Acórdão nº 32/12.6TBSRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelLUIS CRAVO
Data da Resolução11 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO A “MASSA INSOLVENTE DE M (…)” intentou a presente acção declarativa de condenação de Impugnação Pauliana, sob a forma de processo ordinário contra M (…) e J (…) , ambos residentes na Rua (...), Proença-a-Nova, pedindo a declaração de nulidade e ineficácia das doações efectuadas pela primeira ré ao segundo réu em 16/10/2009 e 11/11/2008, bem como o cancelamento dos registos efectuados a favor do 2º réu.

Para tanto, alega que a 1ª ré foi declarada insolvente, por decisão transitada em julgado no processo nº 574/10.8TBSRT, e que a mesma, por escritura de doação de 16/10/2009, doou ao 2º réu, com ela casado no regime de separação de bens, uma fracção autónoma sita em (...), Almada e ¼ de uma fracção autónoma sita na freguesia da (...), Albufeira; além disso, por escritura de 11/11/2008, a 1ª ré doara ao 2º réu um prédio rústico sito em (...), Proença-a-Nova e as metades indivisas de 4 prédios rústicos, três deles sitos em Proença-a-Nova e um em Vila Velha de Ródão; os réus pretenderam dissipar todo o património pessoal da 1ª ré, de forma a que o mesmo não viesse a responder pelo seu passivo, sendo conhecedores de que a 1ª ré se encontrava incapaz de solver pontualmente os seus compromissos, desta forma prejudicando os credores.

* Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, alegando, em síntese, que a autora não alega as dívidas e o seu montante, nem as datas da sua constituição, tão pouco alegando que os actos impugnados impossibilitam o cumprimento de uma qualquer obrigação concreta, pelo que devem ser absolvidos do pedido; a não ser assim, a ré não era devedora principal em qualquer das obrigações que conduziram à sua insolvência, não tendo contratado qualquer dívida para si própria, derivando a situação das funções que desempenhou como gerente nas empresas “(…), Lda.”, ambas declaradas insolventes; quanto às doações, o prédio sito na (...) só foi adquirido em nome da ré por esta ter menos idade e ser mais fácil e barata a obtenção de crédito, tendo na verdade sido o 2º réu quem fez a compra e pagou, designadamente o sinal de 15.000 euros, bem como os custos da escritura, tendo também sido ele que tem pago as prestações, respeitantes ao financiamento da fracção autónoma, donde, na verdade, era o 2º réu o real proprietário do prédio; já quanto ao prédio da (...), o mesmo foi adquirido pela família do 2º réu, tendo sido este quem sempre liquidou todas as prestações; no que respeita à outra doação, a mesma constituiu na verdade uma dação em pagamento, pois o 2º réu fizera financiamentos às sociedades cuja insolvência foi declarada, em montantes elevados, sendo certo que os credores das sociedades são os mesmos da massa insolvente que ora é autora.

* Foi elaborado despacho saneador, no qual se considerou existir erro na qualificação jurídica do pedido, por se tratar de impugnação por parte da massa insolvente, que determina, nos termos dos artigos 120º e 121º do CIRE, que o pedido deveria ser o de resolução dos actos praticados em benefício da massa insolvente, nada obstando a que o Tribunal, na decisão, proceda à condenação nesses termos e não nos peticionados, nos termos do artigo 664º do C.P.Civil.

No mais, foi a instância considerada válida e regular, e foi efectuada a selecção da matéria de facto, que não foi objecto de reclamação.

* Foi interposto recurso relativamente à consideração da irregularidade do pedido e da sua modificabilidade na decisão final, recurso que não foi admitido, por se ter considerado só caber recurso nesses termos quando interposto da decisão final.

* Procedeu-se à audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, sendo que à matéria de facto da base instrutória respondeu-se nos termos constantes do despacho de fls. 202-204, que não foi objecto de reclamação.

* Na sentença, considerou-se, em suma, como “questão prévia”, que não se afigurava possível considerar, nos termos do art. 664º do C.P.Civil, que o pedido a ter em conta era o de resolução e não o de anulação ou ineficácia (que eventualmente resultariam da impugnação pauliana) que fora formulado na p.i., face ao que havia que apreciar esse pedido no âmbito da impugnação pauliana, mas nesse caso resultava manifesto que o administrador de insolvência não tinha legitimidade para a respectiva propositura, pelo que, sendo como era a ilegitimidade de conhecimento oficioso, se concluiu no sentido da julgar verificada a ilegitimidade da autora e, consequentemente, absolveu-se os RR. da instância.

* Inconformada, apresentou a Autora recurso de apelação, que finalizou com as seguintes conclusões: «A. Concordamos com a douta sentença, pelo que em apreciação está efectivamente o pedido no âmbito da impugnação pauliana, o que efectivamente sempre se pretendeu.

  1. O conceito de legitimidade processual afere-se pela regra comum e geral contida no artigo 30º do NCPC, segundo o qual “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.

  2. Na consideração do exposto, configura-se genericamente, que com a declaração da insolvência, os poderes de administração e disposição passam para o administrador da insolvência, para todos os efeitos de carácter patrimonial, competindo a este a representação do devedor, como decorre do disposto no artigo 81º n.º 1, 4 e 5 do CIRE.

  3. Nos termos do artigo 17º do CIRE, o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código, pelo que, facto da massa insolvente e/ou Administrador ter intentando acção pauliana, não configura um acto ilegítimo, nem contrário, ao espírito do CIRE.

  4. Salvo melhor opinião e tendo em consideração o caso concreto, o elemento literal não será o único a ter em consideração numa interpretação da lei: “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” – artigo 9.º do C. Civil.

  5. A questão fundamental que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, prevendo a lei a resolução dos actos em benefício da massa, tendo em consideração os prazos ali previstos, esgotados que sejam os mesmos, mas considerando o prazo do artigo 618º do C. Civil (5 anos), continua ou não a ser possível o recurso à acção de impugnação, para se obter a ineficácia do acto em benéfico dos c credores da massa insolvente.

  6. Não nos parece adequado o entendimento de que o recurso à acção de impugnação pauliana fique reservado, para os casos em que se encontram esgotados os prazos da resolução...

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