Acórdão nº 191/09.5EACBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I. RELATÓRIO No inquérito 191/09.5EACBR, que corre termos na 2ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, no qual são arguidos A... & Cia., B... e C..., a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, em 13 de Janeiro de 2011.

Em 25 de Março de 2011, os arguidos requereram a devolução dos bens apreendidos nos autos – vinte conjuntos de poker, acondicionados em três caixas de cartão – à sua proprietária, a arguida A... & Cia., e a destituição da arguida C... das funções de depositária dos mesmos.

Em 31 de Março de 2011, o Digno Magistrado do Ministério Público remeteu os autos ao Tribunal de Instrução Criminal com a seguinte promoção: “ (…).

Remeta os autos ao TIC, promovendo-se que sejam declarados perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos, pois que se trata de material caracterizadamente destinado à prática de um jogo de fortuna ou azar, pese embora tenha sido proferido despacho de arquivamento, por se indiciar que os arguidos agiram em erro sobre as proibições – art. 116º do DL 422/89, de 02.12, alterado pelo DL 10/95, de 19.01.

(…)”.

* Em 14 de Abril de 2011, a Mma. Juíza de Instrução proferiu o seguinte despacho: “ (…).

Tal como promovido a fls. 150, declaro perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos, face ao teor da dita promoção.

(…)”.

* Inconformados com a decisão, dela recorrem os arguidos, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ (…).

  1. O presente processo tem por base uma acção de fiscalização levada a cabo no dia 21 de Dezembro de 2009, pela ASAE, em diversos estabelecimentos comerciais da titularidade da Arguida A... em todo o território nacional, nos quais se incluiu o estabelecimento sito na …. , em Coimbra, B. Apesar de no presente processo ter sido proferido despacho de arquivamento, foi dado como verificado o tipo objectivo do ilícito criminal ora em crise e considerado que os produtos aprendidos oferecem sério risco de serem utilizados na prática de novos factos ilícitos.

  2. Tendo o Ex.mo Senhor Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra decidido, através de despacho proferido em 14 de Abril de 2011, que os mesmos sejam declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal.

  3. Sucede que não estão reunidos os pressupostos para que sejam declarados perdidos a favor do Estado os produtos apreendidos no âmbito do presente processo, nomeadamente porque estes não serviram para a prática do crime p.p, no artigo 115.º da Lei do Jogo ou para a prática de qualquer outro facto ilícito.

  4. Aliás, refira-se que, na grande maioria dos processos que foram instaurados após a acção de fiscalização concertada levada a cabo pela ASAE no dia 21 de Dezembro de 2009, o entendimento dos Serviços do Ministério Público foi o de concluir pela inexistência de qualquer ilícito criminal, determinando o arquivamento dos mesmos ao abrigo do artigo 277.º, n.º 1 do CPP, F. A norma prevista no artigo 115.º,° da Lei do Jogo está redigida de uma forma demasiado abrangente sendo necessário interpreta-la de forma restritiva, para que a sua aplicação a situações fácticas concretas seja efectuada com adequação e proporcionalidade ao fim que a norma pretende tutelar e aos interesses que o legislador pretendeu salvaguardar com a sua previsão.

  5. Esta norma está incluída na Secção intitulada "Dos crimes", na qual se prevê uma série de ilícitos criminais que estão associados aos jogos de fortuna ou azar.

  6. O fim último das normas incluídas nesta Secção da Lei do Jogo não é o de proibir tout court qualquer conduta relacionada com a prática de jogos que sejam caracterizados como de fortuna ou azar, mas o de procurar evitar-se a obtenção ilícita de um proveito ou vantagem económica directa ou indirectamente resultante da exploração de jogos de fortuna ou azar.

    I. Impondo-se regras para o exercício da actividade de exploração económica de jogos de fortuna e azar, determinando que esta actividade se realize em locais definidos e limitados, seja conduzida por entidades devidamente licenciadas para o efeito, e seja praticada dentro de determinadas regras e princípios cujo cumprimento possa facilmente ser controlado pelas autoridades administrativas.

  7. Sendo que o fim específico do artigo 115.º da Lei do Jogo, cuja violação foi imputada aos ora Arguidos, é o de "privar os potenciais agentes do crime de exploração ilícita de jogo dos meios necessários para o fazer.

    " (cf. cit. Doc. n.º 9).

  8. Assim, não constituirá um ilícito criminal a mera venda de objectos que possam ser utilizados na prática de jogos de fortuna ou azar – como os que estão em causa nestes autos –, tal como não será crime, por exemplo, um comerciante vender um baralho de cartas a quem com estas irá jogar "blackjack" , também este um jogo de fortuna ou azar como o "poker".

    L. Nos presentes autos não se está perante a exploração ilícita de jogos de fortuna ou azar, porquanto nenhum dos ora Arguidos retirou ou retirará qualquer benefício económico directo ou indirecto da prática do jogo a que se destina o produto em questão.

  9. Além de que, nem sequer é verdade que o jogo a que se destina o produto em causa nos presentes autos tenha que ser necessária e obrigatoriamente jogado a dinheiro, ou que dele resulte um qualquer benefício económico para os intervenientes no mesmo ou para qualquer terceiro.

  10. Pelo que a mera comercialização do produto em causa nos presentes autos não consubstancia a prática de qualquer crime previsto pela Lei do Jogo, nomeadamente do seu artigo 115.º, não estando portanto verificado o tipo objectivo deste ilícito criminal. O. Os produtos apenas são apreendidos no âmbito de processos de natureza criminal e declarados pedidos a favor do Estado, ordenando-se a sua destruição, nos casos em que tenham servido para a prática de um facto ilícito, estivessem destinados à prática de um facto ilícito ou tenham sido o produto de um facto ilícito e, cumulativamente, constituam um perigo para a segurança, moral ou ordem públicas ou possam ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos.

  11. Não estão, portanto, reunidos os pressupostos para que os produtos apreendidos no âmbito dos presentes autos sejam declarados perdidos a favor do Estado, devendo ser revogada a decisão do Ex.mo Senhor Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra e restituídos os produtos apreendidos à Arguida A..., legítima proprietária dos mesmos.

    Nestes termos e nos demais de Direito requer-se a V. Exas. se dignem julgar procedente o presente recurso e, em consequência, seja revogada a decisão do Ex.mo Senhor Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra e restituídos os bens apreendidos à Arguida A..., legitima proprietária dos mesmos.

    (…)”.

    * Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: “ (…).

    1. Como se disse no despacho de arquivamento proferido nos autos, é nosso entendimento que a situação aqui apurada...

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