Acórdão nº 100/10.9TBFZZ.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.
MM (…) intentou contra AP (…), CL (…) e CD (…), ação que intitulou de declarativa, de condenação, para prestação de facto positivo.
Pediu: -O cancelamento do registo de propriedade feito em nome dos 2º e 3º Réus na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere do prédio rústico sito em (...) concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial sob o artigo 1 (...) Secção D; - considerá-la única e exclusiva proprietária do imóvel, que veio à sua posse por herança dos seus pais, - a condenação dos Réus a pagar todas despesas, honorários, custas e procuradoria.
Alegou: Os seus pais faleceram e deixaram como herdeiras as duas filhas: a Autora e (…)A sua irmã faleceu e sucederam-lhe os 2º e 3º Réus.
Estes dois Réus constituíram o Réu AP (…) como seu procurador, e nessa qualidade instaurou o processo de inventário por óbito dos pais da Autora. Foi também o Réu AP (…) (na qualidade de procurador) que exerceu o cargo de cabeça de casal no processo de inventário onde a Autora foi representada pelo Ministério Público por desconhecer a existência desse processo.
No âmbito desses autos, o prédio rústico, sito em (...), limite da Freguesia de (...), concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial sob o artigo 1 (...) Secção D, foi relacionado sob a verba n.º8 da relação de bens, e foi adjudicado à Autora, cujo mapa de partilha foi homologado por sentença de 20/02/2006.
Contudo, na qualidade de procurador dos 2º e 3º Réus, no dia 07/11/2008 pediu que fosse lavrada uma escritura no Cartório Notarial de Tomar a favor desses Réus, fazendo constar que aquele prédio estava na posse dos seus representados há mais de 20 anos, o que sabia que não correspondia à verdade, agindo em conluio com os 2º e 3º Réus, esbulhando o património da Autora.
O prédio foi registado a favor dos 2º e 3º Réus, o que a Autora só teve conhecimento em 28/10/2009.
Contestaram os Réus.
O Réu AP (…) invocou a sua ilegitimidade para a presente acção e impugnou os factos, alegando entre o mais que na verba n.º8 da relação de bens, adjudicada à Autora, apenas estava relacionado ¼ do prédio.
A Ré Cristine Luiza Lenz pediu a prorrogação do prazo para apresentar a contestação, o que não foi admitido. A Ré interpôs recurso dessa decisão, que não foi admitido, e apresentou reclamação nos termos do art.º688.º do Código de Processo Civil, que foi indeferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Foi chamada ao processo P (…) atual proprietária do prédio.
Contestou, invocando a caducidade do direito da Autora e alegando que se encontra protegida enquanto terceiro adquirente de boa fé, pelo que não pode ser prejudicada pela declaração de nulidade e cancelamento do registo anterior.
A Autora respondeu, alegando, entre o mais, que apesar de apenas ter sido relacionado 1/3 do prédio no processo de inventário, os restantes 2/3 estavam na posse pública, pacífica e de boa fé pelos seus falecidos pais.
A Autora foi convidada pelo Tribunal para vir esclarecer qual o âmbito e extensão do direito de propriedade que invoca e pretende ver reconhecida.
Na sequência, apresentou articulado onde pediu a alteração da causa de pedir e do pedido, de tal modo que peticiona em articulado superveniente de fls. 317 a 319 o seguinte: A – Ser decretada a nulidade da venda do imóvel feita pelo 1.º Réu em representação dos 2.º e 3.º Réus à chamada; B – Serem os Réus e a chamada à demanda condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre aquele imóvel na sua totalidade e a procederem ao cancelamento dos registos quer a favor dos 2.º e 3.º Réus quer a favor da chamada; C – Ser a chamada condenada a restituir o imóvel à sua legitima proprietária, aqui Autora, o qual veio à sua posse por herança dos seus falecidos pais; D – E serem os Réus condenados solidariamente a pagar à Autora todas as despesas, honorários, custas de parte e procuradoria que a Autora teve com o presente processo.
Por despacho, tal alteração da causa de pedir e do pedido não foi admitida, por extemporânea e inadmissibilidade legal.
A Autora veio recorrer de tal despacho.
Por Acórdão proferido nestes autos, julgou-se procedente o recurso interposto pela Autora e, consequentemente, revogou-se o despacho judicial na parte em que não admitiu o articulado superveniente apresentado pela Autora anulando-se todo o processado subsequente à junção desse articulado.
Admitiu-se o articulado superveniente apresentado pela Autora em 31.01.2012.
Foi proferido despacho saneador nestes autos, tendo sido o Réu AP (…) julgado parte ilegítima nesta acção e, consequentemente, foi absolvido da instância.
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Discutida a causa foi proferida sentença na qual se decidiu: Julgar a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolver os Réus (…) da totalidade dos pedidos formulados pela Autora (…).
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Inconformada recorreu a autora.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.ª O douto Tribunal “a quo” ao improceder o pedido da ora recorrente violou de forma frontal o seu direito e, maxime, a verdade material e correspondente Justiça; 2.ª Apesar de a Recorrente ter interposto recurso acerca da legitimidade e litigância de má-fé do 1.º Recorrido, cumpre por cautela, referi-lo novamente, isto é, o mesmo é parte interessada no caso sub judice, dado que o mesmo foi o mentor de toda este ardiloso artifício para obter vantagens económicas em detrimento e prejuízo manifesto para com o direito da ora Recorrente; 3.ª O 1.º Recorrido utilizou o instituto da procuração e da sua forma para contornar qualquer tipo de responsabilidade adveniente pela ilegalidade que conscientemente e intencionalmente realizou; 4.ª Dado que, sempre soube mesmo antes de estar em representação dos Recorridos, por ter sido cabeça-de-casal no processo de inventário que correu termos no Tribunal, que esse mesmo prédio em causa foi atribuído á ora recorrente; 5.ª Prestando para o efeito falsas declarações as quais foram alvo de um processo-crime que decidiu pela sua condenação conforme resulta do supra exposto; 6.ª No fundo, o 1.º Recorrido utilizou a norma legal com a intenção contrária àquela que ela visa proteger, manietando assim, o sentido (ratio e telos) axiológico normativo da norma, in casu, do instituto da procuração; 7.ª Comportamento esse adoptado pelo 1.º Réu – o ora Recorrido – que consubstancia um abuso do direito previsto no Art. 334.º CC; 8.ª Assim sendo, o 1.º Recorrido adoptou consciente e volitivamente sempre um comportamento contrario ao direito e à Justiça através da utilização de mecanismos processuais, nomeadamente, a ilegitimidade e, maxime, por faltar sempre a verdade que sempre conheceu – litigante de má-fé, Art. 456.º n.º 2 e 519.º n.º 1 CPC; 9.ª Porque não os poderia ele desconhecer e desconsiderar os factos em causa por ser manifesto que sempre teve total e esclarecido conhecimento dos mesmos; 10.ª Situação essa, que só foi possível em conluio com os outros Recorridos que nem, note-se, tinham conhecimento do prédio em causa dado os mesmo residirem nos EUA; 11.ª Por outro lado, diríamos nos que se nos apresenta como a salvo de qualquer erro de interpretação, salvo por melhor douta opinião contrária, de que a ora Recorrente pretendeu e pretende conforme o demonstrou de pedir o respectivo cancelamento do registo efectuado pelos Recorridas ilicitamente; 12.ª Com efeito, tal traduz-se, por consequência imediata, no reconhecimento da inexistência do direito alegado ilegalmente pelos Réus os ora Recorridos; 13.ª Por sua vez, no que concerne ao reconhecimento do direito em causa [peticionado na alínea b) do petitório da PI] tal significa que o que é efectivamente peticionado aí é única e exclusivamente o da aquisição originária da restante área do prédio melhor identificado supra por parte da Recorrente: 14.ª Assim sendo, diríamos nós que a validade do direito e a substancia deve sempre prevalecer sobre a forma; 15.ª Pelo que, é convicção da Recorrente que estamos in casu sim diante um vício de substancia e não de resisto e como tal a venda feita a terceiros não lhes aproveitaria a boa-fé, por a mesma se enquadrar no n.º 2 do Art. 291. CC; 16.ª Destarte, após a dissecação dos requisitos expostos e da adequada e correcta interpretação das normas legais e defesa da validade do ius, salvo por melhor douta opinião contrária, deve («dever-ser») o mui distinto Tribunal em face do caso sub judice dar uma resposta positiva por não restarem dúvidas e por estarem reunidos os pressupostos que validam e reconhecem o efectivo direito da ora Recorrente; 17.ª Por último, sem poder deixar de o manifestar novamente conforme supra já referido em sede de Questão Previa (II.) ao admitir que o 1.º Recorrido participasse na Audiência e Julgamento da qualidade de Testemunha mesmo sabendo que a respectiva ilegitimidade passiva foi colocado posto tempestivamente em crise através do respectivo recurso interposto; 18.ª Tal, importará uma vicissitude de toda a Audiência de Julgamento que no final da linha poderá resultar na nulidade do mesmo, circunstância essa que se argui e invoca para todos os efeitos legais.
Contra-alegaram os réus pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes, essenciais, argumentos: I) Como questão prévia às presentes contra-alegações cumpre apenas referir que na fundamentação da sentença em apreço o douto tribunal faz menção a um registo da presente acção o qual, na verdade, não existe, conforme se pode comprovar pela consulta da certidão do registo predial, junta aos autos em sede de audiência de julgamento. Assim sendo...
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