Acórdão nº 533/09.3TAMMV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório 1. No âmbito do processo n.º 533/09.3TAMMV do Tribunal Judicial de Montemor-O-Velho, que se iniciou com a denúncia contra desconhecidos por parte de A..., finda a fase de Inquérito o Ministério Público, por despacho de 14.06.2011, considerando que não foram recolhidos indícios suficientes, quer da prática do crime – furto qualificado - quer dos seus agentes, determinou o arquivamento dos autos – [cf. fls. 454 a 462].

    1. Inconformada com o assim decidido, requereu, em simultâneo, a denunciante a sua constituição como assistente e a abertura da Instrução – [cf. fls. 471 a 479].

    2. Pretensão que foi objecto do despacho judicial de 02.09.2001, que indeferiu a requerida constituição como assistente e, em consequência, a abertura da fase de Instrução.

    3. Inconformada com a decisão recorreu A... , extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [o que fez na sequência da notificação que, para o efeito, lhe foi dirigida ao abrigo do disposto no artigo 417º, nº 3 do CPP]: 1. A Requerente, à data dos factos, era ainda proprietária da parcela de terreno em causa, como, aliás, foi reconhecido em Douto Despacho, gozando por tal, de direito de propriedade sobre a mesma; 2. Consequentemente, por ser proprietária e gozar do direito de propriedade, a Requerente é titular do interesse «especialmente protegido» pela incriminação, podendo, assim, considerar-se como ofendida; 3. Por não terem sido verificados os pressupostos/condições de efectivação da posse administrativa, constantes do Art.º 20.º, nº 1, do C. E., nomeadamente, por falta de verificação das alíneas b) e c), sendo a Requerente proprietária, tem o direito de se constituir ofendida e assim, tem igualmente, legitimidade para se constituir Assistente; 4. Gozando dessa qualidade processual, pode requerer a abertura da Instrução como é seu intento. Pelo que, 5. A MM.ª Juíza violou com o seu despacho o disposto no Artº 20.º, n.º 1, do Código das Expropriações.

      Termos em que e nos demais de direito requer a V.ª Ex.ª que: I. Seja admitida a sua intervenção no processo como Assistente nos presentes autos e, II. Seja declarada a abertura de Instrução e, consequente produzida a prova indicada, devendo, a final, ser proferido despacho de pronúncia.

    4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: 1. A recorrente não cumpriu o ónus de especificação constante dos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do Código de Processo Penal já que as alegações de recurso não contêm conclusões pelas quais se conheça, em resumo, as razões do pedido.

    5. Assim, nos termos do n.º 3 do art.º 417º do Cód. de Proc. Penal, deverá a recorrente ser convidada a apresentar as conclusões do recurso no prazo de dez dias.

    6. No art.º 68º, n.º 1, al. a) do Cód. de Processo penal consagrou-se um conceito estrito, imediato ou típico de ofendido, revelando uma clara intencionalidade do legislador estabelecer o equilíbrio possível entre o interesse dos particulares em intervir no processo penal e a necessidade de proteger as finalidades do processo.

    7. A definição de ofendido em processo penal reconduz-se à individualização do objecto jurídico do crime, do bem protegido por cada incriminação.

    8. No caso do tipo legal do crime de furto, conclui Faria da Costa que “é absolutamente lógico poder afirmar-se que o bem jurídico protegido é a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica” pelo que o titular do interesse protegido pela norma é “aquele que tem […] a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica”.

    9. Nos termos do disposto nos art.ºs 15º e 20º do Código das Expropriações, a declaração de utilidade pública e a atribuição de carácter urgente à expropriação do prédio da recorrente conferiu de imediato à entidade expropriante a posse administrativa do prédio.

    10. Com efeito, atribuído carácter de urgência à expropriação para obras de interesse público acto administrativo da expropriação é imediatamente eficaz, não carecendo de nenhum outro que o venha concretizar, e define a título definitivo os direitos da recorrente, conformando-os em termos de os restringir.

    11. Neste enquadramento jurídico, embora formalmente ainda seja proprietária do bem, conferida à Câmara Municipal de Montemor-o-Velho a posse administrativa do prédio, a recorrente viu os seus poderes de fruição do bem e das suas utilidades totalmente conformados e restringidos, não podendo assim reagir aos actos materiais de disposição praticados sobre aquele.

    12. Assim, o interesse particular da recorrente na determinação do valor das areias extraídas do prédio para efeitos de fixação da indemnização pela expropriação não pode merecer a tutela da norma incriminadora já que, em momento anterior à data da prática dos factos, em consequência da posse administrativa do bem, a recorrente, e utilizando a terminologia de Faria da Costa, tinha perdido de forma inequívoca a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica, não sendo assim titular do interesse especialmente protegido pela norma.

    13. Motivo pelo qual, por falta de legitimidade, não poderá a recorrente ser admitida a intervir no qualidade de assistente nos autos.

      Termos em que deverá ser indeferido o recurso interposto, assim se fazendo Justiça! 6. Admitido o recurso, fixado o regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este tribunal.

    14. Na Relação o Ilustre Procurador – Geral Adjunto apôs o seu visto.

    15. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

  2. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

    No caso em apreço o que urge decidir traduz-se em saber se a recorrente A... tem legitimidade para se constituir assistente nos presentes autos – os quais tiveram início com a denúncia da sua parte - onde imputa a desconhecidos a prática de factos susceptíveis de integrar os crimes de furto e/ou dano qualificados no prédio rústico, melhor identificado nos autos, do qual, à data dos mesmos, era proprietária, ocorridos em momento posterior à publicação da declaração de utilidade pública com carácter de urgência da expropriação do aludido prédio rústico, mas anterior à realização da vistoria ad perpetum rei memoriam, e, bem assim, ao depósito ou pagamento da indemnização à expropriada – a dita denunciante.

    1. A decisão recorrida Ficou...

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