Acórdão nº 287/07.8TAGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução28 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do PCC n.º 287/07.8TAGVA do Tribunal Judicial de Gouveia, foram, entre outros, os arguidos B...

e C...

, melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, findo o qual, por acórdão de 3 de Julho de 2013, do Tribunal Colectivo de Gouveia foi deliberado [transcrição parcial]: «Em face do exposto decidem os Juízes constituídos em Tribunal Colectivo da comarca de Gouveia: I.

Absolver os arguidos C... e D... do imputado crime de peculato na forma continuada.

II.

Condenar os arguidos: a.

B...

, pela prática de: i.

Um crime de peculato p. e p. pelos artigos 375.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; ii.

Um crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 377.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; iii. Um crime de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 256.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.

b.

C...

, pela prática de um crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c.

E...

, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 28.º, , n.º 1, 256.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão.

III.

Operando o cúmulo jurídico das penas, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, condenar o arguido B...

na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.

  1. Suspender a execução: a.

    Da pena única de prisão determinada ao arguido B...

    pelo período de 4 (quatro) anos, com sujeição a regime de prova e com o dever de o arguido pagar ao assistente “ A...

    ”, no prazo de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, a quantia de € 8 700,00 (oito mil e setecentos euros), tudo nos termos do disposto nos artigos 50.º, 51.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, e 53.º, n.º 3, do Código Penal; b. Da pena determinada ao arguido E...

    pelo período de 14 (catorze) meses, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal V.

    Substituir a pena de prisão determinada à arguida C...

    pela pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo € 1 800,00 (mil e oitocentos euros), conforme o disposto no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal.

    VI.

    Absolver o arguido/demandado D...

    do pedido de indemnização civil contra ele deduzido.

    VII.

    Condenar os arguidos/demandados: a.

    B...

    no pagamento ao assistente/demandante “ A...

    ” da quantia de € 74 455,00 (setenta e quatro mil quatrocentos cinquenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar das datas em que cada uma das parcelas/quantias foi retirada e até efetivo e integral pagamento; b.

    B...

    e C...

    no pagamento solidário ao assistente/demandante “ A...

    ” da quantia de € 1 943,40 (mil novecentos quarenta e três euros quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar das datas em que cada uma das parcelas/quantias foi retirada e até efetivo e integral pagamento.

    (…)».

    1. Inconformados com o decidido, recorreram os arguidos B...

      e C...

      [o que fizeram conjuntamente], extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1º A arguida C... não cometeu o crime de participação económica em negócio pelo qual foi condenada.

      1. Desde logo porque não detinha a qualidade de funcionária da Instituição, depois porque não tinha poderes de representação de nenhum cargo (não podendo, por isso, retirar dele vantagens ilícitas), depois ainda porque nenhuns interesses patrimoniais lhe cumpria administrar, fiscalizar, defender ou realizar e, por último, porque a sua participação nesse intitulado negócio não é ilícita, por não ser proibido nem ilegal, aos olhos da lei, contratar um trabalhador, mesmo sendo filho do Presidente da Direção da entidade patronal, que se provou ter permanecido na Instituição, ter estado disponível para desempenhar as funções que lhe foram pedidas e ter trabalhado, para além do mais, no desenvolvimento de um complexo e relevante projeto de criação de uma Unidade de Cuidados Continuados.

      2. Não existe qualquer possibilidade da qualidade de não “funcionária” desta arguida lhe ser extensível por força do art. 28 do C. Penal, não só porque se trata de um requisito essencial de punibilidade do ato, mas especialmente porque a norma incriminadora deste tipo legal de crime (art. 377 do C. Penal) tem o intuito claro de apenas prever e punir condutas ilícitas de funcionários, na aceção que lhe é dada pelo art. 386 do C. Penal, e não de quaisquer outras pessoas que, por não beneficiarem dessa qualidade, também não podem obter vantagens ou benefícios indevidos por negócios desenvolvidos no âmbito desse especifico estatuto.

      3. No que respeita à arguida C..., o Tribunal errou de forma notória na apreciação da prova, julgando incorretamente os pontos 20, 85, 92 e 93 da matéria de facto dada como provada, pelas razões enunciadas nas antecedentes páginas 30 e 31, que aqui se reproduzem e das quais ressalta a total injustificação e incompreensão pela não valoração quer das suas declarações quer das do seu pai B....

      4. O arguido B... também não praticou este tipo legal de crime, por não ter participado em nenhum ato ilícito e por não fazer sentido, em face das regras da experiência, que depois da sua filha ter sido, sem quaisquer problemas, Diretora Técnica da Instituição durante cerca de 5 anos, ter obtido a concordância dos restantes membros da Direção para a contratar como Relações Publicas mediante a retribuição mínima nacional, e necessitar de, para além do mais, de desenvolver um projeto de significante envergadura, que exigia a participação de uma pessoa com bom relacionamento institucional, associativo e politico, atributos reconhecidos à arguida C..., pudesse representar sequer que estava a praticar um crime, beneficiando-a a ela e lesando patrimonialmente a IPSS que dirigia.

      5. Seja como fôr, um ato que é licito e permitido do ponto de vista do direito administrativo e que foi praticado no exercício de um poder discricionário da Direção de uma Instituição, seguindo uma estratégia ou uma política de gestão que só a si lhe compete determinar, parece que só pode ser escrutinado e julgado pelos Serviços da Segurança Social, por serem estes, e não os Tribunais, quem tem competência legal e exclusiva para fiscalizar as IPSS.

      6. Competia ao Ministério Público ter provado, de acordo com as regras do ónus da prova em processo penal, que o arguido B... levantou os cheques identificados nos pontos 39 e 40 dos factos provados, o que logrou fazer, e para além disso, que o montante desses cheques foi por si utilizado ilegitimamente e em proveito próprio, o que não foi demonstrado, sendo manifestamente insuficiente e legalmente inadmissível a conclusão lógica ou “a contrario” de que essa apropriação se verificou porque não há elementos documentais ou contabilísticos comprovativos do destino dado a esses montantes.

      7. Como resulta das suas declarações, articuladas com o que foi dito por quase todas as testemunhas de acusação quanto ao numero diário de utentes e funcionários que se alimentava na Instituição, o arguido pensa ter demonstrado que as aludidas verbas (mormente as levantadas na Caixa ...) se destinaram a efetuar o pagamento em dinheiro de produtos agrícolas e hortícolas – designadamente legumes, frutas, batatas, azeite e vinho – a fornecedores do Lar, mais concretamente a pequeníssimos produtores, todos eles oriundos da aldeia de x(...), que não possuíam faturas, recibos ou outros documentos contabilisticamente e fiscalmente admissíveis.

      8. Além disso, todos os cheques da Caixa (...) foram levantados com regularidade trimensal e com as assinaturas do arguido e do tesoureiro, o que, de acordo com as regras da experiência, afasta claramente uma estratégia furtiva ou oculta de sonegação ou apropriação de verbas por parte do arguido.

      9. Por outro lado, este procedimento de levantamento de cheques, a sua troca por numerário, a entrega deste ao tesoureiro e o posterior pagamento de fornecimentos, já ocorre na instituição desde o ano da sua fundação, em 1987, o que torna absurda, até pelos brutais valores envolvidos, a ideia da apropriação (exclusiva ou não), e durante 20 anos, dos respetivos montantes por qualquer elemento da Direção.

      10. Uma investigação séria e rigorosa devia ter ido muito mais longe, não se restringindo a um apuramento parcial dos factos e incidindo apenas sobre cerca de dois anos e meio (dois meses de 2004, 2005, 2006 e cinco meses de 2007), o que, por desconsiderar a prática e a verdade anterior, é suficiente para distorcer a realidade e criar a falsa ideia de uma aparente apropriação.

      11. Quanto aos cheques do Banco (...), também eles assinados pelo Tesoureiro, a explicação que o arguido deu para o seu levantamento é, no seu entender, perfeitamente plausível e credível, julgando que também nesta parte o seu depoimento deveria ter sido devidamente considerado e corretamente valorado, não obstante não terem sido encontrados documentos contabilísticos ou outros que comprovassem as operações efetuadas.

      12. Os de maior valor (4000€, 3000€ e 2325€), que segundo o arguido se destinaram a pagar empréstimos feitos pelo QQ...e por Lino Bento à Instituição, não estando especificamente retratados nos elementos contabilísticos disponíveis, somam aproximadamente o valor que o documento denominado “deposito de caixa” referente a 2006 refere (9000€) de liquidação de empréstimos a particulares, sendo que no mesmo documento de 2007, esses empréstimos já aparecem liquidados, o que permite dar crédito à sua versão.

      13. Quanto aos restantes (1500€, 1420€ e 850€), esclareceu, de forma que considera plausível, que tiveram como fim o reembolso a ele próprio de despesas e pagamentos que ia adiantando à Instituição, quando...

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