Acórdão nº 92/13.2TBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução28 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No Tribunal Judicial da Lousã, A..., Lda., com sede na ..., Lousã, instaurou contra EP – Estradas de Portugal, S.A.

, com sede na Praça da portagem, em Almada, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo, pedindo a final a condenação da demandada a indemnizá-la “por todos os danos emergentes da apropriação ilícita dos prédios descritos no artigo 12º da PI, danos esses que se traduzem, globalmente considerados, na privação temporária do uso pleno do estabelecimento da A. e na sua posterior relocalização, com todos os custos e encargos inerentes, directa ou indirectamente elencados a PI, em quantia sempre superior a 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros), montante a que acrescem os juros de mora devidos, calculados à taxa legal supletiva de juros civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

Em fundamento alegou, em síntese, que corre termos no Tribunal Judicial da comarca da Lousã sob o n.º 917/08.4TBLSA processo de expropriação, sendo expropriante a aqui ré e expropriados A... e mulher, o qual tem por objecto a parcela n.º 24, com a área total de 1756 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia da Lousã, inscrito na matriz da mesma freguesia sob os artigos 3844 e 3846. Sucede, porém, que no decurso do referido processo expropriativo a demandada, sem o seu consentimento e fazendo uso de maquinaria pesada, procedeu, no início de Março de 2010, à demolição de dois armazéns implantados naquele prédio, os quais se encontravam inscritos na matriz urbana da sobredita freguesia sob os artigos 9029.º e 4936.º. Tais imóveis, que não se encontravam abrangidos pela declaração de utilidade pública, pertenciam à demandante, que os adquirira por usucapião, que expressamente invoca, e neles instalara estabelecimento, o qual explorava no âmbito da sua actividade de carga e descarga, montagem e comercialização de pneus, assim como de mudança/venda de óleos e venda de derivados petrolíferos vários, entre outros produtos.

Mais alegou que na sequência da referida demolição a ré passou a fazer uso da área assim desocupada, aí tendo montado o seu estaleiro e procedendo ao alisamento de terras, privando temporariamente a demandante do uso do estabelecimento que nos demolidos armazéns instalara e explorava, obrigando a relocalizá-lo, com o que sofreu os prejuízos cujo ressarcimento reclama.

A ré contestou arguindo, além do mais, a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal por entender que as acções, como a dos autos, destinadas a efectivar a responsabilidade civil da EP – Estradas de Portugal, S.A. com fundamento em exercício abusivo das suas funções de administração e gestão do património do Estado, no caso, a condução de processo expropriativo, e na qualidade de dona da obra pública cuja realização determinou a ocupação de áreas para além das expropriadas, são da competência dos tribunais administrativos.

A autora replicou, pugnando pela improcedência da excepção, defendendo ter radicado a pretensão material que formula no instituto da “via de facto”, o qual assenta na violação ilícita, ao arrepio de qualquer acto ou decisão administrativa, de direitos privados de conteúdo patrimonial, encontrando-se subtraídos à jurisdição administrativa conforme vem sendo tradicionalmente decidido, tendo identificado jurisprudência conforme à tese por si defendida.

Em sede de prolação do despacho saneador a Mm.ª juíza julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta daquele Tribunal Judicial da Lousã e, fazendo apelo ao disposto nos artigos 101.º, 105.º, n.º 1, 493.º, nºs 1, e 2, 494.º, alínea a), 495.º e 510.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil, absolveu a ré da instância.

[1] Inconformada, recorreu a autora e, tendo produzido alegações, rematou-as com as seguintes necessárias conclusões, que se transcrevem: “1.ª- O despacho de fls., debalde douto, deve ser revogado.

  1. - 2. O Tribunal “a quo” fez uma errada subsunção normativo-legal da factualidade articulada na PI de fls. – i.e., da causa de pedir – concluindo, sem fundamento, pela competência da jurisdição administrativa, em detrimento da competência da jurisdição comum.

  2. - Com todo o devido respeito pelo Tribunal recorrido – que muito é –, cremos que esta decisão poderia ter sido evitada se tivesse sido levada em linha de conta a argumentação expendida pela A. em sede de réplica e, em particular, a jurisprudência recenseada nesse articulado de fls.

  3. - Isto porque, o que está em causa é saber se, à luz da composição factual emergente da causa de pedir, estamos, ou não, perante um caso de “via de facto”, a cair no âmbito material de competência dos Tribunais Comuns (o que o Tribunal recorrido, aparentemente, não nega…), 5.ª- Ou se, inversamente, estamos perante uma hipótese de responsabilidade civil extracontratual do Estado ou de entes públicos equiparados (nos quais, reconhecidamente, cabe a R.), caso em que, como é pacífico, a competência material é dos Tribunais Administrativos.

  4. - Ora, com todo o devido respeito, atendendo à forma como a relação material controvertida é configurada na PI de fls. – ponto de partida obrigatório da avaliação material a fazer –, filtrada à luz da mais recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores (de ambas as jurisdições), dúvidas não temos de que o Tribunal Judicial da Lousã (e, por conseguinte, a jurisdição comum) é materialmente competente para o litígio em causa.

  5. - E, para o dizermos, comecemos pela argumentação expendida pelo Tribunal recorrido (posto o que, compulsaremos a argumentação aduzida na réplica de fls., que o Tribunal “a quo” desconsiderou olimpicamente, não lhe dedicando, sequer, umas vagas linhas…).

  6. - O Tribunal “a quo”, após um longo excurso puramente teórico e de formulação exclusivamente abstracta, entende – com fundamento em douto Acórdão do STJ, de 19.03.1998 (ver sentença de fls.) – que, para se verificar uma situação de via de facto, importa que ocorram, cumulativamente, três condições: A existência de uma actividade material de execução por parte da Administração; Que daquela actividade material resulte um grave atentado a um direito de propriedade do particular; Que a referida actuação da Administração enferme de uma ilegalidade de tal forma flagrante, grave e indiscutível que seja “manifestamente insusceptível de ser referida ao exercício de um poder pertencente à Administração” (cfr. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, págs. 172 e sgs. – acórdão citado).

  7. - Ora, considera o Tribunal recorrido – embora sem o fundamentar convenientemente, dentro da linha de argumentação abstracta que percorre a sentença de fls. – que este último pressuposto não se verifica.

  8. - Ou seja, que não estamos perante uma ilegalidade grave e indiscutível, manifestamente insusceptível de ser reconduzida ao exercício de um poder de natureza pública (i.e., à função administrativa).

  9. - E quais são, nessa matéria, os concretos argumentos do Tribunal recorrido? 12.ª- Diz o Tribunal “a quo” que “No caso vertente, estão em causa eventuais danos causados à autora na sequência de processo expropriativo necessário à execução da obra da EN 236 – ligação à Lousã (cfr. artigo 3.º da petição inicial), levada a efeito pela ré.”.

  10. - Depois de uma análise (sempre…) abstracta da configuração jurídica da Estradas de Portugal – e dos poderes que lhe estão conferidos pelo Estado –, conclui o Tribunal recorrido que “Do exposto resulta que as acções e omissões da ré são reguladas por disposições e princípios de direito administrativo. Por outro lado, seguindo de perto o entendimento perfilhado no citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.03.2004, a conduta da ré não configura “via de facto”, por não se verificar o terceiro requisito, ou seja o de a conduta ser “manifestamente insusceptível de ser referida ao exercício de um poder pertencente à Administração”.

  11. - Ora, quanto ao 1º argumento, como é evidente, nem todas as acções e omissões da R. são reguladas por normas de direito público (dada a sua configuração de empresa de capitais públicos, integrada no sector empresarial do Estado, a EP desenvolve a sua actividade tanto com recurso a poderes de autoridade, e no âmbito da gestão pública, como nas estritas vestes de um agente económico privado).

  12. - Quanto ao 2º argumento, apenas podemos concluir, dada a singeleza do raciocínio, que o Tribunal “a quo” se “colou” ao sobredito Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3.03.2004.

  13. - O que, em nosso modesto entender, sempre seria possível se a situação aí apreciada fosse materialmente equiparável àquela apreciada nestes autos.

  14. - Todavia, lido atentamente tal Aresto, verifica-se que a hipótese aí apreciada consiste na verificação de danos colaterais em propriedade privada, na sequência dos trabalhos de construção desenvolvidos ao abrigo – et pour cause – dos poderes públicos delegados pelo Estado na Estradas de Portugal (no então ICOR).

  15. - Mais concretamente, com danos em habitação decorrentes da trepidação causada por trabalhos de movimentação de terras.

  16. - Hipótese que não coincide com a do caso dos presentes autos.

  17. - A situação “sub iudice” é, prosaicamente, a seguinte: a entidade expropriante, por si ou por intermédio de concessionário, ocupa prédio não abrangido (formalmente) pelo título legalmente habilitante da expropriação, a DUP 12.

  18. - Ou seja, e sempre considerando a forma como a causa de pedir está articulada, a R. viola o direito de propriedade da A., sem título legal para o efeito.

  19. - Ora, a moderna jurisprudência – note-se que os dois Arestos que sustentam, em suma, a posição do Tribunal recorrido têm mais de 9 anos – considera, sem sombra de dúvidas, que a ocupação ilegítima, por entidade pública, e ainda que no âmbito de processo de expropriação legalmente autorizado, de terreno não incluído na DUP (ou seja, excesso de expropriação), configura uma situação de via de facto.

  20. - Donde, uma situação que...

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