Acórdão nº 1246/11.1TBVIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução20 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

O exequente, B…, SA, impugna, por recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, proferida no dia 28 de Outubro de 2013, que – depois de declarar que o requerimento executivo não está afectado de ineptidão e improcedente a excepção de falta de título executivo - julgou – por o título padecer de nulidade – a oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, deduzida por A… e por C…, Lda. totalmente procedente e determinou a extinção da execução.

A recorrente – que pede no recurso a revogação desta sentença e a sua substituição por outra que julgue totalmente improcedente a oposição deduzida – encerrou a sua alegação com estas conclusões: … Não foi oferecida resposta.

  1. Factos provados.

    … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito do recurso.

    O âmbito do recurso é, antes de mais, delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e, dentro do objecto do processo, com observância dos casos julgados formados na acção, pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (artº 635 nº 3 do CPC). Finalmente, o âmbito do recurso poder limitado pelo próprio recorrente (artº 635 nº 2 do CPC). Esta restrição pode ser realizada no requerimento de interposição do recurso ou nas conclusões e, neste último caso, tanto pode ser expressa como meramente tácita (artº 635 nº 4 do CPC).

    O título que serve de fundamento à execução é legalmente qualificado como livrança na qual a exequente e os executados C…, Lda. e A… figuram nas posições de tomador, subscritor e avalista, respectivamente (artº 75 da LULL).

    Ambos os executados contestaram, mas em processos autónomos, a execução, com fundamento, designadamente, em que o teor das cláusulas do contrato de locação financeira não foi comunicado à executada C…, Lda., nem tão pouco aos avalistas, nem lhes foi explicado o sentido desse contrato, nomeadamente não lhe foram explicadas as cláusulas 19º e 20º.

    As duas oposições foram apreciadas, conjunta e concentradamente, na sentença impugnada e ambas, com fundamento em que não inexistindo acordo ou pacto de preenchimento, por exclusão das respectivas cláusulas, o título padece de nulidade - por não se ter apurado que as cláusulas 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º das Condições Gerais tenham sido explicadas à sociedade executada e/ou aos executados, falta de comunicação que tem particular implicação desde logo à cláusula vertida no ponto 23º Garantias e bem assim as vertidas nos pontos 19 e 10 para que remetem as condições particulares – foram julgadas procedentes.

    Apesar de a dado passo das conclusões a recorrente invocar a contradição em que entra a decisão impugnada, uma vez que considera o depoimento da testemunha J… credível para posteriormente o desvalorizar totalmente, temos por certo que a impugnação da recorrente não tem também por objecto a decisão da questão de facto. Mas ainda que fosse o caso, sempre se imporia a rejeição imediata, nessa parte, do recurso, dado que é patente que a recorrente não satisfez o ónus de impugnação dessa matéria a que lei é terminante em vinculá-la (artº 640 nºs 1 e 2 do CPC).

    Por último, o tribunal recorrido – por ter concluído pela nulidade da livrança que serve de título executivo – deixou de se pronunciar sobre outros fundamentos de oposição alegados pelo executado, pela circunstância de a sua apreciação ter ficado prejudicada por aquela conclusão. Caso se deva concluir pela inexactidão dessa mesma conclusão e, portanto, que a sentença deve ser revogada, importa proceder à apreciação dos fundamentos de oposição julgados prejudicados, dado que o processo fornece, para esse conhecimento, os elementos necessários (artº 665 nº 2 do CPC). Está nessas condições, designadamente a da revogação, por mútuo acordo, do contrato de locação financeira, Maneira que, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e das alegações da recorrente, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se o título que serve de suporte à execução é, ou não extrinsecamente exequível.

    A resolução desta questão exige que se examine, ainda que levemente, o regime do contrato de locação financeira, designadamente, no tocante às formas da sua cessação, o âmbito subjectivo dos deveres de comunicação e de informação que vinculam o utilizador de cláusulas contratuais gerais e as consequências jurídicas da sua violação, os requisitos da livrança em branco, o conteúdo da obrigação do avalista e os pressupostos da violação do pacto de preenchimento e as consequências dessa violação.

    3.2.

    Contrato de locação financeira, âmbito subjectivo do deveres de comunicação e de informação que vinculam o utilizador de cláusulas contratuais gerais e consequências jurídicas da sua violação.

    Em face da matéria de facto apurada na instância recorrida, tem-se por certo que entre a exequente – ou melhor, entre uma sua antecessora – e a executada C…, Lda. foi concluído um típico e nominado contrato de locação financeira de coisa móvel.

    Designa-se locação financeira[1] o contrato – comercial – pelo qual uma das partes – locador – se obriga, mediante a remuneração, a ceder à outra – locatário – o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirido para o efeito a um terceiro – fornecedor – ficando o último investido no direito de a adquirir em prazo e por preço determinados (artº 1 do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho).

    Através deste contrato típico e nominado, uma entidade, o locador financeiro – adquire o bem para o ceder em locação a outra entidade – o locatário financeiro – mediante uma renda, por um determinado período, findo o qual cabe ao locatário, se o entender, adquirir o bem por um valor residual[2].

    A locação financeira é um instrumento de financiamento bancário, com evidentes vantagens, para o locador, para o locatário e para o fornecedor: para o locador, dado que este conservando a propriedade da coisa durante a vigência do contrato, beneficia de uma garantia superior àquelas que usufruiu, por regra, nas demais operações creditícias; para o locatário, já que representa uma forma de financiamento integral da coisa locada, sem endividamento directo, além de diversas vantagens contabilísticas e fiscais; para o fornecedor, porque se traduz numa forma suplementar particularmente eficaz de escoamento dos bens que produz ou comercializa.

    Mas é claro que a locação tem inconvenientes, entre os quais se salienta o seu custo, mais elevado em face de outras modalidades alternativas de crédito e financiamento bancário, maxime, o empréstimo bancário.

    Na locação financeira, uma das partes – o locador financeiro concede a outra – o locatário financeiro - o gozo temporário duma coisa corpórea, em regra, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário.

    A locação financeira postula uma intervenção de três sujeitos: o fornecedor, o locador e o locatário[3]. Infere-se, daí, que ela surge em união com – pelo menos – um contrato de compra e venda. A própria locação financeira consigna, em regra, uma opção de compra a favor do locatário.

    Por força deste contrato, o locatário fica adstrito, entre outras, a esta obrigação: a de remunerar a cedência do gozo do bem, através do pagamento, no lugar e no momento convencionados, das rendas acordadas (artºs 1 e 10 nº 1 a) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho). A não realização desta prestação pecuniária é idónea, dadas certas condições, a facultar ao locador o direito potestativo extintivo de resolução do contrato (artº 17 do Decreto-Lei nº 249/95, de 24 de Junho).

    Uma das obrigações que para o locador emerge do contrato de locação financeira é a de vender a coisa ao locatário, caso este queira, findo o contrato (artº 9 nº 1 c) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho). Encarado pelo prisma do locatário, o contrato permite-lhe comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço, determinado ou determinável, nos termos convencionados, o bem locado (artº 1, in fine, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho). Trata-se de um direito e não de uma obrigação do locatário, o que explica que a cláusula que o obrigue a comprar a coisa seja nula[4]. O exercício da opção de compra exige uma declaração de vontade do locatário a tanto dirigida e o pagamento do preço, fixado ou a fixar nos termos do contrato, e não mediante o pagamento do valor de mercado do bem nesse momento, dado que remeter para o valor do mercado, sujeito, necessariamente, ao acordo do vendedor, retiraria, evidentemente, o sentido prático daquela opção de compra.

    Poderia pensar-se tratar-se aqui de uma proposta de venda – de coisa alheia como futura – por parte do locador, que o locatário poderia aceitar ou não no prazo convencionado, aperfeiçoando-se, desse modo, uma compra e venda, que operaria a transmissão do direito real de propriedade sobre a coisa do primeiro para o segundo.

    Todavia, ao falar da venda como o conteúdo de uma obrigação, é mais exacto entender que se trata antes de um contrato promessa unilateral – rectius, monovinculante - que obriga o locador relativamente ao locatário. E tratando-se de um simples contrato promessa de compra e venda, será, pois, sempre necessário, se o locatário exercer o seu direito, a celebração de novo contrato, de compra e venda, pelo preço residual, regulado pelas regras gerais deste tipo contratual[5].

    O locatário está vinculado, como contrapartida da concessão do gozo da coisa e da eventual transmissão do direito de propriedade sobre essa mesma coisa, ao pagamento das rendas e do preço, respectivamente. Face ao sistema da lei portuguesa, não parece que haja fundamento para recusar essa correspectividade, afirmando, nomeadamente, que parte da contrapartida da transmissão da propriedade do bem já está incluída nas rendas. Por duas razões: o carácter puramente eventual da compra e venda, que caso...

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