Acórdão nº 693/09.3TBVNO.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 14/05/2009[1] a empresa M…, Lda.

(A. e Apelada no contexto deste recurso) demandou F… e mulher, Â… (1ºs RR. e aqui Apelantes) e J… (2º R. e, em conjunto com os outros RR., também Apelante)[2] fazendo actuar relativamente a estes o mecanismo da impugnação pauliana, nos termos do artigo 610º do Código Civil (CC), visando a venda pelos 1ºs RR. ao 2º R., na pendência de uma execução instaurada pela A. contra esses 1ºs RR., de um prédio urbano sito no lugar de …, correspondendo este imóvel à casa dos 1ºs RR. e, praticamente, ao único bem destes susceptível de penhora[3]. Em função disto, considerando a A. ter essa venda (entre familiares próximos) visado a subtracção do imóvel ao alcance executivo dela como credora, no quadro de uma execução já pendente ao tempo da venda, em função de tudo isto, dizíamos, formulou a A. o seguinte conjunto de pedidos: “[…] [Ser] 1º - Declarada ineficaz, em relação à A. e na medida dos seus interesses, a transmissão da propriedade do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … e inscrito na matriz respectiva sob o artigo …, operada pela escritura junta sob o doc. 18; 2º - Declarado o direito de a A. obter a satisfação integral do seu crédito à custa deste imóvel dos RR., podendo executá-lo e praticar os actos de conservação e garantia patrimonial autorizados por Lei; 3º - Declarado ineficaz em relação à A. o registo de transmissão do mencionado prédio a favor do R. referido em B, operado pela inscrição G, Ap. 18 de 2005/06/06, por forma a ser garantido o crédito da A. e apenas na medida deste.

[…]”.

1.1.

Contestaram os RR. esgrimindo os mesmíssimos argumentos[4], afirmando a ausência de qualquer propósito de subtracção do imóvel ao alcance executivo da A. Paralelamente, na única especificidade de uma das contestações, invocou o 2º R. a respectiva ilegitimidade por estar desacompanhado da sua mulher, R..

. O chamamento desta, desencadeado pela A., foi admitido a fls. 217.

1.2.

Entretanto, foi o processo saneado e condensado na audiência preliminar documentada a fls. 133/139, fixando-se na base instrutória (fls. 138) como único “tema de prova”, em vista do ulterior julgamento, a seguinte asserção – aí formulada interrogativamente: “[o]s RR. celebraram a escritura referida em F), com o propósito de retirar o prédio aí identificado da esfera patrimonial dos 1ºs RR. e evitar que o mesmo respondesse pelo pagamento da dívida à A.?”.

1.3.

Mais tarde, a culminar o julgamento, e depois de neste ter sido fixada a matéria de facto por referência ao único ponto da base instrutória – o que se resumiu à formulação de uma resposta positiva ao tal quesito único a fls. 263[5] – foi proferida a Sentença de fls. 266/276, correspondendo esta à decisão objecto do presente recurso, julgando ela a acção procedente no que respeita à impugnação pauliana[6].

1.4.

Inconformados, recorreram os RR. formulando, a rematar a motivação do recurso, as conclusões que aqui se transcrevem: “[…] II – Fundamentação 2.

Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) – ou, se se entendesse aplicável o Novo CPC, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º deste[7]. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo, em qualquer dos casos, o artigo 660º, nº 2 do CPC, ou o artigo 608º, nº 2 do Novo CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Lendo as conclusões compreende-se que o recurso incide sobre a matéria de facto que se expressa no trecho desta fixada a culminar a audiência de discussão e julgamento, através da resposta positiva ao quesito único. Atacam os Apelantes, pois, essa asserção de facto – “[o]s RR. celebraram a escritura referida em 6.º com o propósito de retirar o prédio aí identificado da esfera patrimonial dos 1ºs RR. e evitar que o mesmo respondesse pelo pagamento da dívida à A.” (item 8 dos factos) –, criticando o processo justificativo empregue pela Exma. Julgadora, nos termos em que o mesmo foi expresso no despacho de fundamentação de fls. 262/264, no quadro justificativo previsto na parte final do nº 2 do artigo 653º do CPC ([…] analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”).

Daí que, na compreensão do sentido do recurso, assuma um papel central a referência, que efectivamente é enfatizada pelo despacho de fundamentação, à prova da asserção positivamente afirmada como decorrente da actuação de uma presunção judicial estabelecida – estabelecida pela Julgadora nos termos dos artigos 349º e 351º do CC – através da correlação de diversas incidências de facto (a pendência da execução ao tempo da venda; tratar-se fundamentalmente de uma venda entre irmãos, etc.). Ter-se-ia alcançado o facto afirmado com a resposta positiva ao quesito, por via do relacionamento dessas incidências de natureza indiciária e, enfim, é esta construção lógica que os Apelantes contestam através do recurso, competindo a este Tribunal controlar esse elemento da dinâmica da prova, enquanto factor que foi determinante, por via da fixação de determinados factos, da afirmação de estar integrada a facti species do artigo 610º do CC.

Resumindo as coisas, dir-se-á constituir fundamento único do recurso – e aqui o enunciamos como tal – o controlo da presunção judicial que permitiu fixar, por projecção lógica de determinados factos primários directamente reconhecidos e inquestionavelmente estabelecidos no processo – que são os indicados no despacho de fls. 262/264 –, um facto sequencial inferido daqueles (obtido fundamentalmente por probabilidade indutiva), correspondente à asserção de terem os 1ºs RR. celebrado a escritura de venda do imóvel a um familiar com o propósito de retirar esse imóvel da respectiva esfera patrimonial (da dos 1ºs RR.), evitando que o mesmo respondesse pelo pagamento da dívida à A.

É nesta questão que se encerra o tema do presente recurso, sendo evidente não adiantarem os Apelantes qualquer alternativa de julgamento – que, aliás, nem existe com um mínimo de consistência jurídica – que passe pela manutenção do trecho dos factos (o item 8º do rol que já de seguida será transcrito) que contém a asserção que indicámos. Tudo se resume, pois, ao controlo por esta instância desse facto, sendo que só através do afastamento dele os Apelantes aspiram a um julgamento-outro da acção, no sentido da improcedência. 2.1.

Como ponto de partida importa aqui indicar os factos fixados na primeira instância, incluindo, devidamente assinalado a itálico, o tal facto 8º impugnado pelos Apelantes: “[…] 1.º Em 18-03-2004, a A. instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, no valor de €41.114,64, a correr termos no 1.º Juízo deste Tribunal Judicial, sob o n.º …, contra a sociedade ‘U…, Lda.’ e os 1ºs RR., dando à execução uma letra de câmbio, aceite por aquela sociedade e avalizada pelos 1ºs RR. (cfr. certidão judicial de fls. 25 a 47, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido) – alínea A) dos...

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