Acórdão nº 313/10.3TACNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelLUÍS COIMBRA
Data da Resolução25 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1. Nos autos de Instrução com o nº 313/10.3TACNT que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede - instrução que foi declarada aberta após requerimento de abertura de instrução apresentado pela (entretanto constituída) assistente A...

, Lda. na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público em relação aos denunciados B....

, Lda. e C...

no final da fase de inquérito - após a realização de debate instrutório veio a ser proferida decisão instrutória (constante de fls. 39 a 46 destes autos de recurso em separado) que culminou com a não pronúncia do (entretanto constituído) arguido C... (dos imputados, pela assistente, crime de burla e de falsidade depoimento – sendo que em relação a este último a assistente o tinha denominado, impropriamente, crime de falsificação de documento) e com a pronúncia do arguido E... pelos crimes de falsificação de documento e burla qualificada (pronúncia esta que segue de perto o despacho de acusação que o Ministério Público já tinha deduzido contra este último arguido).

  1. Inconformada com tal decisão, na parte respeitante à não pronúncia (por qualquer dos crimes) do arguido C..., a assistente interpôs recurso finalizando a motivação com as seguintes, transcritas, conclusões: “1 - Nos autos à margem referenciados, a ora recorrente requereu a abertura da instrução relativamente ao arguido C..., contudo o Tribunal a quo proferiu despacho de não pronúncia.

    2- Ao proferir essa decisão, o Tribunal claudicou na subsunção da Lei ao caso sub judice, pois fez uma errónea interpretação e aplicação da Lei Processual Penal, bem como da Lei Penal Substantiva, mormente no que concerne, por um lado, ao disposto nos arts. 134°, 118º,120º, 126° do C.P.P. e, por outro, no estatuído nos arts. 202° a)., 217°/1, 218°/1a). 26° do C.P, respectivamente.

    PORQUANTO, 3- Da fundamentação da decisão instrutória resulta claro que o Tribunal considerou reunidos todos os elementos do tipo no crime de falsificação de depoimento, p. e. p. pelo art. 360° do C.P.

    4- Contudo, não pronunciou o arguido C..., porque considerou que a omissão da informação da faculdade de prestar depoimento - pois, in casu, aquando do seu depoimento, C... não foi advertido de que poderia não fazê-lo, atenta a relação de proximidade com o outro arguido E..., seu pai - consubstancia uma proibição de prova.

    5- Ora, no seguimento do já subscrito por uma parte substancial da doutrina jurídica, nomeadamente HELENA MOURÃO, a recorrente entende que, no ordenamento jurídico processual penal, somente a violação dos direitos fundamentais elencados no art. 32.°, n.º 8 da CRP - ou de um outro direito que, embora não pertencendo a esse elenco, seja conexo com a dignidade da pessoa humana - pode gerar uma proibição de prova.

    6- O que significa dizer que a violação de outros direitos constitucionalmente protegidos que não pertençam a esse elenco, apenas gera uma nulidade do acto violador reconduzível ao sistema geral das nulidades previstas nos arts. 118° e ss. do C.P.P.

    7- Assim, in casu, a alegada violação do art. 134.°, n.° 2 do CPP não gera uma proibição de prova e, por inerência, uma nulidade insanável, pois o que se pretende salvaguardar, neste preceito, é a protecção das relações familiares existentes entre as categorias de pessoas elencadas no art. 132° do C.P.P.

    8- Pelo que, a omissão da advertência da possibilidade de recusa de depoimento ao arguido C... gera, de facto, uma nulidade desse depoimento, porém tal nulidade encontra-se sanada, pois, nos termos da lei, deveria ter sido arguida pelo interessado, nos termos dos arts. 134°/2, 118°/1, 120º/1,2 e 3 do C.P.P.

    9- Por outras palavras, o arguido C... deveria ter arguido a nulidade do depoimento antes de ter terminado ou, no máximo, até ao encerramento do debate instrutório, o que não sucedeu in casu.

    10- Pelo que, deverá a nulidade ser considerada sanada e o depoimento valorado como prova e, assim, pronunciar-se o arguido C... pela prática do crime de falsificação de depoimento, p. e. p. no art. 360° do C.P. (a este respeito vide o Ac. do STJ de 02/04/2008, Processo n.° 08P578 e também, assim, o Ac. do STJ de 26/11/2009; Processo n.° 103/01.4TBBRG-G.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt) 11- Em conclusão, o Tribunal a quo deveria ter considerado como prova o depoimento prestado por C..., em sede de Inquérito e, em consequência, deveria tê-lo pronunciado pelo crime de falsidade de depoimento, p. e. p. no art. 360° do C.P., por existir prova cabal, nos presentes autos, de que praticou os factos integradores daquele tipo legal de crime.

    12- Por outro lado, na decisão instrutória o Tribunal a quo proferiu um despacho de não pronúncia relativamente ao crime de burla, p.e.p. nos art. 202° a). 217°/1 e 218°/1 do C.P..

    13- Contudo, pode ler-se na referida decisão “Com efeito, conforme acima exposto, não existem dúvidas que o arguido C... estava presente no momento da celebração do negócio, em 20/02/2009, data em que também foram entregues os cheques à assistente, também na presença do arguido C.... Porém, a declaração de extravio datada de 12/05/2009 referida no artigo 7 da acusação deduzida pelo MP e constante de fls. 172 foi preenchida a assinada pelo arguido E..., algo que o próprio não negou quando prestou declarações a fls. 71 nem é colocado em causa pela assistente.” 14- Na transcrição efectuada supra, torna-se claro que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei penal substantiva ao caso sub judice, designadamente no que concerne ao estatuído nos arts. 26°, art. 202° a)., 217° e 218º do C.P.

    15- Resulta claro, nos presentes autos, que o arguido C... assinou o contrato de compra e venda a prestações, estando presente no momento em que foram entregues os cheques pré-datados à assistente.

    16 - A prática destes factos, pelo arguido, reputa-se de essencial ao cometimento do tipo legal do crime de burla uma vez que estes factos determinaram o início dos actos de execução deste tipo legal de crime.

    17- Por outro lado, é pouco credível que o arguido C... não tivesse conhecimento da conduta do arguido E...pois, sendo ele gerente de direito e de facto da sociedade “ B..., Lda.”, dificilmente se podia manter alheio às questões de maior relevância na gestão da referida sociedade.

    18- Ou seja, é pouco razoável considerar que o arguido C... não teve conhecimento da falsa denúncia apresentada pelo segundo arguido, no que concerne ao extravio dos cheques pré-datados, uma vez que a mesma foi efectuada antes da renúncia à gerência por parte do arguido C....

    19- Por outras palavras, as circunstâncias do caso concreto revelam que, com toda a probabilidade, os arguidos acordaram — acordo este que deve reputar-se de, in minime, tácito — no sentido de obterem um enriquecimento ilegítimo, enganando a assistente com as declarações que prestaram no momento da celebração do contrato de compra e venda e dando origem a uma falsa denúncia por extravio de cheques, causando, deste modo, um prejuízo patrimonial elevado à assistente.

    20- Assim, no caso sub judice, encontram-se reunidos todos os requisitos necessários para que se possa aplicar as normas da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria material (A este propósito vide Ac, STJ, datado 27-06-1993, Proc. N.° 04364, consultável em www.dgsi.pt.).

    21- No caso sub judice, há uma decisão conjunta (a qual pode ser tácita e não tem de ser anterior ao início da prática dos factos que integram o tipo legal de crime), facto que se se induz por várias razões: o arguido C... estava presente no momento da celebração do contrato de compra e venda com a assistente; esse contrato de compra e venda foi assinado pelo próprio C..., enquanto gerente da sociedade B..., Lda.; o arguido C... era gerente, de direito e de facto, quando foi efectuada a falsa denúncia, pelo extravio dos cheques, sendo substancialmente maior a probabilidade deste ter conhecimento efectivo da falsa denúncia e da sua anuência à mesma, do que a probabilidade de desconhecê-la.

    22- Portanto, há o domínio funcional do facto por parte dos dois arguidos, no sentido em que cada um teve o domínio do seu contributo para o cometimento do crime de burla, sendo que a omissão dos contributos prestados por cada um dos arguidos não permitiria a consumação do crime de burla.

    23- Acresce que, o crime de burla, in casu, resulta de uma execução conjunta por parte dos arguidos C... e E... — sendo certo que, para tal, basta que a actuação de cada um dos arguidos, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável ao cometimento do crime: o primeiro assinou o contrato de compra e venda a prestações com a assistente, esteve presente no momento da entrega dos cheques pré-datados àquela e era gerente da sociedade quando foi feita a denúncia falsa pelo extravio dos cheques, o segundo entregou os cheques e fez a denúncia falsa (vide douto Ac. STJ datado 15- 09-1993, Proc. N.° 04364, consultável em www.dgsi.pt).

    24- Este entendimento é corroborado pelo facto do arguido C... ser filho de E..., pois havendo entre eles uma relação de proximidade resultante do grau de parentesco, é normal e provável que o primeiro arguido tivesse conhecimento dos assuntos da sociedade e do que lá se passava, mesmo após a sua renúncia à gerência.

    25- Acresce que o arguido C... actuou de forma livre e voluntária, tendo consciência efectiva de que as suas condutas são proibidas e punidas pela Lei Penal, facto que é corroborado pela circunstância do mesmo ter mentido quando foi prestar depoimento sobre esses factos, tal como foi supra exposto.

    26- Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter pronunciado o arguido C..., pelo crime de burla p. e. p. nos art. 202° a)., 217º e 218° do C.P., em co-autoria material, por se verificarem, in casu, os requisitos desta forma de comparticipação criminosa, tal como se encontram estabelecidos no art. 26°, 2ª parte do C.P.

    OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, POR MERA NECESSIDADE DE...

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