e cujo valor foi então fixado em € 361 500,00.

No cumprimento do identificado contrato os AA procederam à entrega à sociedade C..., Lda. do prédio permutado, tendo esta, a partir de então, agido como sua proprietária, realizando todas as diligências necessárias à execução do projecto de arquitectura previamente aprovado na Câmara Municipal de Sever do Vouga e assim concluir o empreendimento projectado. Em contrapartida, e apesar dos trabalhos não se encontrarem concluídos, a mesma sociedade entregou aos AA as chaves das fracções que, nos termos do aludido negócio, lhes caberiam, o que ocorreu em Janeiro de 2008, passando estes, a partir de então, a comportar-se como donos, procedendo à colocação, a expensas suas, dos equipamentos em falta.

Sucede que, tendo a sociedade C..., Lda. sido declarada insolvente por sentença proferida em 31/1/2012 e transitada em julgado em 7/3/2012, o prédio urbano permutado foi alvo de apreensão nos respectivos autos de insolvência. À data da declaração de insolvência o empreendimento não se encontrava ainda executado, faltando cerca de 10% da obra para que esta pudesse ser considerada concluída, e, consequentemente, pudessem ser obtidas as respectivas licenças administrativas finais tendo em vista, nomeadamente, a constituição da propriedade horizontal do edifício e a emissão das licenças de utilização para cada uma das facções.

Atenta a declaração de insolvência, verifica-se incumprimento do negócio celebrado com os autores, os quais, concluem, são deste modo credores da sociedade insolvente do valor fixado ao prédio, ou seja, 361.500,00 € (trezentos e sessenta e um mil e quinhentos euros), que agora reclamam, acrescidos dos respectivos juros de mora desde a data da declaração de insolvência.

Mais alegaram que na sentença que decretou a insolvência da “ C..., Lda.” foi fixado o prazo de 30 (trinta) dias para a reclamação de créditos, o qual já decorreu sem que os demandantes dele tivessem tomado atempado conhecimento. Daí a propositura da presente acção de verificação ulterior de créditos, à qual deverá ser aplicado o Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, com a última alteração legislativa publicada pelo Decreto-Lei 185/2009, de 12 de Agosto.

* Citados os RR, contestou a credora C..., tendo invocado, para o que aqui releva, a intempestividade da acção proposta, por lhe ser aplicável o prazo estabelecido na al. b) do n.º 2 do art.º 146.º do CIRE, na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, conforme decorre do disposto no art.º 297.º do Código Civil.

* Os AA responderam à excepção invocada, pugnando pela sua improcedência, após o que foi proferido despacho que, no conhecimento da mesma, julgou caducado o direito dos AA, absolvendo os RR do pedido formulado.

Irresignados, apelaram os AA da decisão proferida e, tendo apresentado as suas alegações, remataram-nas com as seguintes conclusões: 1.ª- A sentença de declaração de insolvência proferida nos presentes autos transitou em julgado em 07/03/2012, no âmbito do Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, com as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei 185/2009, de 18 de Agosto, tendo sido nessa altura que se constituiu na esfera jurídica nos Autores o direito de reclamação do seu crédito.

  1. - Na esteira do Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, com as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei 185/2009, de 18 de Agosto, o prazo de caducidade da acção de verificação ulterior de créditos era de 1 (um) ano.

  2. - Com o devido respeito, tendo no caso sub judice o trânsito em julgado ocorrido na vigência do Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, com as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei 185/2009, de 18 de Agosto, também terá de se entender, salvo o devido respeito por opinião contrária, que é no âmbito da mesma legislação que se constituiu o direito de os Autores, e qualquer outro credor da sociedade insolvente, no prazo de um ano intentarem a acção de verificação ulterior dos seus créditos.

  3. - Estando aqui em causa um prazo de caducidade, dúvidas não restam que estamos perante uma questão de direito substantivo, e não meramente perante uma questão de direito adjectivo ou processual – tendo vindo a ser esse o entendimento unânime, quer da jurisprudência, quer da doutrina –, ao contrário do que foi decido pelo tribunal “a quo”.

    Senão vejamos, 5.ª- O trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência proferida nos presentes autos constituiu na esfera jurídica dos ora recorrentes uma situação ou posição jurídica de garantia, gerada no âmbito do Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, com as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei 185/2009, de 18 de Agosto, relativamente a qual os ora recorrentes, ou qualquer cidadão, têm, e sempre tiveram, a legítima expectativa de não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos.

  4. - Ora, no nosso modesto entendimento, e salvo o devido respeito por opinião contrária, com o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência foi criado na esfera jurídica dos Autores um direito subjectivo, ou seja, um “poder conferido pela ordem jurídica a um sujeito para tutela de um seu interesse juridicamente relevante, isto é, merecedor de tutela de direito.” 7.ª- Assim, a questão prende-se em saber se a nova normação jurídica, entenda-se, a Lei 16/2012, de 29 de Abril, “tocou de forma desproporcionada, desadequada e desnecessariamente dimensões importantes nos direitos fundamentais, ou se o legislador teve o cuidado de prever uma disposição transitória justa para as situações em causa.” 8.ª- Se atentarmos ao facto de o escopo do processo de insolvência ser a protecção dos credores, não é indiferente o exercício de um direito subjectivo como aquele que se gera na esfera jurídica dos ora recorrentes, e dos demais cidadãos, mormente a reclamação dos seus créditos, pois é precisamente para assegurar o exercício desse direito que o processo de insolvência existe.

  5. - Desta feita, não podem os Autores conformar-se com a decisão proferida, por a mesma, no nosso entender, e com o devido respeito, que é muito, ser violadora do mais elementar e primordial direito no âmbito do processo de insolvência, sem o respeito do qual se verifica um completo esvaziamento do seu desígnio.

  6. - É verdade que a nova lei, a Lei 16/2012, de 29 de Abril, não consagra uma disposição transitória, mas tal facto, atento o que fica dito, e ainda o princípio constitucional da protecção da confiança e da segurança jurídica, elementos essenciais do princípio do estado de direito, é violador da lei constitucional, violando os mencionados princípios constitucionais.

  7. - Acresce que também é violado, no nosso entendimento, o princípio da igualdade, porquanto não gera a mesma igualdade entre credores, ou seja, direitos que foram adquiridos por todos os credores da sociedade insolvente à luz de uma determinada lei (entenda-se Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, com as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei 185/2009, de 18 de Agosto), têm que ser respeitados pelas novas leis que venham a substituí-la, sob pena de todos adquirirem o mesmo direito na vigência de uma lei, mas nem todos o podem exercer da mesma maneira em virtude do surgimento de uma nova lei.

  8. - Somos do entender que por imperativo de justiça, no caso aqui em apreço, e porque se trata de processo pendente à data da entrada da nova lei, e estando ainda em causa uma questão de direito substantivo (exercício de um direito subjectivo), e ainda o propósito do próprio processo de insolvência (defesa dos interesses dos credores), que se deveria ter considerado aplicável o Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, com as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei 185/2009, de 18 de Agosto, sendo aplicável, consequentemente, o prazo de 1 (um) ano para o exercício do direito de propor a acção de verificação ulterior de créditos.

  9. - Respeitando-se, assim, os princípios constitucionais de proibição da retroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o princípio da igualdade e ainda o princípio da segurança e protecção jurídica.

  10. - Pelo que fica exposto entendemos que andou mal o tribunal “a quo”, com o devido respeito por opinião contrária, pois ao decidir como decidiu atropelou um direito adquirido pelos Autores no âmbito do Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, com as alterações...

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