Acórdão nº 2476/10.9TJCBR-M.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação Coimbra I – A Causa 1.

Em 17/07/2010[1], V… (Requerente e no contexto deste recurso Apelado) requereu a insolvência – a insolvência de pessoa singular – de C… (Insolvente ou Devedor e Apelante neste recurso[2]), invocando dever-lhe este €12.000,00 (mais juros e cláusula penal), sendo que, na execução que intentou para cobrança deste crédito[3] não logrou alcançar, por não existirem, bens aptos a propiciar a satisfação desse mesmo crédito[4], constatando, nesse particular contexto processual, relativamente a diversos outros créditos, a impossibilidade do Requerido satisfazer a generalidade das suas dívidas vencidas[5].

1.1.

Citado o Requerido (depois das sucessivas frustrações desse acto documentadas a fls. 24/51 deste apenso) deduziu este como oposição o que consta de fls. 52/54, onde, em substância, declara nada dever ao Requerente nem a ninguém, afirmação que manteve, reiteradamente e sem mais, quando instado pelo Tribunal (v. fls. 64, referência nº 2475670 no histórico do Citius) a esclarecer as suas afirmações genéricas – do tipo “nada devo!” – e a dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 30º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE)[6], continuou a afirmar, tão-só, “nada dever” e que, por isso, “não existem cinco grandes credores!” (v. fls. 66). Posição que manteve inflexível, depois de lhe ser concedido novo prazo a fls. 60 (cfr. fls. 79/80).

1.2.

Surge então, sem produção de prova ou realização de audiência de discussão e julgamento, em 20 de Dezembro de 2010, a Sentença aqui certificada a fls. 82/90 (referência nº 2519904 no histórico do Citius) – constitui esta a decisão objecto do presente recurso – declarando a insolvência do Requerido.

É, como dissemos, o que está em causa na apelação ora apreciada.

1.3.

Com efeito, inconformado com tal decisão, dela apelou o Insolvente – o recurso veio, como já se mencionou na nota 3, a ser admitido nesta Relação em sede de reclamação nos termos do artigo 688º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[7] –, apelou o Insolvente, dizíamos, concluindo a respectiva motivação (está ela certificada a fls. 39/57 do apenso K e correspondeu a fls. 450/468 do processo principal, cfr. fls. 437 da certidão que instruiu o presente recurso), nos seguintes termos: “[…] [1] – A sentença recorrida é injusta, é ilegal, é cruel, é inconstitucional.

[2] – É ilegal porque viola os artigos 3º, 7º, 11º, 12º, 35º do CIRE.

[3] – É ilegal porque viola o disposto no artigo 493º, nº 3 do CPC, conjugado com aquele artigo 3º do CIRE.

[4] – É inconstitucional porque viola o artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, bem como os mais elementares e universais princípios e direitos probatórios da equidade, do contraditório.

[5] – É inconstitucional porque se recusou a dar cumprimento ao artigo 35º do CIRE, tomando partido por uma das partes em litígio e, consequentemente, não conferindo às mesmas os mesmos direitos, garantias e possibilidades probatórias.

[6] – É inconstitucional porque não foi isenta.

[7] – É incompetente porque violou de forma grosseira o artigo 7º do CIRE.

[8] – Por tudo isto deve a presente Sentença ser revogada na totalidade e, em consequência, deve ser ordenada a marcação da audiência de discussão e julgamento para prova da existência da dívida peticionada. Só depois se poderá o Tribunal pronunciar acerca da solvabilidade ou insolvabilidade do ora recorrente! […]” [transcrição de fls. 57 do apenso K, numeração sequencial aqui introduzida] II – Fundamentação 2.

Apreciando a presente apelação – dirige-se ela, convém ter presente, tão-só, à Sentença que declarou a insolvência do Apelante –, sublinhamos que a incidência temática da impugnação resulta do teor das conclusões, transcritas no item anterior, com as quais o Apelante rematou a respectiva alegação. É o que resulta, relativamente a qualquer recurso, do disposto nos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[8].

Assim, com correspondência nas conclusões, podemos isolar, enquanto fundamentos do recurso, primeiramente, (a) o modo pelo qual o Tribunal a quo deu por integrados os factos que conduziram à declaração de insolvência, abrangendo este fundamento o preenchimento, no caso, da situação de insolvência e os supostos argumentos de inconstitucionalidade da decisão recorrida na afirmação de integração desse conceito de devedor insolvente. Reconhecemos estar em causa, na construção deste fundamento tão genérico do recurso, quase nenhuma particularização de questões (trata-se, no essencial, de apreciar e controlar todos os fundamentos da decisão recorrida). Todavia, não vemos, face a uma linha expositiva tão sui generis quanto a seguida pelo Advogado em causa própria ora Apelante (basta ler a motivação e as conclusões acima transcritas), não vemos, dizíamos, como com essa base tão peculiar será possível isolar com distinta minúcia questões concretas colocadas pelo recurso. A isto só constituirá excepção a afirmação (v. a conclusão [7] acima transcrita) da incompetência territorial do Tribunal, por referência ao artigo 7º do CIRE. Este (a competência territorial dos Juízos Cíveis de Coimbra para o processo de insolvência do Apelante) constituirá, pois, um (o) segundo fundamento do recurso (b).

2.1.

Interessam ao recurso, desde logo, os factos elencados na decisão. Aqui os transcrevemos a partir do texto da Sentença: “[…] Em face dos documentos juntos aos autos pela requerente, que não foram impugnados, e da posição assumida pelo requerido na sua oposição, estão assentes os seguintes factos: 1.

O requerido subscreveu um documento denominado «Acordo de pagamento e confissão de dívida», mediante o qual declarou acordar e confessar-se devedor para com o requerente nos seguintes termos e condições: «O Declarante signatário recebeu nesta data, em cheque e numerário, de V…, a importância de €12.000,00 (Doze mil euros), de que desde já se confessa devedor. A referida importância será paga pelo ora confesso devedor no prazo máximo de 60 dias a partir da presente data.

A partir do prazo estipulado de 60 dias o Declarante: C…, confessa-se devedor de juros de mora à taxa mais elevada legalmente permitida até efectivo e integral pagamento.

Fica com a obrigação do Declarante: C…, a título de cláusula penal e em caso de incumprimento no pagamento da quantia em dívida na data acordada, o pagamento ao credor V… da quantia de €1.000,00 (Mil euros).

O não pagamento na data prevista da presente confissão de dívida dará o direito ao credor, V…, de a executar.

As partes reconhecem que esta confissão de dívida constitui um título executivo, que vai ser assinada pelo confesso devedor bem ciente e conhecer do conteúdo da obrigação aqui assumida».

  1. O requerente intentou contra o requerido acção executiva, que corre termos no 5.º Juízo Cível de Coimbra sob o n.º 1992/10.7TJCBR.

  2. O requerente constatou na execução n.º 1992/10.7TJCBR que o requerido não tem quaisquer bens, livres de ónus e encargos, que possam responder pelo pagamento da dívida.

  3. No âmbito deste processo a solicitadora de execução nomeada informou que o executado tinha a correr contra ele diversos outros processos judiciais sem cobrabilidade.

  4. Contra o requerido foram instaurados os seguintes processos executivos: - processo n.º 325-A/2002 da 1.ª secção da Vara Mista de Coimbra, em que é exequente M…, com o valor de €39.783,88; - processo n.º 2137/03.5TJCBR-B do 2.º Juízo Cível de Coimbra, em que é exequente T…, Lda., com o valor de €6.476,13; - processo n.º 1792/2002 do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras, em que é exequente B…, S.A., com o valor de €34.175,02; - processo n.º 643/03.0TBCBR da 2.ª secção da Vara Mista de Coimbra, em que é exequente J…, Lda., com o valor de €15.413,88; - processo n.º 90-A/2002 da 1.ª secção da Vara Mista de Coimbra, em que é exequente Á…, S.A., com o valor de €38.099,41.

    […]” [transcrição de fls. 84/85 da certidão que instrui este recurso] 2.2. (a) Importa compreender – na dilucidação deste primeiro e genérico fundamento do recurso – o modo pelo qual o Tribunal a quo alcançou, desde logo, este elenco de factos.

    Numa primeira aproximação, importa precisar que, determinada que foi a citação pessoal do Devedor (despacho certificado a fls. 23, correspondente ao nº 2393153 no histórico do Citius) – à qual ele, aliás, procurou furtar-se até à exaustão, como os autos ilustram –, apresentou ele, a título de oposição ao requerimento de insolvência, o que consta de fls. 52/54 (já caracterizámos, acima no item 1.1. deste Acórdão, o conteúdo dessa peça). Ora, estando essa ocorrência processual – a dedução de oposição do devedor – sujeita, entre outros, ao requisito do artigo 30º, nº 2 do CIRE (tem de vir acompanhada da lista dos cinco maiores credores), omitindo o Devedor essa indicação, adoptou o Tribunal, muito correctamente (v. nota 7, supra), o procedimento de o notificar, por duas vezes, para suprir essa deficiência da oposição, persistindo ele – e sublinhamos que se trata de um Advogado –, a coberto da afirmação genérica e não explicitada de não dever nada a ninguém, a subtrair-se ao cumprimento desse requisito de dedução de oposição ao pedido de insolvência.

    Tenha-se em conta que o nº 2 do artigo 30º do CIRE coloca o recebimento – rectius, a admissibilidade – do articulado de oposição sob reserva de entrega dessa lista dos cinco maiores credores: “[s]em prejuízo do disposto no número seguinte, o devedor junta com a oposição, sob pena de não...

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