Acórdão nº 1070/08.9TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelVIRGÍLIO MATEUS
Data da Resolução17 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NESTA RELAÇÃO O SEGUINTE: I – Relatório: Aos 3.7.2008, a Companhia de Seguros A (...) SA, com sede em Lisboa, intentou contra J (…), residente em (...), Guarda, a presente acção ordinária, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia total de € 35.729,34 e juros à taxa legal. Sustentou o pedido invocando que se trata do quantitativo que despendeu em despesas e indemnizações por via de acidente de trabalho ocorrido em 12.8.2004, sofrido por um trabalhador por conta da empresa C (...) SA, sua segurada, acidente que vitimou aquele sem culpa própria e que se ficou a dever ao facto de (…) carteiro, circulando num ciclomotor, ter sido surpreendido pelo súbito aparecimento de um cão, de propriedade do réu. Mais alegou que o cão, solto, saiu para a estrada e atravessou-se à frente do sinistrado, provocando a queda deste, donde resultaram lesões físicas e tratamentos médicos cujas despesas, indemnizações, pensões provisórias e remição a A. foi liquidando ao sinistrado. Invocou a sub-rogação, bem como a responsabilidade do réu, fundada nos artigos 493º e 502º do CC, por os donos dos animais estarem obrigados à sua vigilância.

O réu, beneficiando do apoio judiciário mais amplo, contestou, invocando a prescrição e alegando que, como a A. não indicou a raça, a cor e o tamanho do cão, não pode reconhecê-lo como sendo de sua propriedade, e que o acidente ocorreu por a vítima seguir distraída, desatenta e com velocidade excessiva, e impugnando as invocadas lesões e despesas, por não serem consequência do alegado acidente. Acrescentou que não presenciou o acidente, mas ele réu e outros populares socorreram o sinistrado, o qual apenas se queixava de um joelho; não sabe se o acidente foi ocasionado pelo aparecimento de um cão ou de outro animal; tem dois cães, um dos quais então estava preso e nenhum saiu da sua residência; qualquer animal que surgisse na estrada era visível a distância suficiente para o sinistrado poder imobilizar o veículo sem embater.

A A. replicou.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi definitivamente julgada improcedente a excepção de prescrição e foi elaborada a base instrutória (fls. 177 a 190). A audiência de julgamento culminou nas respostas motivadas à base instrutória, como constam a fls. 246 ss.

Foi proferida sentença, que concluiu decisoriamente julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do pedido, com fundamento, em suma, em que se tratou de «dano ocorrido com negligência do trabalhador vitimado», porque este conduzia desatento.

Inconformada, recorre a autora, concluindo a sua alegação: 1. Em parte nenhuma do processo ou da matéria dada como provada se refere que os outros animais surgiram do lado esquerdo do sinistrado.

  1. Em parte nenhuma do processo se refere ou afirma, ou sequer tenha ficado dado como provado que o sinistrado se precavia ou mesmo se desviava dos aludidos animais.

  2. Muito menos que o cão do R. ora apelado seja um caniche.

  3. Não se pode tentar fundamentar uma decisão, salvo o devido respeito que é muito, com factos que não só não foram carreados para os autos, como não foram alegados e tão pouco não ficaram provados, como é lógico.

  4. Pelo que, pela matéria factual dada como provada, não pode concluir-se que o sinistrado teve culpa na produção do acidente.

  5. Outrossim, ficou demonstrado e dado como provado que “O animal entrou na faixa de rodagem, da direita para a esquerda, a correr, até ser embatido pelo ciclomotor”.

  6. Ficou demonstrado que o cão pertencia ao R. e que se encontrava solto e sem vigilância na via pública e invadiu a faixa de rodagem, causando o acidente.

  7. Tanto basta para que se conclua que sobre o réu impendia o dever de vigilância referido no artº 493º, nº 1, sobre ele recaindo a presunção de culpa ali prevista, que lhe cabia ilidir.

  8. Cabia ao réu alegar e provar, por exemplo, que na data dos factos, o cão se encontrava preso e sob vigilância em local fechado ao público, etc.

  9. O que não aconteceu.

  10. O réu não logrou, pois, ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia, pelo que responde, ao abrigo do disposto no citado artº 493º, nº 1.

  11. Estando demonstrada a existência de um evento ilícito e danoso, resta verificar a imputação da sua responsabilidade ao Réu.

  12. De facto, relativamente à responsabilidade por danos causados por animais, o art.º 493º, n.º 1, do C. Civil, estabelece uma presunção legal de culpa por parte de quem tiver assumido a vigilância de animais, estatuindo que quem tiver assumido este encargo, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

  13. Trata-se de uma situação típica de culpa in vigilando, em que o dano resulta da omissão do dever de guarda dos animais, cuja presunção de culpa radica na perigosidade inerente a estes, decorrente da imprevisibilidade dos respectivos comportamentos, a justificar especiais cuidados por parte da pessoa que os tem à sua guarda.

  14. O acidente ficou a dever-se ao aparecimento inopinado e imprevisível de um cão a atravessar a estrada.

  15. O artº 502º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse e tem como pressuposto o perigo especial que é característico ou típico dos animais utilizados, variando com a natureza destes.

  16. Ao entender de outra forma, não fez correcta aplicação do direito o Sr. Meritíssimo Juiz a quo, pelo que deve a Sua Decisão ser revogada.

    O réu contra-alegou, concluindo: 1º Tendo resultado da instrução da causa produzida em audiência de discussão e julgamento da causa, mormente do depoimento do (…), inquirido e contra inquirido pelas partes que «na distribuição postal, em Vila Mendo, onde reside o réu J (…), o (…) foi perseguido por vários cães que se dirigiram ao ciclomotor, um dos quais castanho», 2º Facto que se deve entender como sendo instrumental, uma vez que só indirectamente interessam à solução do pleito, por servirem para demonstrar falsidade dos factos pertinentes alegados pela autora e por se circunscrever no âmbito da causa de pedir por esta deduzida, 3º Andou bem o Tribunal “a quo” ao considera-lo e nele assentar a sua decisão nos termos do artºs 264º, 515º, 664 e 665º do CPC, 4º Até porque constitui hoje entendimento, praticamente pacífico, que é legalmente possível dar respostas aos quesitos de forma ampliativa ou restritiva, desde que se situam dentro do âmbito matéria alegada pelas partes e do objecto da acção, e com vista a que os factos a dar ou não como assentes correspondam, o mais possível, àquilo que, na realidade, se passou ou aconteceu.

    1. In casus tal materialidade veio responder de forma clara a factualidade vertida no artº 4º da base instrutória, esclarecendo que não foi ao passar pela residência do Réu J (...) , que B (...) foi surpreendido por um canídeo de pequeno porte, mais concretamente com cerca de 40cm de altura e cerca de 60cm de comprimento, de cor amarela esbatida, mas sim que foi na que na distribuição postal, em Vila Mendo, onde reside o réu J (…), que o (…) foi perseguido, e não por um cão mas por vários.

    2. Por outro lado, nada impede o julgador de em sede de fundamentação fáctica, e numa analise critica da prova produzida em julgamento por forma a alicerçar as suas respostas a matéria de facto objecto de instrução e assim de fundamentar a sua convicção de apelar aos meios probatórios apresentados em audiência, como no caso em apreço o depoimento do sinistrado B (...) que referiu “os outros animais surgiram do lado esquerdo do sinistrado”, e por forma a deles se precaver e até deles se desviar embateu no canídeo de pequeno porte castanho, de que só se apercebeu encontrar-se do seu lado direito quando nele embateu.

    3. Como bem, refere a recorrente da materialidade não foi considerada demonstrada mas foi atendida em sede de decisão, para provar que não foi o canídeo que se atravessou de forma repentina, surgido de uma valete com ervas de 50 cm, atrás das quais se encontrava escondido, não permitindo ao sinistrado evitar o embate, mas sim que foi este quem nele embateu por não se ter apercebido dele pelas razões vertidas que antecede.

    4. Respondendo assim de forma restritiva a materialidade acolhida no artºs 9º a 12º da Base Instrutória.

    5. Pelo que o Tribunal a quo apenas se limitou a dar cumprimento ao disposto nos artºs 653º nº 2 , e 158 º do CPC.

    6. Assim mal interpretou a recorrente a decisão recorrida ao entender que aqueles factos fundamentaram a decisão, pois que apenas se limitaram a fundamentar os factos provados e não provados. Sem conceder 11º Ao invés do sustentado pela recorrente, atento as respostas restritivas dados aos factos vertidas na base instrutórias não ficou demonstrado que: a)- O cão pertença do R se encontrava sem vigilância, b)- O cão pertença do R se encontrava na via publica, c)- O cão pertença do R tenha invadido a faixa de rodagem, d)- O cão pertença do R causou o acidente, atravessando-se a frente do ciclomotor conduzido pela sinistrado Altino, e)- O Réu tivesse o canídeo em seu poder em momento anterior, f)- O réu tivesse assumido a obrigação de o vigiar.

    7. Pretendendo a aqui autora exercer o direito que lhe confere o artº 17º nº 4 do Decreto–lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, conjugado com o artº 593º do CC e subrogar-se no direito do lesado contra os responsáveis, nomeadamente por entender ter-se verificado culpa in vigilando do Réu, cabia-lhe, nos temos do art 342º e 487º do CC provar que o agente, por acção ou omissão, praticou um acto ilícito, isto é, um acto violador de direitos de terceiro, em que o objecto cuja vigilância lhe coubesse tenha tido uma intervenção ilícita relevante, 13º Só com a prova do facto ilícito por parte do Reu estaria a autora legitimada a accionar o instituto da presunção de culpa estabelecido no artº 593º.

    8. Ora em lado algum ficou...

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