Acórdão nº 84/14.4TBNLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução20 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No Tribunal Judicial da comarca de Nelas, A... , divorciada, educadora de infância, residente na (...), em Nelas, veio instaurar contra: B... , viúvo, reformado, residente na (...), em Lapa do Lobo; C..., casado, empregado de balcão, residente na (...), a residir no sobredito lugar da Lapa do Lobo; D..., solteiro, maior, metalúrgico, residente na (...), em Lapa do Lobo; e E..., casado, carpinteiro, residente na (...), em Santa Comba, procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse e com inversão do contencioso, pedindo a final que se julgue sumariamente reconhecido que: “a) a Requerente é dona e legítima possuidora do prédio urbano sito ao “ (...)”, no lugar e freguesia de Lapa do Lobo, concelho de Nelas, formado por casa de habitação que se compõe de r/c e 1.º andar, com 4 divisões, com a superfície coberta de 160 m2, a confrontar de Norte com Herdeiros de (...), de Sul e de Nascente com caminho e de Poente com estrada, inscrito na matriz predial urbana da supracitada freguesia de Lapa do Lobo, sob o artigo n.º 2(...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas da sobredita freguesia, sob o n.º 7 (...)/20030423; b) a Requerente é dona e legítima possuidora do prédio rústico sito à “ (...)” no lugar e freguesia de Lapa do Lobo, concelho de Nelas, que se compõe de terra de mato, eucaliptal e carvalhal com a área de 8.174 m2, a confrontar de Norte com (...), de Sul com (...), de Nascente com caminho público e de Poente com Estrada Nacional 234, inscrito na respectiva matriz predial da referida freguesia de Lapa do Lobo sob o artigo n.º 9 (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, da supra citada freguesia, sob o n.º 3 (...)/19950406; c) ordenar que a Requerente seja, em consequência, restituída provisoriamente à posse destes seus dois imóveis; d) dispense a Requerente do ónus de propositura da acção principal através do instituto da Inversão do Contencioso.

Para tanto alegou, em suma, ser a dona do prédio urbano sito à Lapa do Lobo que identifica e, bem assim, de um rústico ali situado, sendo certo que, a despeito das inscrições matriciais autónomas, os prédios em causa formam uma unidade, encontrando-se o urbano implantado no rústico.

Mais alegou ter adquirido tais prédios mediante negócio de compra e venda celebrado com seu ex-marido, F..., sendo que por si e seus antecessores vem ocupando e possuindo os aludidos imóveis nas condições e pelo prazo conducentes à aquisição originária por usucapião, que expressamente invoca.

Sucede que no ano de 1980, por mera caridade, por cuja prática era conhecida, a sogra da requerente, D. G..., permitiu que a família dos requeridos ocupasse o dito prédio urbano a título provisório, situação que foi perdurando no tempo dado o estreitamento das relações de amizade entre as duas famílias. Embora ninguém habite a casa já há alguns anos, começaram recentemente os requeridos a agir como se os imóveis lhes pertencessem, dali tendo retirado lenha sem autorização e, já no corrente de ano de 2014, colocaram um cadeado no portão, assim impedindo a requerente de aceder aos identificados prédios e, por consequência, a um dos alpendres neles existente, no qual mantém bens móveis a si pertencentes e ao seu ex-marido, nomeadamente um veículo automóvel. Tomou ainda a requerente conhecimento de que os requeridos contactaram testemunhas com vista à celebração de uma escritura de justificação da aquisição dos prédios por usucapião, pretendendo ver reconhecida uma inexistente doação, alegadamente efectuada pela referida D. G(...).

Os factos descritos, por consubstanciarem uma situação de esbulho violento, justificam que a requerente seja restituída provisoriamente à posse dos aludidos prédios, sendo certo que os autos fornecem elementos em ordem a permitir que o litígio fique definitivamente resolvido na decisão que haja de ser proferida no âmbito do procedimento cautelar, o que também requer.

* Face ao requerimento inicial, e na consideração de que os factos alegados não eram susceptíveis de serem reconduzidos ao conceito de violência exigido pelos artigos 1279.º do Código Civil e 377.º do CPV, a Mm.ª juíza “a quo” proferiu despacho de indeferimento liminar[1].

Inconformada, a requerente interpôs recurso da decisão e, tendo apresentado doutas alegações, rematou-as com as seguintes conclusões: “I) O Despacho Liminar da Sr.ª Juiz a quo não fez uma correcta interpretação da Lei, violando, nomeadamente os art.ºs 1.º, 377.º, 378.º e 590.º, todos do Código de Processo Civil.

II) Desde logo, mesmo na interpretação da Sr.ª Juiz, que não concordou com a Requerente na subsunção dos factos alegados no conceito de violência, deveria ter providenciado pelo convite ao aperfeiçoamento do articulado desta.

III) Por outro lado, o facto dos quatro Requeridos homens terem colocado um cadeado no portão de acesso aos imóveis da Requerida Senhora, impedindo-a de exercer a sua liberdade e ficando tolhida na sua serena capacidade de decisão e de livremente agir, preenche, sem mais, o conceito de violência exigido pelo art.º 377.º do CPC.

IV) Não é aceitável que se pretenda que a Requerida tente pelos seus meios remover o cadeado ficando a aguardar pela reacção dos Requeridos (os quais nem se coibiram de demonstrar a sua força e determinação ao actuarem com recurso a cadeado), para só depois vir invocar que foi alvo de violência.

V) Para além de não ser nem processual nem estrategicamente adequado, estaria a “pôr-se a jeito” de ser constituída Arguida num futuro processo-crime de dano, encontrando-se depois com uma posição negocial bem menos favorável do que a que possui actualmente sem esse precipitado acto.

VI) Tal atitude também não seria a mais conforme com o art.º 1.º do CPC.

VII) Mesmo na hipótese de se entender que não existe violência, deveria a Sr.ª Juiz ordenar a notificação dos Requeridos para deduzirem a sua Oposição, não beneficiando a Requerida, nessa hipótese, de obter uma decisão sem prévia citação nem audiência dos esbulhadores”.

Com tais fundamentos pretende a revogação da decisão recorrida e sua substituição por acórdão que decida em conformidade com o expendido (ou seja, proferindo despacho de aperfeiçoamento ou, em alternativa, determinando o prosseguimento dos autos com a citação dos requeridos).

* Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, delas se vê que são três as questões submetidas à apreciação deste Tribunal: i. indagar se os factos alegados preenchem o requisito da violência que a Mm.ª juíza “a quo” entendeu estar em falta; ii. a ser entendido que assim não ocorria, saber se deveria a Mm.ª juíza “ a quo” ter proferido despacho de aperfeiçoamento, em ordem a permitir à requerente que alegasse os factos necessários; iii. indagar se na ausência do requisito da violência é, ainda assim, permitido ao requerente lançar mão do procedimento nominado de restituição provisória de posse, com supressão do benefício da não audição prévia da parte contrária.

* Fundamentação i. Interessando à decisão os factos constantes do processo, tal como os deixámos relatados em I., para auxiliar a exposição subsequente iremos transcrever os factos alegados pela requerente em ordem a sustentar a verificação do requisito que a Mmª juiz “a quo” entendeu encontrar-se em falta.

Estão em causa os factos alegados sob os artigos 33.º a 43.º, com o seguinte exacto teor: “33.º Pelo que o urbano designado no doc. n.º 1 encontra-se desabitado há, seguramente, 2 ou 3 anos.

34.º Sendo que duas ou três vezes por semana alguém vai levar comida ao cão que lá deixaram para indiciar alguma prova de uso da casa.

35.º Todavia, como se pode constatar pelo improvisado W.C. executado no exterior das paredes de pedra da habitação, o mesmo já não tem serventia há anos.

36.º Aliás, esta casa, a partir de certa altura foi fornecida por água ao domicílio mas nunca por electricidade.

37.º Sucede que, e entrando nos pressupostos da restituição provisória da posse, não só os Requeridos não restituem o urbano à sua legítima proprietária, como inverteram o...

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