Acórdão nº 117/13.1T4AVR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório O autor propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum, pedindo que: a) seja declarada ilegítima e ilícita a diminuição da retribuição paga pela ré ao autor, desde Agosto de 2012, a título de cláusula 74ª, nº 7 do CCTV aplicável; b) seja declarado que a prestação auferida pelo autor, a título de cláusula 74ª, nº 7 do CCTV, à data da entrada em vigor da Lei 23/12, de 25/6, não pode ser diminuída por aplicação dessa Lei, e consequentemente ser a ré condenada a pagar ao autor a título de cláusula 74ª, nº 7 uma importância não inferior a € 393,90; c) a ré seja condenada a pagar ao autor, desde Agosto de 2012, a diferença que se apurar devida entre o liquidado mensalmente a título de cláusula 74ª, nº 7 do CCTV e a importância de € 367,80; d) a ré seja condenada a pagar ao autor juros à taxa legal, desde do vencimento das importâncias em causa até efectivo e integral pagamento.

Alega, em resumo, que sendo trabalhador subordinado da ré com a categoria de motorista profissional afecto ao serviço do transporte internacional, auferia da ré, a título de cláusula 74ª/7 do CCTV aplicável à relação de trabalho, uma quantia não inferior a € 393,90, sendo que a partir de Agosto de 2012, com fundamento na entrada em vigor da Lei 23/12, de 25/6, e das restrições por esta impostas em matéria de remuneração de trabalho suplementar, a ré reduziu aquela prestação retributiva para € 318,19, o que viola o princípio da irredutibilidade da retribuição.

A ré contestou, pugnando pela integral improcedência da acção.

Sustenta, em resumo, que a prestação retributiva prevista na cláusula 74ª/7 é, tecnicamente, remuneração do trabalho suplementar, não estando por isso abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, estando antes sujeita às reduções imperativas à remuneração do trabalho suplementar decorrentes da Lei 23/12, de 25/6.

No despacho saneador, conheceu-se do mérito da acção e proferiu-se decisão de que cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgando-se a presente acção provada e procedente decide-se: 1 - Que o montante da prestação prevista no nº 7 cláusula 74ª da da CCT celebrada entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicada no BTE, de 08-03-1980, não pode ser reduzido por força da aplicação do art. 268º do C.Trabalho, na redacção introduzida pela Lei 23/2012 de 25.6 e do art. 7º, nº 4 desta mesma Lei, sendo ilícita a redução dessa prestação feita pela R. desde Agosto de 2012.

2 - Condena-se a Ré a pagar ao Autor a esse título a quantia mensal de € 393,90 que vinha pagando, bem como a diferença entre esse valor e o montante efectivamente pago (€ 318,19) desde Agosto de 2012 até ao trânsito em julgado da decisão da presente acção.

3 - Condena-se a Ré a pagar ao Autor juros de mora sobre as quantias mensais em dívida, desde a data do vencimento de cada uma das retribuições até efectivo e integral pagamento.

”.

Do assim decidido, recorreu a ré, sustentando que a sentença recorrida “Deve ser substituída por outra que decida ter sido lícita a diminuição do valor pago ao A., Recorrido, a título de clª 74ª, nº 7 por força da entrada em vigor da Lei nº 23/2012, de 25 de Junho, com as legais consequências.

”.

Apresentou as conclusões a seguir transcritas: […] O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela integral manutenção do julgado.

A senhora Procuradora-Geral Ajunta emitiu no sentido de que o recurso deve improceder.

*Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

*II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, é a seguinte a única questão a decidir: as alterações introduzidas pela Lei 23/12, de 25/6, em matéria de pagamento de trabalho suplementar, repercutem-se ou não no cálculo do montante devido por força da cláusula 74ª/7 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no BTE, 1ª série, nº 9, de 8/3/80, com as sucessivas actualizações de que foi objecto – cfr. BTE´s nºs 18/86, 12/81, 16/82, 18/83, 18/86, 18/87, 28/88, 20/89, 19/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 e 30/97 (doravante CCTV/80).

*III – Fundamentação A) De facto Foram dados como provados os factos a seguir transcritos: “1. A R. é uma sociedade comercial anónima que se dedica à actividade de transportes nacionais e internacionais de mercadorias.

  1. O A. foi admitido ao serviço da R. em 4.3.1994, através de contrato de trabalho.

  2. Ao serviço da R., sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, o A. realiza transporte internacional de mercadorias, deslocando-se, para o efeito, para diversos países estrangeiros transportando mercadorias nas viaturas pesadas que a ré lhe adjudica.

  3. O A. encontra-se filiado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal.

  4. A Ré encontra-se filiada na ANTRAM- Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias- a qual, juntamente com a FESTRU e outras entidades, outorgou o C.C.T.V. celebrado entre a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e a ANTRAM- Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Mercadorias, publicado no B.T.E. n.º 9/80, com as alterações publicadas nos B.T.E. n.º 18/86, 20/89, 10/90, 18/91/, 25/92/, 25/93, 24/94, 20/96/ e 30/97.

  5. Para pagamento do montante previsto na cláusula 74º, número 7 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 9, de 8 de Março 1980, a R. pagava ao A. no ano de 2005, o valor mensal de € 376, 50 e, em consequência do sucessivo aumento de diuturnidades passou a ser de € 385,20 a partir de 1.3. 2006 e de € € 393,90 a partir de 1.3.2009.

  6. Com fundamento nas alterações ao pagamento do trabalho suplementar introduzidas pela Lei 23/2012 de 25 de Junho ao Código do Trabalho, a R., a partir do mês de Agosto de 2012, passou a liquidar mensalmente a Cl.ª74.ª n.º7 do C.C.T.V. pelo valor de € 318,19.

”.

*B) De direito Questão única: as alterações introduzidas pela Lei 23/12, de 25/6, em matéria de pagamento de trabalho suplementar, repercutem-se ou não no cálculo do montante devido por força da cláusula 74ª/7 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no BTE, 1ª série, nº 9, de 8/3/80, com as sucessivas actualizações de que foi objecto – cfr. BTE´s nºs 18/86, 12/81, 16/82, 18/83, 18/86, 18/87, 28/88, 20/89, 19/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 e 30/97.

+Importa, antes de mais, qualificar a prestação pecuniária devida pelos empregadores aos trabalhadores por força dessa cláusula 74ª/7, nos termos da qual “O trabalhador dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, tem direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.

”, acrescentando o nº 8 da mesma cláusula que “A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o disposto nas cláusulas 39.ª (Retribuição de trabalho nocturno) e 40.ª (Retribuição de trabalho extraordinário).

”.

É sabido que a retribuição pode decompor-se em várias parcelas (art. 262º CT), como por exemplo a retribuição-base, os subsídios anuais, o pagamento de despesas, a retribuição por maior trabalho, outros complementos não regulares, outras prestações a cargo do empregador – sobre as diferentes parcelas em que pode decompor-se a retribuição pode consultar-se, por exemplo, Menezes Cordeiro (Manual do Direito do Trabalho, 1991, pp. 723 ss), Romano Martinez (Direito do Trabalho, 2002, pp. 531 e ss), Bernardo Lobo Xavier, (Iniciação ao Direito do Trabalho, 2006, pp. 403 e ss).

É sabido, igualmente, que partindo-se da constatação de que o desempenho da profissão do motorista do serviço internacional determina, por regra, a prestação de trabalho extraordinário e nocturno de difícil apuramento e controlo, bem assim como condições especiais de penosidade, de esforço e de risco ao nível do desempenho, o nº 7 da referida cláusula 74ª prevê uma prestação pecuniária através da qual se visa: a) compensar os trabalhadores do transporte internacional pela maior penosidade, risco e esforço acrescidos inerentes à sua actividade profissional prestada no estrangeiro; b) superar a dificuldade de verificação e apuramento do trabalho extraordinário efectivamente prestado, quando prestado; c) superar a dificuldade de verificação e apuramento do trabalho nocturno prestado, quando o é efectivamente.

Por isso mesmo e tal como vem uniformemente decidindo o STJ, o pagamento de tal prestação não pressupõe uma efectiva prestação de trabalho extraordinário e nocturno, é devida em relação a todos os dias do mês, mesmo que de descanso obrigatório, de férias, feriados ou folgas, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho suplementar ou nocturno, acrescendo à retribuição base devida, sendo idêntica à que é devida aos trabalhadores, em geral, que prestem a sua actividade laborar em regime de isenção de horário de trabalho.

Não se trata, pois, de retribuição de efectivo trabalho suplementar ou nocturno, sendo que a referência a trabalho extraordinário constante...

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