Acórdão nº 1478/10.0TBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução17 de Abril de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. C (…), divorciada, residente na Marinha Grande, propôs a presente acção declarativa com processo comum e forma ordinária contra Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Nacional de Pensões, com sede em Lisboa, pedindo seja declarado que a autora é titular das prestações por morte, no âmbito do regime da segurança social decorrente da morte de J (…) e o réu condenado a reconhecê-lo.

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 10 de Maio de 2010 faleceu J (…), com quem a autora viveu desde o mês de Novembro de 1996 até à data da sua morte, partilhando a mesma cama, tomando as suas refeições, passeando e saindo juntos, tendo o mesmo circulo de amigos, cada um contribuindo com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, móveis e outros para a habitação. Mais alegou que os seus pais já faleceram, não tem filhos e não obstante ter irmãos, os mesmos não têm condições para a auxiliar economicamente, o mesmo sucedendo com o seu ex-cônjuge. Que a autora encontra-se reformada auferindo reforma de 303,23 €, acrescida de complemento de reforma para idosos no montante de 70 €, sendo a sua reforma insuficiente para fazer face às suas despesas de alimentação, vestuário, electricidade, gás, renda de casa e demais encargos e despesas indispensáveis para a sua subsistência, não existindo bens na herança do falecido.

Contestou o Réu, impugnando alguns dos factos alegados pela autora, por não serem factos pessoais ou de que deva ter conhecimento. Mais alegou não ser aplicável o regime que decorre da Lei 23/2010 de 30.8 por se tratar de óbito ocorrido antes da sua entrada em vigor. Concluiu no sentido do pedido de reconhecimento da qualidade de titular de prestações por morte da Segurança Social, ser julgado de acordo com a prova que vier a ser produzida em audiência de julgamento.

* A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, e, consequentemente, foi o Réu absolvido do pedido.

* 2. A A. apresentou recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 3. O Réu contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II – Factos Provados 1. No dia 10 de Maio de 2010 faleceu J (…), com última residência habitual na Rua (...) Marinha Grande, no estado de divorciado.

  1. A Autora actualmente encontra-se reformada, auferindo, mensalmente reforma de € 303,23 acrescida de complemento de reforma para idosos no montante de € 70,00.

  2. O falecido J (...) era beneficiário da Instituição de Segurança Social.

  3. A autora viveu durante 15 anos com o então falecido J (…), até à data da sua morte, na mesma habitação.

  4. A autora e J (…) viveram juntos durante 15 anos, como se de dois cônjuges se tratasse.

  5. Partilhavam a mesma cama, relacionando-se afectiva e sexualmente.

  6. Tomando as refeições em conjunto.

  7. Passeando e saindo juntos.

  8. Tendo o mesmo círculo de amigos.

  9. Cada um contribuindo com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, móveis, electrodomésticos e outros que existem na morada onde viviam.

  10. O falecido cuidava da Autora quando esta se encontrava doente e ela dele.

  11. Auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia.

  12. Eram desde há 15 anos reconhecidos e tratados como marido e mulher, por todos com quem se relacionavam.

  13. Eram maiores e não existia entre ambos qualquer tipo de relação de parentesco.

  14. Ambos gozavam de boa saúde, quer física como mental.

  15. A mãe e o pai da Autora já faleceram.

  16. Não tem filhos.

  17. O seu irmão (…) é reformado auferindo 1018,24 € de pensão de reforma e a sua mulher é florista.

  18. A sua irmã (…), é reformada e viúva, auferindo 248,36 € de pensão de reforma.

  19. A sua irmã (…) é reformada e é viúva, auferindo 727,68 € de pensão de reforma.

  20. A autora tem de suportar a alimentação, o vestuário, calçado, renda de casa e ainda as despesas de saúde.

  21. A autora gasta em alimentação mensalmente quantia não concretamente apurada.

  22. Para vestir e calçar modestamente, necessita também de quantia não concretamente apurada.

  23. De electricidade paga mensalmente quantia não concretamente apurada.

  24. Em relação ao gás e água, gasta sensivelmente por mês a quantia de € 30,00.

  25. Vive em casa arrendada suportando renda mensal no montante de € 280,00.

  26. E, tudo isto, é única e exclusivamente custeada pela reforma da Autora, em virtude do falecimento do seu companheiro, J (…) 28. Vivendo no presente a Autora com graves dificuldades monetárias e económicas.

  27. Não existem bens na herança do falecido.

  28. A autora é divorciada.

  29. O ex-cônjuge da autora é trabalhador por conta de outrem auferindo cerca de 500,00€ mensais.

  30. O Agregado familiar do ex-cônjuge da Autora é composto por si, mulher e por dois filhos menores.

  31. Tal agregado familiar consume tudo o que aufere.

    Resultou ainda do teor do documento de fls. 72 a 73 que: 34. A autora casou com (…) em 8 de Dezembro de 1979, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de Outubro de 2008 transitada em julgado em 20 de Outubro de 2008.

    III - Do Direito 1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, do CPC).

    Nesta conformidade a única questão a decidir é a seguinte.

    - Requisitos constitutivos do direito à pensão de sobrevivência nos casos de união de facto.

    2.1. Para rejeitar a pretensão da recorrente a sentença recorrida argumentou que: “Ora, pese embora da matéria de facto provada resulte que a autora e o falecido J (…) tenham vivido em condições análogas às dos cônjuges durante 15 anos, o certo é que tal união de facto não é juridicamente relevante, atento o disposto nos artºs1º nº1 e artº 2º alinea c) da Lei 7/2001 de 10 de Maio ou no artº 1º nº2 e 2º alinea c) na redacção introduzida pela Lei 23/2010 de 30.08, pois tal união de facto apenas assume relevância após o transito em julgado da sentença que decretou o divórcio entre a autora e (…).

    Tendo o companheiro da autora, J (…) falecido em 10 de Maio de 2010 e o divórcio da autora com (…) sido decretado em 20 de Outubro de 2008, tal período de união de facto não perfaz mais de dois anos, prazo legalmente exigido, quer ao abrigo da lei antiga quer na redacção introduzida pela Lei 23/2010 de 30.08, o que necessariamente acarreta a improcedência da acção”.

    Todavia não podemos acompanhar este discurso argumentativo. Vejamos.

    A questão que aqui se coloca, primacialmente, é saber se tendo o companheiro da A. falecido em 10.5.2010 e o divórcio da A. com (…) sido decretado em 20.10.2008, tal...

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